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25 abril 2017

O património da memória e do esquecimento

Por Lucinda Fonseca Correia
Arquitecta Artéria Arquitectura
"Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de  pensar, a amoralidade e a hiperexcitação."
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
Arquitectura é transformação. Arquitectura é interferência com a vida. Arquitectura é recordação e esquecimento. Arquitectura é permissão e interdição e por isso é fundamentalmente ordem. A Arquitectura torna-se “política” 1 na medida em que o seu exercício resulta da afinidade óbvia entre espaço e poder, de outro modo, não se legitimaria como uma profissão liberal de interesse público.



Uma arquitectura de risco

Num primeiro plano, a Arquitectura é a construção de um cenário onde o jogo cultural se desenrola, pois, em determinado sentido enquadra, fixa e torna significativa a vida e as relações humanas. Acresce que esse sentido depende sempre de um sistema de valores “culturais”. Sem Arquitectura certamente poríamos em causa a nossa identidade como protagonistas de uma ficção a que chamamos Mundo. Aliás, a Cultura faz isso mesmo: inventa o mundo como cenário 2. E ao inventá-lo dita os termos em que estamos aptos para lidar com ele. É compreensível, pois, que ofereçamos sempre resistência a qualquer alteração que ponha em causa a nossa identidade. Por outro lado, o que a Arquitectura faz é artificializar o espaço natural de modo a criar dispositivos que acolham a vida em sociedade. Todavia, a transformação do habitat natural em artificial já não se opera sem riscos 3. Tal facto, paradoxalmente, legitima e torna urgente uma revisão profunda dos termos em que aquele sistema de valores regula as nossas acções transformadoras sobre o mundo. A consciência do risco começou já a atormentar-nos. Subitamente, somos confrontados com a realidade dos factos: quando é que o efeito de estufa se torna irreversível?; quanto tempo falta para que a vida nos oceanos se extinga?; o que resta da água potável no mundo?; como é que se detectam definitivamente os sintomas da ocorrência de um colapso geral, nos sistemas de suporte da vida no planeta? Temos todos noção disto mas “olimpicamente” ignoramo-lo.
Ainda que não queiramos admiti-lo, não estará também, por analogia (e cumplicidade) a Arquitectura a “colapsar”? E esse colapso dar-se-á no sentido desta deixar de cumprir o seu objectivo essencial: hospedar a Humanidade. Já sabemos o que custa ao Ambiente construir, transformar e manter o parque habitacional terrestre. De facto, esses cálculos estão feitos: no final de cada ano constatamos que gastámos quase o dobro dos recursos produzidos pelo planeta, durante esse mesmo período 4. Nestes dados estão incluídos os efeitos da actividade construtiva humana, onde se inclui também a Arquitectura. Assim, por uma questão de justiça, os arquitectos devem pois sentar-se no divã do terapeuta e rever os passos da sua carreira dos últimos 200 anos. E para fazê-lo é necessário estabelecer critérios, à luz dos quais poderá ser levada a cabo uma auto-análise útil para os negócios do mundo. Todos aguardamos respostas, receitas, revelações, iluminações, como curto-circuitos de um raciocínio que tarda a emergir por entre os devaneios quotidianos que, fundamentalmente, enfatizam a “criatividade” ilimitada dos arquitectos (e outros projectistas). No entanto, este paradoxo só se desfará se esse exame crítico do passado for honesto, franco e desinteressado. 

O valor da memória

Para além das questões ambientais, no sentido amplo do termo, a necessidade de manutenção desse cenário dita, em segundo plano, a lógica dos “critérios” de quem intervém no construído, pretendendo consertar o velho. Aqui inscreve-se, com toda a propriedade, a ideia de intervenção no património. Em primeiro lugar, porque se trata concretamente de um património que não se pode transformar a todo o custo ou sobretudo à custa da nossa memória. Em segundo lugar, porque o efeito pedagógico da manutenção desse património deve suplantar quaisquer vantagens económicas ou políticas.

E, porque nos interessa defender o património? Como suporte privilegiado da memória colectiva, o património veicula aspectos essenciais da nossa identidade. Daí também valer para a Arquitectura a ideia de monumento 5 enquanto receptáculo daquilo que é digno ser lembrado.
Por outro lado, não devemos esquecer que os edifícios antigos, com qualidade, não morrem – apenas parecem resistir aos usos, tantas vezes insensíveis e ignorantes que lhes foram impostos pelos diferentes tempos. Trata-se então de gerir modos de habitar? Sejamos precisos: como é que costumamos prevenir um “mau” uso, ou seja, aquilo que consideramos ser uma utilização indevida de um edifício com carácter?

Partimos do princípio segundo o qual um edifício com “carácter” é aquele que soube preservar, com grande clareza, uma memória institucional 6. Isto acontece tornando os edifícios inacessíveis ao uso – musealizando-os – ou, pelo contrário, tornando-os acessíveis a um novo uso. Só o facto de lhes alterarmos a função e de os reformarmos como se se tratassem de objectos obsoletos que apenas merecem renascer como partes de outros dispositivos mais “actuais” ou, ainda, de lhes acoplarmos novos arranjos construídos onde ganham o estatuto de espectáculo gratuito, aquilo a que amiúde se chama “fachadismo”, demonstra quão equívoca é a nossa relação com o “património”. As intervenções com “manutenção das fachadas” deverão ser encaradas como um embalsamamento dos edifícios, já que ao desmiolar o objecto, retira-se-lhe a lógica da sua concepção e as qualidades que deram sentido à obra. O interior existe sempre numa relação dialética com o exterior que cada cultura explora a partir da oposição entre o privado e público. É um processo muito complexo e só irresponsavelmente, poderá ser considerado de ânimo leve.

