Ao ver o conjunto de curtas que um produtor decidiu juntar para compôr o filme sobre o 11 de Setembro ocorreram-me algumas coisas.
Por exemplo, que o 11 de Setembro só pode ser nomeado assim porque foi talvez a primeira tragédia vivida em directo televisivo, radiofónico e internético pelos produtores da esmagadora maioria de fluxo comunicacional no planeta. Por isso o 11 de Setembro se impôs como uma evidência do terror a todo o mundo. Há pelo menos duas curtas que questionam essa evidência de forma algo indirecta,e quanto amim conseguida: o filme de Samira Makhmalbaf (??) com as crianças afeganistãs refugiadas exploradas pelo trabalho infantil a falarem do atentado numa muito rica desconstrução da evidência da universalidade da revolta e da piedade que o terror televisionado deveria transmitir ao homem contemporâneo. O outro é o filme bastante fraco do realizador da Costa do Marfim que, mesmo assim, acaba por revelar numa espécie de subtexto a completa indiferença do quotidiano de uma capital africana (embora pequena cidade) à tragédia dos ianques. Se for assim, 11 de Setembro significa para esta gente, que merece tanta consideração como qualquer outra, exactamente o que significava antes dos atentados. E para isto concorre não só o facto de naquele momento as pessoas não estarem colonizadas pelo american way of thinking, (que é, como qualquer outro, autocentrado) mas também de não disporem da mais pequena chave interpretativa dos conteúdos simbólicos da mensagem do terror: o World Trade Center, o pentágono, Nova Iorque, são tão desconhecidos como o solo lunar. Um avião contra uma torre é um fait divers.Paradoxalmente, e era aqui que queria chegar, o facto de esta gente estar essencialmente subtraída aos fluxos da colonização mediática (com N razões diferentes e de consequência também diferentes) torna-os imunes às evidências totalizadoras do espectáculo televisivo. E acho que isto é politicamente relevante porque de alguma forma torna esta gente mais informada. Ao invés, parece-me necessário desmistificar, do lado de cá da barreira mediática, o consenso que se gerou à volta da inadmissibilidade do terror. Sem querer entrar na discussão sobre o branqueamento emocional do terrorismo de Estado americano, que me parece também evidente, fiquei a pensar na tremenda injustiça que as lágrimas vertidas pelos mortos de Nova Iorque representam para os que morreram hoje, ontem, anteontem e por aí fora em todo o mundo por causa de decisões que implicam o uso da máquina de guerra americana. E como, de maneira muito mais forte do que provavelmente admitimos, essa injustiça se constrói todos os dias, banalmente, num episódio dos Sopranos ou num filme de Hollywood, que nos vendem o americano como um de nós, que normalizam o americano como aquele tipo dotado de/ou que concentra as características mais autênticas e definidoras do ser humano, ou melhor, do Homem (admitindo que todos fomos, muito iluministicamente, doutrinados a venerar essa figura mítica). Claro que isto tem tudo a ver com as noções de civilização, confronto ocidente/oriente e outras construções ideológicas. Por isso não consigo, como nunca consegui, indignar-me com o 11 de Setembro. Ou por outra, o mundo está cheio de 11 de Setembros, a maior parte deles por responsabilidade directa do Estado americano. Grande coisa, morreram uns quantos (uma estatística) em duas torres em Nova Iorque, sai um coro de carpideiras com controlo remoto na Casa Branca. É para mim pornográfica a propaganda da emoção com a morte dos atentados terroristas de Nova Iorque, que continua a desempenhar o seu papel no combate político. O 11 de Setembro ou é tudo ou então não pode ser nada.