22 agosto 2004

Paul Auster

Enquanto não aparece por aí um espectro de novo tipo, pode sempre tirar-se alguns minutos para falar de "não importa o quê" aqui no Assedio. Desde que desagradavelmente me vi em férias sem as poder gozar como gostaria, redescobri os livros de Paul Auster. Há alguns anos já tinha lido A trilogia de Nova-Iorque na ressaca de uns filmes com o selo Auster em sessões nos cinemas onde o povo não vai. Lembro-me de três, Fumo, Fumo Azul (numa tradução idiota) e Lulu on the bridge (nas mãos dos tradutores que temos a coisa não andaria longe de Lulu na ponte...). Há dois meses, não sei porquê, decidi comprar Moon Palace (idiota tradução da Presença como Palácio da Lua) e depois The Book of Illusions. Apesar de ter gostado e de não seguir na leitura nenhuma ordem cronológica de produção, aconteceu que Paul Auster começou a repetir-se. Nos temas e nas soluções narrativas. Na Trilogia de NI tínhamos três histórias em tom de policial, com narrador e personagens perdidos no seu vazio existencial, a que a grande cidade emprestava uma côr negra e labiríntica. Em Moon Palace e The Book of Illusions as personagens voltam a perder-se na tentativa de definir sentidos para a vida, com os livros a explorarem sempre o tema do indivíduo autorecluso, em perda dos outros e do mundo. Em todos há personagens, normalmente as principais, mas também as secundárias, que a dada altura vagabundeiam sem sentido, num parque na cidade a alimentar-se de lixo, num apartamento convertido em gruta do leão ferido, em viagens cross-country pela América até ao fim de todas as estradas. Já como em Lulu on the bridge, há sempre a intervenção de algo inexplicável e inexplicado que salva Marco Fogg, David Zimmer ou Hector Mann do fim, normalmente o fascínio por uma mulher, com a qual mantêm uma relação de que saem "lavados". Ora isto define uma forma de construir as histórias algo linear, como se o Auster andasse sempre a sacar de trunfos para ganhar mais umas páginas de texto. Por outro lado estas coisas adequam-se bem ao "ar do tempo", à percepção comum das contingências da vida, toda a gente está disponível para se fascinar com o inexplicável, com o irracional, e para se confortar com os finais felizes sem justificação. O resto é bom e vê-se que aquilo leva ali muito trabalho. Em rápida consulta pela net, vê-se que as referências são sempre despoletadas pela reverência à qualidade da escrita do Auster, mas ninguém arrisca a crítica. Ou por outra, há textos laudatórios, glosadores e contextualizadores mas não há crítica, situação que me parece muito comum na imprensa que leio, e que se resume ao Cartaz do Expresso e ao Mil Folhas do Público.

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