Pedagogias do património

A delicadeza das intervenções no património exige que politicamente se promovam discussões públicas ou se lancem concursos garantindo a isenção da escolha de soluções adequadas, de acordo com as boas práticas. O próprio conceito de concurso para intervenção no património pretende garantir a qualidade do gesto interventivo, como se o arquitecto – tantas vezes considerado um “demiurgo” e/ou profissional de renome – pela sua intervenção pudesse “santificar” um eventual crime – o da destruição do património. Isto porque as memórias das quais o património é portador, de um modo geral, perdem-se a cada nova “re-novação”. E os arquitectos sabem-no... Não nos iludamos, os concursos fazem parte do esquema geral do exercício do poder. Trata-se sobretudo de uma questão ideológica, para além das idiossincracias dos projectistas concorrentes. Neste contexto, para sermos rigorosos, quem destrói o património é quem estabelece os critérios do concurso, bem como o júri que os aplica. Porque, na verdade, um concurso é algo de muito abstracto pois não há uma metodologia universalmente aplicável à conservação ou à substituição das memórias. Podemos considerar que é sempre uma escolha entre manutenção e supressão, pois a Arquitectura, mais do que a palavra escrita ou a imagem, é o melhor receptáculo da memória. 
A célebre frase de Churchill, nós formamos os edifícios e depois eles formam-nos a nós 7, não fará definitivamente sentido? É que os gostos e as circunstâncias políticas são contingentes. É que a moda do reconhecimento público de um profissional é sempre transitória. É que o “espectáculo” da Arquitectura não é um verdadeiro espectáculo.O gesto interventivo pode apagar, e habitualmente apaga, aquilo que demorou séculos e dezenas de gerações a construir. Quem somos para pôr em causa a pedagogia de uma certa forma de memória colectiva que a cidade nos deverá oferecer? Poder-se-á sempre objectar que os tempos mudam e é necessário actualizar os dispositivos de uso, é verdade. Todavia, se essa “actualização” não surge espontaneamente, de acordo com a vida dos actores da cena urbana, mas, pelo contrário, através da vontade e interesses dos decisores políticos aquilo que se pode obter é um resultado que, só por milagre, não redundará em algo de artificial e desequilibrado.


O arquitectura e o seu público

A sistematização dos saberes, das formas e dos modos de fazer tem uma utilidade limitada. A Arquitectura não é puramente forma, não é algo de autónomo, de isolado, de conceptual que vale pela impressão estética que nos causa ou pelo desafio técnico que parece representar. A Arquitectura não é um jogo. A Arquitectura é, no mínimo, a hipótese de sobrevivência de uma comunidade num espaço que lhe é próprio. Relembremo-lo: institui ordem; impõe usos e suporta uma Cultura. Isso, obviamente, não quer dizer que não evolua. E que as formas não são apenas o resultado da lógica de operações construtivas. Tudo o que o homem produz tem um qualquer antecedente. Se não houver melhor fundamentação para as formas, só o facto destas remeterem para algo que deve ser relembrado ou comemorado parece já ser suficiente. E esse será o modo de mantermos presentes os princípios de um determinado sistema de valores que nos interessa ver reconhecido ou actualizado 8. A legislação deveria garanti-lo e, ironicamente, a discricionariedade política proíbe ou autoriza vários olhares técnicos sobre o mesmo objecto. Em tudo isto parece legitimar-se uma permissividade ilimitada (ou limitada a certos interesses). Mas, quem é o público da Arquitectura? Os arquitectos, eles próprios, os clientes/promotores ou as pessoas/utilizadores? 9

É urgente desmontar este mito de colecção de formas, de conteúdos ou de meras intenções, isto é, respectivamente, de simbologias, de sociologias ou de pseudo-psicologias 10 que modelou a cultura arquitectónica e que se tornou apanágio do século XVIII, quando se “re-organiza” o Mundo a partir de um saber enciclopédico, que durou até aos nossos dias. Ainda que a Arquitectura ingenuamente 11 coleccione modos de responder formalmente às complexas variações dos usos e das práticas espaciais, em cada tempo, mesmo com a aprovação embevecida da “intelligentsia”, não se faz Arquitectura contra as pessoas. Terá a Arquitectura chegado a um beco sem saída?

texto publicado no Jornal Arquitectos

06 abril 2014

O Património artístico dos Hospitais da colina de Santana: Imperativo de Salvaguarda

Parto do princípio de que o património acumulado nos edifícios do antigo Hospital Miguel Bombarda e nos ainda Hospitais de Santa Marta, Santo António dos Capuchos e São José é não apenas relevante sob o ponto de vista histórico e hospitalar mas também sob o ponto de vista arquitectónico e artístico. Na minha qualidade de historiador de arte e ollisipógrafo, creio que se trata de conjuntos por demais relevantes em termos de arquitectura e de acervos artísticos, e por isso tenho pugnado pela sua salvaguarda integral desde que, acompanhando a desafectação de serviços, surgiram propostas visando a destruição de parte substancial desse património. Para nós, e tomando a definição de bem patrimonial veiculado pelo Arq. José Aguiar, Património é tanto a obra-de-arte a ruína, o objecto-construção, a arquitectura de um edifício (o monumento clássico), como o lugar-ambiente, os núcleos urbanos a que (mal) chamamos centros históricos, ou seja, a cidade antiga e a cidade consolidada. 




É património o território e a paisagem humanizada, enquanto arquitecturas de vasta escala, ou seja, organizações voluntárias do espaço feitas por (e portadoras dos valores dos) homens. É também património (intangível) o saber que permitiu projectar, construir, manter ou alterar». No caso dos quatro hospitais ameaçados, que foram conventos de franciscanos, dominicanos, vicentinos e jesuítas com origens arcanas e mantendo recheios artísticos e científicos de primeira ordem, defendemos desde sempre o caminho da revitalização desses patrimónios sem amputar o existente, ao contrário do que quiseram e querem impôr os projectos da ESTAMO. A valia arquitectónica dos quatro hospitais da Colina é inquestionável e documenta um percurso desde o Maneirismo ao XIX, com corpos da responsabilidade de arquitectos como Nicolau de Frias e Baltazar Álvares, no século XVI, João Antunes no fim do XVII, ou José Maria Nepomuceno, autor do célebre Pavilhão Panóptico do Miguel Bombarda, jóia do racionalismo oitocentista, bem estudado pelo Dr. Vítor Freire, e também colecções preciosas de arte, como a azulejaria que enriquece os quatro conventos – na sua maioria dos séculos XVII e XVIII, estudada por especialistas como Santos Simões, José Meco, Barros Veloso e Isabel Almasqué, já aliás devidamente inventariada pelos técnicos da Rede Temática em Estudos de Azulejaria e Cerâmica João Miguel dos Santos Simões da Faculdade de Letras de Lisboa, com um banco de dados exaustivo. Independentemente da qualidade arquitectónica e artística das propostas de projecto da ESTAMO, e do mérito dos seus proponentes, o que esteve e está em causa é a violação do «espírito de lugar» sacrificado a uma cega lógica especulativa de «rentabilização a todo o custo», como se os edifícios antigos, por existirem, fossem um estorvo para os gabinetes ditos de reabilitação urbana ! Ora, seja qual for o destino que venham a ter estes ex-conventos que foram ex-hospitais, eles têm de ser considerados, à lupa, como mais-valias do tecido histórico-cultural da cidade... Num momento em que as ameaças de destruição estão temporariamente travadas, face à decisão da Assembleia Municipal, é ainda mais urgente e imperioso avançar com propostas de salvaguarda e alternativas de utilização, incluindo as museológicas, mostrando claramente o repúdio por qualquer ‘solução final’ destrutiva, como a que se desenhava – a qual nem sequer respeitava as ZEP's dos edifícios classificados envolvidos no processo e que esquecia mesmo uma proposta de classificação do ex-Miguel Bombarda em análise da DGPC… 




 A incapacidade de saber intervir com sensibilidade, e as más decisões pautadas pelo afã do lucro, originam atentados patrimoniais sem remissão, e este seria de imensas proporções, a ser cumprido, tanto na componente patrimonial e histórico-artística, como no impacto ambiental, na descaracterização da zona e na perda de serviços da comunidade. A ausência de «perspectivas estratégicas» (cuja busca, em princípio, deveria ter envolvido todas as partes, da CML à SEC, Universidades, associações de cultura, historiadores, arqueólogos, comunidade), esteve arredada da parte de quem, face aos dados conhecidos, apenas pretendeu e pretende destruir sem sofismas para «construir com aval em nome do progresso». Mas afinal que progresso é este ? Refutamos que o país histórico só exista à medida da conveniência de grandes interesses. Não é verdade quem diz que só existem duas opções para estes espaços patrimoniais: ou se deixa como está por ditame de um patrimonialismo serôdio, ou se avança com projectos e funcionalidades previamente determinadas, mesmo que estas apaguem as «memórias valorativas» dos espaços. É certo que as cidades crescem, geram dinâmicas e novos patrimónios, mas não se aceita que esse processo se faça destruindo testemunhos históricos tão relevantes, negando-lhes valia, como é o caso dos corpos hospitalares oitocentistas de Rilhafoles e Capuchos condenados pela ESTAMO ao camartelo... Há sempre alternativas sustentadas, que passam decerto por nova construção pontual, em intervenção micro-arquitectónica sustentada, como defende o Arq. José Aguiar como princípio a seguir, mas mesmo essas não poderão prescindir da conservação do existente, respeitando as áreas de protecção dos imóveis classificados e suas linhas de evolução, tomando como base a qualidade dos edifícios, pensando serviços adequados, como centros culturais, laboratórios, pólos de vivenciação, o museu de História da Medicina que se pretende criar, sem deixar de reforçar o Museu de Arte Outsider já instalado no Miguel Bombarda e que é, no seu acervo, um dos mais importantes do mundo... tudo reflectido e pensado, sempre, com respeito pelo princípio do «espírito de lugar», de que uma cidade como Lisboa não pode prescindir. Existe alternativa aos projectos da ESTAMO, que equilibre a reconstrução com a conservação, a pontual demolição de excrescências com a valorização efectiva da Colina como todo, a rentabilização de partes com musealização de outras. É o que se espera da parte da CML para o futuro da Colina – e não o cenário apocalíptico que se quis impõr como facto consumado, depois de apagar a memória histórica e hospitalar das existências. É certo que o futuro não se constrói só a defender o passado, mas seguramente não se constrói se alienarmos esse mesmo passado. Existem sempre alternativas quando os agentes, técnicos e comunidade, sabem destacar o essencial: a dignificação de Lisboa, acima de interesses especulativos e falaciosas argumentações que visam a des-memória do tecido olisiponense. Está em causa, enfim, uma questão que à classe médica é muito querida: a História da Medicina em Portugal e a sua memória, física e museológica. O património comum une passado, presente e futuro numa intimidade de interstícios, pelo que a reabilitação dos lugares históricos só pode mesmo ser cruzada com o sentido da sua dignificação plena. Exige-se perspectiva responsável e aberta, que só faz sentido se Património, Herança e Memória caminharem de mãos dadas. É preciso que a lucidez faça doutrina, inflectindo o processo que ameaça com destruições sem remissão os ex-conventos de Rilhafoles, Santa Marta e Santo António dos Capuchos e o ex-Colégio de Santo Antão. 

 Vítor Serrão
 (texto da minha intervenção no Debate Cívico a 29 de Março, na Sociedade de Geografia, organizado pelo ICOMOS-Portugal, o ICOM-Portugal, a Secção de História da Medicina da Sociedade de Geografia de Lisboa e o Núcleo de História da Medicina da Ordem dos Médicos).

Imagens obtidas no Hospital Miguel Bombarda em 2010

03 julho 2012

ICOM e ICOMOS sobre a nova orgânica do Património Cultural e dos Museus

A NOVA ORGÂNICA DO PATRIMÓNIO CULTURAL E DOS MUSEUS

As Comissões Nacionais Portuguesas (CNP) do ICOM (Conselho Internacional dos Museus) e ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), na sua condição de representantes de profissionais dos respetivos setores, que se reúnem em organismos internacionais que têm como uma das suas missões mais relevantes a produção de teoria e códigos de boas práticas, têm vindo a acompanhar atentamente a profunda transformação em curso na orgânica do Património Cultural e dos Museus, adentro da Presidência do Conselho de Ministros.

Após meses de incerteza, devido ao desconhecimento real das alterações anunciadas, com a publicação dos Decretos-Lei nº 114 e 115/2012, que criam a Direção Geral do Património Cultural (DGPC) e reconfiguram as Direções Regionais de Cultura (DRCs), passou a ser possível apreciar, em bases objetivas, o novo enquadramento orgânico, e conceptual, do Património Cultural e dos Museus. Seguir-se-á a publicação de legislação complementar. E sendo assim, entenderam as CNP do ICOM e do ICOMOS promover de forma construtiva a discussão pública destes diplomas legais e manifestar a sua disponibilidade e interesse para contribuir civicamente para os passos subsequentes, nomeadamente a elaboração das respetivas Portarias e Despachos.

Foi com este espírito que se organizou no passado dia 23, no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, o Debate sobre “A nova orgânica da Cultura na área do Património Cultural e dos Museus”, no qual participaram largas dezenas de especialistas das diferentes áreas envolvidas. Às intervenções iniciais das oradoras convidadas, Graça Filipe, Jacinta Bugalhão, Maria João Torres Silva e Raquel Henriques da Silva, seguiu-se vivo debate em que intervieram muitos dos presentes, dando globalmente lugar a um conjunto de observações que pode ser sumariado do seguinte modo:
1º Registo da completa ausência em todo este processo de consulta de órgãos consultivos institucionais (por exemplo as Secções relevantes do Conselho Nacional de Cultura) e de associações representativas do Setor (caso por exemplo das CNP do ICOM e ICOMOS), que devem ser consideradas como parceiros naturais e privilegiados, na sua condição de representantes da chamada “sociedade civil”. Ambas as organizações estão disponíveis e interessadas em poderem dar o seu contributo construtivo sempre que sejam chamadas a tal. As políticas de património cultural e de museus requerem ciclos longos assegurados através de boas práticas democráticas em matéria de formação de opinião governativa.
2º Considera-se também de todo o interesse e utilidade a convocação dos melhores epecialistas nas áreas respetivas de incidência destes diplomas para que contribuam no processo de produção de legislação tão significativamente transformadora e reformadora da situação até agora existente, como é o casoem apreço. Não foi até agora a prática seguida e espera-se que nas fases seguintes deste processo essa lacuna possa ser preenchida.

3º Nem a unificação num só organismo de toda a tutela nacional do Património Cultural e dos Museus, regressando afinal a algo já experimentado em décadas anteriores, nem a transferência de competências para uma rede de Direções Regionais de Cultura constituem em si mesmas opções necessariamente negativas; mas no caso concreto, que no essencial constitui uma continuação do processo iniciado na anterior legislatura (o que se estranha, tendo em conta as críticas feitas na altura pelas forças politicas constituintes do atual Governo), verificadas atentamente as competências de cada um dos agentes, o que mais ressalta à vista é a profunda centralização e, mais do que isso, a iniludível governamentalização que ora se pretende instituir, pese embora a declaração de intenções em sentido contrário.

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30 janeiro 2012

Entrevista à presidente do ICOM Portugal, Ana Paula Amendoeira



O que pensa da barragem?

O que penso coincide exactamente com o conteúdodo relatório do ICOMOS. É fruto de um trabalho e de uma investigação longa, muitas vezes de décadas para chegar a conclusões sérias, técnicas e científicas, ancoradas em ideais e princípios construídos ao longo do tempo e não das conjunturas efémeras dos ciclos políticos. Por isso, não se trata aqui de opiniões ou de gosto, mas de conhecimento e de respeito pelo trabalho, estudo e reflexão.
Que impacto teria a desclassificação dessa zona?Os impactos seriam desde logo a má imagem do incumprimento a que o Estado Português está obrigado a partir da altura em que ratificou a Convenção do Património Mundial, no início dos anos 80. Esse seria, claro, um dos impactos imediatos e bastante penalizadores, sobretudo na vigência de um governo que preza tanto o cumprimento dos compromissos internacionais. Não é, repito uma questão de gosto ou de acordo, é uma questão de dever, de cumprimento de regras que se aceitaram livremente. Outro impacto seria obviamente para a paisagem do Douro vinhateiro e esse seria ainda o mais grave porque se trata de facto de uma “jóia da coroa” e já não temos muitas.

(...)


O secretário de Estado já afirmou que o projecto terá de ser equacionado. Acha que a cultura neste governo e com a conjuntura actual de crise tem peso suficiente para impedir o projecto?

Não sei, mas a cultura nunca tem muito peso, não é só agora – houve muito poucas excepções na nossa História recente. Temos que aguardar para ver o que vai ser decidido e respondido à UNESCO e ao relatório do ICOMOS. Mas tenho dúvidas de que a contratação de um super-arquitecto de prestígio mundial (Souto Moura), consiga, como que por magia, resolver os graves problemas apontados no relatório do ICOMOS. Mais uma vez elege-se como solução, o projectista, em vez da adequação do programa!
O que pensa do desempenho deste governo e de Francisco José Viegas no que diz respeito ao património?Não conheço o suficiente para me pronunciar. Acho que o caso do Douro foi muito mal gerido pelo governo anterior apostando na política do facto consumado e este governo não inflectiu a atitude e o comportamento errados do anterior.
(...)

Tendo em atenção o exemplo das gravuras rupestres de Vila Nova de Foz Côa. Visto à distância, valeu a pena impedir a construção da barragem?

Se medirmos tudo por dinheiro, penso que talvez sim, porque estão por demonstrar os lucros efectivos para a região se a barragem tivesse sido construída. Teria havido certamente muitos benefícios mas talvez não para o bem comum. Aliás a convicção de que o desenvolvimento e a qualidade de vida se conseguem com construção, é claramente uma ideia em contra ciclo. Se não medirmos tudo por dinheiro e se pensarmos, como penso, que nem tudo o que tem valor tem um preço, como bem diz o professor AdrianoMoreira, então a minha resposta é claramente afirmativa. Sim, valeu a pena a decisão política de impedir a construção da barragem porque temos um dos sítios de arte rupestre mais importantes do mundo que prestigia o nome de Portugal nos meios culturais e científicos internacionais. E depois, os alegados prejuízos desta decisão comparados com o prejuízo do caso BPN são, como se costuma dizer “uns trocos” e não estamos perante um crime público, apenas perante uma decisão política a favor da cultura, uma das poucas da nossa História recente. Além disso, Foz Côa não pode ser vista de forma isolada, pois integra um dos eixos (Porto, Douro, Côa, Salamanca) de maior densidade e valor patrimonial mundial, tenho a certeza de que se houver bom trabalho nesse sentido a região poderá beneficiar desse enorme potencial e por muito mais tempo do que o tempo de vida de uma barragem.

06 janeiro 2012

O Jardim Botânico da Politécnica

Os signatários requerem que a proposta do PPPM, seja revista e detalhada contemplando a inclusão das seguintes garantias:






1. Sustentabilidade a longo prazo. Queremos que este PPPM seja uma referência na área da preocupação ambiental, social e económica, transversal em todo o Plano.




2. Respeito integral pela Zona de Protecção do Jardim Botânico classificado como Monumento Nacional, criando uma verdadeira zona tampão do JB, que permita o adequado desafogo, e prevenindo que sejam propostas e edificadas novas construções junto ao muro do Jardim, mesmo que a cotas mais baixas que este, pela defesa do património arbóreo e permeabilização do solo nos logradouros existentes na zona envolvente do JB, i.e., Rua da Escola Politécnica, Rua do Salitre, Rua da Alegria e Calçada da Patriarcal.




3. Reconhecimento da Cerca Pombalina como elemento patrimonial inseparável do Monumento Nacional e como tal, a preservar e valorizar possibilitando a sua fruição.



4. Apresentação de estudos completos e fidedignos para o todo da área do Plano:




a) Hidrogeológicos;


b) Impacte no sistema de vistas;


c) Impacte na circulação do ar.




5. Necessidade do Plano garantir as condições microclimáticas e de solo, ventilação e insolação do JB e área envolvente, bem com a sua estrutura vegetal, edificações e traçado.



6. Justificação funcional, técnica e financeira - São propostas diversas demolições e alguns edifícios novos no interior do JB, em que as supostas vantagens não compensam a destruição causada e mudam, desnecessariamente, o funcionamento do Jardim:



a) Para a construção de raiz na localização apontada (Rua do Salitre/Rua Castilho) e com a volumetria pretendida (4 pisos) de um Centro Interpretativo do Jardim Botânico;



b) Para a construção de mais equipamentos culturais (cerca de 11 Milhões €), face à oferta e procura existentes e a recuperar no Parque Mayer (Capitólio, Variedades) e nas imediações (São Jorge, Tivoli, Odéon); e também face ao comprometimento da continuidade e coesão da estrutura verde.



c) Para a construção de “Galerias Comerciais” no local onde sempre existiram Estufas.7. Verdadeira expansão territorial do Jardim Botânico, para parte dos terrenos do Parque Mayer, com exposição de flora portuguesa, inexistente actualmente no JB.8. Inclusão de um Programa de Execução, um Plano de Financiamento e mecanismo de perequação e/ou métodos de distribuição dos custos e benefícios entre todos os proprietários dentro da área do Plano, motivando-os para que partilhem de uma nova visão e invistam em princípios de vida e de negócios sustentáveis. 9. Criação de um Fundo de Requalificação do Jardim Botânico, de modo a garantir que haja um verdadeiro contributo de todos os proprietários que terão claras mais-valias, para os melhoramentos e gestão do Jardim Botânico, criando um compromisso cívico para com a comunidade onde estão inseridos.





Lisboa, 12 de Novembro de 2010




A PLATAFORMA EM DEFESA DO JARDIM BOTÂNICO DE LISBOAAssociação Árvores de Portugal, APAP - Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, Associação Lisboa Verde, Cidadãos pelo Capitólio, Fórum Cidadania Lx, GECoRPA - Grémio das Empresas de Conservação e Restauro do Património Arquitectónico, Grupo dos Amigos da Tapada das Necessidades, Liga dos Amigos do Jardim Botânico, OPRURB-Ofícios do Património e da Reabilitação Urbana, Quercus-Núcleo de Lisboa, Liga para a Protecção da Natureza


Ler a petição completa

04 outubro 2011

Tapada das Necessidades

Um grupo de moradores e cidadãos está a dinamizar um abaixo-assinado online contra a construção de um restaurante de luxo e a favor do aproveitamento do mesmo espaço - sem adulterações arquitectónicas do mesmo - para usos socais da população. Num tempo em que a CM de Lisboa promove a votação do orçamento participativo e privilegia, com isso, o envolvimento da população, nas discussões sobre a sua cidade, importa dar atenção e divulgar as razões que se apresentam.










"A Cerca das Necessidades foi fundada por D.João V para jardim, pomar e horta do Convento das Necessidades. Durante o século XIX, D.Fernando II, introduziu alterações no Real Jardim com um desenho à inglesa e plantação de várias espécies florestais e mata mediterrânica. Entretanto foram construídos vários edifícios como a Estufa Circular, a Casa de Fresco, o Jardim Zoológico e o Picadeiro Real. No final do mesmo século, D.Carlos faz adaptar o Observatório Astronómico a Atelier de Pintura da Rainha, depois designado por Casa do Regalo.







No século XX, a Tapada das Necessidades passou a ser gerida pelo Ministério da Agricultura, com a instalação da Estação Florestal Nacional e a construção de edifícios de apoio dentro da Tapada. Em 1970, o Picadeiro Real foi totalmente destruído para aí edificar o Instituto de Defesa Nacional e um parque de estacionamento.
Já em pleno século XXI, a Casa do Regalo foi profundamente alterada para para gabinete do Dr.Jorge Sampaio, sendo construído ao lado um bloco em betão revestido a mármore.


Em 2008, o Ministério da Agricultura estabeleceu um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, transferindo a Gestão, Reabilitação, Manutenção e Utilização da Tapada das Necessidades.


A Câmara acaba de lançar um concurso público para entrega da exploração de um restaurante, no espaço do Jardim Zoológico, com ampliação do edifício central para o triplo da área, e ocupação dos torreões históricos existentes, para arrumos e depósitos. Isto apesar de ter sido apresentada à CM de Lisboa uma proposta da Junta de Freguesia dos Prazeres de aproveitamento do referido espaço, sem lugar a construções adicionais, e com funções sociais, nomeadamente apoio a visitantes da tapada, biblioteca sobre assuntos relativos à tapada, ocupação de tempos livres para crianças, jovens e idosos.



Através de petição pública e recolha de assinaturas queremos demonstrar à Câmara Municipal de Lisboa que existem outras formas de actuar sem destruir o meio ambiente e o real equilíbrio ambiental da tapada das necessidades."



Cidadãos e Moradores pela Tapada das Necessidades
email: pelatapada@sapo.pt


12 novembro 2010

IGESPAR ao serviço da EDP?

Um processo de classificação patrimonial, através do IGESPAR (ex-IPPAR) é algo que pode demorar anos, tais são os procedimentos que estão estipulados na Lei, a maioria com razão, porque a classificação de um sítio/monumento tem múltiplas implicações e, quase em absoluto, definitivas. Recentemente tivemos oportunidade de testemunhar a classificação de monumento nacional de elementos do nosso património, já eram portadores de classificação -e por isso estavam protegidos -mas foi-lhes reconhecida uma protecção diferente. Este processo demorou anos.
Hoje o IGESPAR decidiu arquivar uma abertura de processo de classificação do Vale do Tua, que deu entrada nos seus serviços em Setembro deste ano. Ou seja, para questões de lesa património em que ao IGESPAR é pedido parecer, sejam obras públicas ou particulares, este instituto leva sempre mais tempo do que as próprias obras ou projectos se compadecem. Para arquivar um pedido de abertura de processo de classificação (algo que qualquer cidadão a título particular ou não pode e deve fazer porque o Património é da responsabilidade não só do Estado como de todos individualmente) o seu director demorou três meses. A partir de hoje cessam as medidas de protecção que acompanham de forma imediata um pedido de classificação. A EDP pode começar as obras de destruição de uma das mais belas paisagens do país. Parte dela já classificada (a região do Alto Douro Vinhateiro!) mas nem por isso protegida contra a barragem. Uma barragem que parece não interessar a ninguém, principalmente aos habitantes de toda aquela zona mas imposta à força pelas forças vivas da Economia. Uma barragem quando alguns dos países mais desenvolvidos em matérias energéticas desistiram de as fazer pelos prejuízos que trazem a médio e longo curso para a sustenbilidade ambiental (EUA,Canadá, Austrália).
E depois da barragem a pergunta sobre o nosso património. Para que serve o IGESPAR? Para que serve uma Lei de Património quando os agentes políticos as podem subverter a qualquer momento? Recordando o Jardim do Príncipe Real. Recordando o túnel em frente ao Museu Soares dos Reis. Recordando a destruição do Café Ribamar em Algés por Isaltino de Morais. Para que serve classificar de Monumento Nacional um campo de batalha (um espaço em branco, virtual,para além da igreja que Nuno Álvares Pereira ali mandou contruir e dos vestígios arqueológicos que foram retirados não tem nada)como o de Aljubarrota se depois se deixa desprotegido o património do país que realmente existe?

23 outubro 2010

Premio de Património Cultural da UE em 2010



















Um prémio merecido (em Abril deste ano)para um grande projecto de museologia e protecção do património cultural. Coimbra esperou por ver renascidas do lodo as ruínas de Santa Clara-a-Velha e a espera valeu a pena. O centro de interpretação das Ruínas é, para além de um edifício fantástico, uma experiência a não deixar passar, algo que nos devolve o olhar para a história do vale onde se insere a ruína, para as suas desventuras, um olhar para pistas do que falta descobrir. Faltará sempre, mas um bom projecto de museologia (ou leitura histórica) é aquele que estabelece o melhor compromisso possível entre o presente e aquilo que nos chega (que nos resta). Estar naquele espaço é um bom presente.




17 agosto 2010

Globalização

Que é bom ter acesso a mais opções de consumo é. Poder escolher entre 10 ou 100 alimentos é substancialmente diferente (se os 100 não forem qualitativamente piores que os 10). Agora perceber que há lisboetas que só identificam o local de voto quando lhes dizem "é onde fica o Lidl" e não quando se lhes diz "é no mercado do forno do tijolo" não tem tanta graça. Isso e a mesma cadeia de supermercados apresentar-nos os produtos natalícios no fim de Outubro. Para além de atacar as construções próprias da temporalidade (au) ameaça/transforma também a territorialidade (ui).

04 janeiro 2010

Ainda Tua

Aldeia de S.Lourenço, imagem retirada de Doggy Blogue


MANIFESTO PELA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO DO VALE DO TUA


O Nordeste Transmontano tem vindo a perder população a um ritmo assustador. Uma situação que decorre do abandono ao qual a região tem sido votado pelo Poder Central e para a qual também contribuiu a decisão de encerrar, nos últimos 20 anos, cerca de 300 Km de via férrea, com promessas de desenvolvimento através de estradas como o IP4. O resultado ruinoso significou a atrofia das trocas comerciais, agravamento nos custos de transporte, obrigando pessoas e serviços a abandonarem a região.
A construção da Barragem na Foz do Tua irá agravar esta situação de isolamento, cortando a ligação desta região à rede ferroviária nacional e será mais um atentado ás potencialidades da região. A Barragem inundará uma vasta área do Vale do Tua e cerca de 17 km da Linha Férrea do Tua, obra prima do património ferroviário português e peças inseparáveis da memoria colectiva e da identidade do povo transmontano e parte integrante do Património da Humanidade do Alto Douro Vinhateiro classificado pela UNESCO.

A - QUAIS AS RAZÕES PARA DIZER NÃO À CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE FOZ-TUA E SIM À REQUALIFICAÇÃO DA LINHA FERROVIÁRIA DO TUA?

1- A Barragem de Foz-Tua irá aumentar a produção de energia eléctrica do País em 0,5%, um contributo irrelevante ao nível nacional, quando apenas 23% da energia consumida é electricidade.

2- No total, as 12 novas barragens, apenas vão produzir entre 2% a 3% do total de consumos energéticos. A mesma percentagem seria obtida se houvesse um plano de poupança e eficiência energética.

3- O Ministério do Ambiente não fala no CO2 e óxido nitroso que as barragens produzem nas águas paradas com decomposição de matéria orgânica e na produção de metano 20 vezes pior do que o CO2 para o efeito de estufa e que terão consequências directas na qualidade da água.

4- As compensações financeiras que a EDP propõe não se podem substituir às inúmeras actividades ribeirinhas, à identidade e unicidade dos vales do Douro e Tua que se perdem e às extensas áreas demarcadas de Classe A e B de Vinho do Porto, que em zona classificada de Património Mundial desaparecem para sempre.

5- Acena-se às populações e aos autarcas com promessas de criação de emprego e de grande desenvolvimento, designadamente turístico, mas a verdade é que após o período inicial da construção da barragem, em que são criados postos de trabalho, muitas vezes precários e fora da região, segue-se um período estagnação económica e social.

6- Os concelhos transmontanos que já viram território seu inundado, estão entre aqueles que conheceram maior processo de despovoamento e desertificação. Miranda do Douro, concelho com duas barragens, não recebe em contrapartidas o suficiente para pagar a própria iluminação pública do concelho.

7- O turismo e a agricultura são duas actividades não deslocalizáveis e de alto valor acrescentado, que a região não pode perder; caso contrário, toda a aquela zona do país ficará mais pobre.

B - PROPOSTAS PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL DO VALE E LINHA DO TUA

1- Levantamento total da via: reforço da plataforma e das suas condições de drenagem, introdução de mecanismos activos e passivos de detecção/prevenção de deslizamento de terras para a via.

2 – Introduzir comboios turísticos com carruagens mistas (abertas ao ar livre e fechadas com ar condicionado), recorrendo às carruagens históricas “Napolitanas” de Via Estreita e demais material ainda em posse da CP em articulação com os actuais comboios turísticos da Linha do Douro.

3 – Implementação de vagões especialmente adaptados ao transporte de bicicletas e embarcações para a prática de desportos de águas bravas. Ex: praticantes de canoagem fazem a descida rio Tua e depois as canoas seriam transportadas para Mirandela nos vagões do comboio e vice-versa.

4 – Aproveitamento de espaços das estações para áreas comerciais/culturais, espaços esses, onde os produtos regionais fossem vendidos aos passageiros, com ganhos imediatos para freguesias e populações locais.

5 – Concepção de um projecto multi-municipal e transfronteiriço de reabertura do troço Carvalhais – Bragança e prolongamento da Linha do Tua de Bragança a Puebla de Sanábria, candidatável a fundos comunitários, para conexão ferroviária entre a futura rede transeuropeia de Alta Velocidade.

6 - Integrar o turismo ferroviário do Tua na plataforma de sucesso do turismo fluvial do Rio Douro. Ex: Saída dos turistas do Porto no sábado de manhã de barco pelo Rio Douro. Transbordo em Foz Tua para o comboio até Mirandela. Pernoita na região do vale do Tua. Regresso no dia seguinte. Todos ganham, mas mais importante, ganha a região.

7– Candidatar a da Linha do Tua a Património Mundial.

CONCLUSÃO

Trás-os-Montes está perante três novas realidades estruturantes: a futura rede ferroviária espanhola, o futuro aeroporto de Bragança, e o turismo no Douro. Nos próximos anos, Madrid vai estar a 1 hora e 40 minutos da Puebla de Sanábria, a apenas 30km de Bragança. Está também previsto o reatamento da ligação ferroviária do Porto a Salamanca via Linha do Douro, a qual abrirá uma porta directa do Douro à Espanha, aumentando de forma exponencial o potencial de atracção de visitantes. Desta forma, a Linha do Tua poderia estruturar o território ao unir a Alta Velocidade em Puebla de Sanábria à Linha do Douro, efectuando o transporte de passageiros e mercadorias e promovendo o turismo ferroviário. Se for cortado o acesso à Linha do Douro, devido à barragem, todas estas potencialidades serão perdidas.
É inaceitável condenar a região transmontana a prescindir da sua riqueza em nome de um negócio de bens não transaccionáveis – a energia eléctrica - bom para a empresa e para a faixa litoral mas mau para a região interior transmontana.

O país deve dar aos transmontanos oportunidades de desenvolvimento do seu próprio território e de articulação de interesse mútuo com outras regiões. Não percamos a esperança.


Para assinar esta petição é seguir o link.

18 dezembro 2009

José Sá Fernandes e a remodelação dos jardins de Lisboa

"O gosto do rei exige que as árvores e as plantas do seu jardim estejam dispostas em grupos regulares e fáceis de abarcar com o olhar, tal como os cortesãos durante o cerimonial cortês. As copas das árvores e os ramos dos arbustos devem ser talhados de forma a apagar quaisquer vestígios de um crescimento desordenado e selvagem. As áleas e os patamares floridos devem reflectir a mesma elegância e a mesma clareza das construções régias. Na arquitectura dos palácios e dos jardins, na harmonia perfeita entre as partes e o todo, na elegância de linhas de decoração que é em tudo semelhante à elegância dos gestos e movimentos do rei e dos cortesãos em geral, na maginificiência e nas dimensões das construções e dos jardins que serviam -independentemente da sua utilidade prática - para a autorepresentação do poder real, encontramos uma imagem mais fiel dos ideais do rei que na sua maneira de controlar e submeter os homens. (...) O gosto de Saint-Simon fá-lo sentir-se mais atraído pelo jardim à inglesa, que concede maior liberdade ao crescimento dos arbustos, das árvores e das flores; o jardim inglês corresponde ao gosto da classe superior de uma sociedade na qual o rei e os seus representantes nunca conseguiram instaurar por muito tempo um regime autocrático ou absolutista"



Norber Elias, A Sociedade de Corte, Lisboa, Editorial Estampa, 1995, pp.195-196.




Divulgo o texto de Tiago Taron que, julgo, deixa muito claro os processos através ou atrás dos quais se decidiu alterar radicalmente a fisionomia da maior parte dos jardins de Lisboa. Processos que demonstram que o controlo de gestao (democrática?) do território,na pequena como na grande escala, é risível. Os instrumentos são meramente formais (quando é efectivo o uso desse poder como o IPPAR e a câmara do Porto àcerca do tunel em frente ao Museu Soares dos Reis não tem consequências- o presidente continuou a obra, não sofreu sanções e foi reeleito com maioria absoluta). Assumamos que a equpa de espaços verdes tinha esta sagacidade e intrepidez e assume um novo modelo estético para os jardins da cidade -um modelo que está na moda na arquitectura paisagística - para além de não contarem com a participação de ninguém (quem vive com os jardins de perto uma vida inteira por exemplo) e com isso atirarem para o lixo as ideias de esquerda como é o orçamento participativo e o apelo à população para que participe nas escolhas da cidade, para além disto tudo pelos vistos a crise nao afecta os espaços verdes na cidade. Ou mudar os jardins todos na cidade fica mais barato que requalificar aqueles que precisam. Isto faz sentido?





09 dezembro 2009

Excelentes notícias

Depois de décadas sem destino o Museu de Arte Popular vai deixar de ser um fantasma à beira-rio. O edifício, em vias de classificação, é um notável testemunho da arquitectura modernista portuguesa onde trabalharam e deixaram marca muitos dos artistas desse período. Devolver-lhe a função original é assumir, num mundo cada vez mais mundializado, que o Museu Nacional de Etnologia deixa espaço, e que todo o espaço não será demais, à existência de um Museu vocacionado para a protecção do património popular. Sem os paternalismos e o discurso fascizante do Estado Novo sobre o bom e humilde povo português. Sem, por outro lado, cristalizar num entendimento obsoleto da museologia, mas sim colocar em contacto, e dar novas vidas e novos olhares ao nosso património popular. Há museus que trabalham, de forma notável, esta realidade a nível local (Museu do Trabalho em Setúbal, Museu de Íhavo).
Este anúncio a juntar ao assumir da insuficiência dos 0,3% do orçamento para a Cultura colocam altas -onde se querem- as expectativas na recém-chegada ministra Canavilhas.

06 dezembro 2009

SOS Azulejo

Um espaço que sempre idealizei mais ou menos com estas valências tomou forma através do projecto SOS AZULEJO. Aqui, para além de ficarmos a conhecer como proteger e tratar um dos aspectos mais curiosos e interessantes da história da arte portuguesa, ficamos também alertados para os imensos riscos que corre e, encontramos um espaço comum, com interlocutores vários (incluindo a polícia judiciária) para detectar situações de risco e cuidarmos em conjunto do que (nos) é caro. E promovem iniciativas de conhecimento e aprofundamento de conhecimento insubstiuíveis e imperdíveis.

25 setembro 2009

Ainda nos programas eleitorais



"12. CANCELAMENTO DA CONSTRUÇÃO DAS BARRAGENS
DO RIO SABOR, TUA E FRIDÃO


A barragem prevista para o Rio Sabor, o último rio selvagem em Portugal, é irrelevante para a produção de energia eléctrica, não serve para o abastecimento humano ou para a irrigação de campos agrícolas, não terá um contributo visível no cumprimento das metas nacionais estabelecidas no Protocolo de Quioto nem sequer serve para a regularização dos caudais do Douro. Deve ser por isso cancelada. O mesmo se aplica à barragem do Tua, que destruirá uma linha férrea histórica e uma paisagem única, e à barragem do Fridão, que afecta gravemente a população de Amarante. in programa eleitoral do BE, p.75


Talvez seja pouco este enunciado, conviria aprofundar as questões da energia e da necessidade ou não da construção de barragens. Conviria enunciar que a organização e planeamento do território tem de ser feito por todos (a comunidade) e não vir dirigido de um gabinete. Como ficámos a saber desde Côa não há empreendimentos insubstituíveis. E o Vale do Tua não devia estar integrado na paisagem património mundial que é o Douro Vinhateiro?

05 julho 2009

Museu de Arte Popular

Há algo de muito interessante a acontecer, um grupo de cidadãos envolvendo-se para salvar, resgatar, requalificar o Museu de Arte Popular. A imensa dificuldade em lidar com este legado (a visão infantilizada de Povo que era aqui apresentada pelo Estado Novo, visão que servia na perfeição a ideia do povo pobre mas honrado, feliz nas suas tarefas do campo), a mudança da etnologia para o respetivo Museu Nacional no Restelo (edifício igualmente fantástico) com o seu enorme espólio fizeram deste museu (o edifício e o espólio) um fantasma que se tem mantido e reservado à incúria e ao abandono nas últimas décadas, para pobreza e infelicidade de todos nós.
Está em curso uma petição e foi criado este blogue para que não só a memória do artesanato e das práticas quase sempre sem registo escrito possa sobrevir mas para que, os lisboetas, as pessoas, possam decidir da vida da sua cidade (aqui dos equipamentos culturais mais permanentes).

02 julho 2009

Para continuarmos a comer bacalhau


Há escolhas de consumo que a maioria de nós não pode fazer. Mas é fácil deixar de comprar peixe no Pingo Doce e no Feira Nova enquanto não cumprirem requisitos de pesca sustentável. Não compre peixe no sítio do costume, obrigada Greenpeace.