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05 fevereiro 2014

Miró

Presentemente, vivemos sob os auspícios de uma cultura que se caracteriza por um capitalismo obcecado pelo low cost, suportado por uma sociedade em rede, preocupada com a sustentabilidade da velocidade da informação/comunicação, dos MB (mega bites), mas sobretudo viciada nos gráficos impregnados de adrenalina, que tentam demonstrar que os números são o pilar do desenvolvimento da civilização. 
 O Homem tecnológico, cultural, humanista, faz parte de um passado distante e evoluímos para uma nova Era – a do Homem Descartável. Muitos de nós erigimos algumas das questões essenciais postas pelos números, no que se refere aos visitantes dos museus, ao desinvestimento na cultura, e sobretudo ao alheamento da sociedade relativamente ao Património Histórico. 
 Teorias e análises foram faladas e escritas ao longo de décadas, por pensadores, profissionais da cultura e comentadores, sobre as novas necessidades culturais das gerações presentes e vindouras. Mas, infelizmente, mesmo as visões mais apocalípticas falharam. 
O caso das obras de Miró, no nosso estimado Portugal, é paradigma de como se comporta esta geração descartável:

 a) Para com as Instituições, que deveriam ter sido convidadas a analisar a questão, e que simplesmente não o foram – a Secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Imaterial (SMUCRI) do Conselho Nacional de Cultura, a Direcção-Geral do Património Cultural / DGPC, a APOM (Associação Portuguesa de Museologia) e o ICOM-Portugal. 

 b) Para com a respectiva área de especialidade - Secretário de Estado da Cultura. 

c) Para com a Lei de Portugal, que obriga a que as obras de arte, ao serem deslocadas para outro país, tenham de obter uma autorização para o efeito. 

 d) Para com os Portugueses, que não tiveram a oportunidade delas usufruírem, nem que fosse por breves momentos numa exposição.

 e) Para com os Museus do Estado, que teriam, porventura, a oportunidade de incorporar algumas obras (já que possamos concordar que, devido à situação actual do País, nem todas pudessem ficar em Portugal). 

 f) Para com a inteligência. A colecção Miró constitui um acervo artístico gerador de riqueza em qualquer parte do mundo, em especial num país turístico como é Portugal, que através de uma política de comunicação/actuação semelhante a outras recentes exposições, poderia ajudar (não a resolver) a remover a imagem da profunda trapalhada ligada ao caso BPN.

 g) Para com Juan Miró, artista universal, nascido no território Ibérico, representativo de uma Era próspera da pintura europeia, um dos mais importantes pintores do século XX, cujas obras não mereceriam tamanha desfeita. Hoje as de Miró, amanhã de outro artista de referência. Não deixa de ser um precedente, tão insólito como preocupante.

 Associação Portuguesa de Museologia
 Presidente    João Neto
 Lisboa, 3 de Fevereiro

22 dezembro 2011

Manifesto dos Historiadores Portugueses

"Porque amo o que é vivo sou um historiador, se amasse as coisas velhas e mortas seria um antiquiário" Marc Bloch (citação livre)









Os anos 60 e 70 viram muitos historiadores no espaço público, tanto no combate político como no combate de opinião. As equipas recém-chegadas aos ministérios dos negócios estrangeiros ou da defesa primavam em ter consigo historiadores. As últimas décadas assistiram a um apagamento deste grupo, convidado a opinar em debates ultra-especializados, substituídos por jornalistas, engenheiros, militares, no espaço da comunicação social, onde não só se informa como se comenta e pensa a informação. O fenómeno blogosférico veio abrir e preencher um espaço de necessidade premente, espaço político de confronto, debate e procura de posicionamento ou reforço de posicionamento(s) nas mais variadas áreas de pensamento. Com especial enfoque no espaço político e comunicação social. Nem Vasco Pulido resistiu à tentação. No seguimento deste sucesso cibernético Rui Tavares salta para as páginas do Público, por exemplo, trazendo um pensamento ancorado, tantas e felizes vezes, na sua formação enquanto Historiador. Diferente de V.P.Valente que comenta a realidade sem que a sua formação seja um instrumento inequívoco. Como contraponto a Rui Tavares, Rui Ramos. A história continua da blogosfera para os canais de tv em sinal fechado.



E parece que desde aqui ser Historiador voltou a ser algo que, como diz Marc Bloch, tem muito mais a ver com a vida e com o presente, do que com os arquivos, a porta pesada do instituto e os compromissos académicos. Isto tudo para dizer que o corajoso e belo manifesto assinado por cerca de 40 historiadores a semena passada é um documento a todos os títulos espantoso. Consegue fugir à retórica nacionalista sem descartar as responsabilidades no tratamento e passagem do património, consegue encontrar um nexo entre memória e escolha política e desta forma filiar-se naquilo que é o grande trabalho da História, e consegue implicar-se na vida dos seus contemporâneos (de que nos serve a cultura, o saber, se não temos um feriado para visitar um museu?).

Deixo aqui o link para o texto completo (que só encontrei na Esquerda.net)

19 outubro 2011

Cidadania e Receitas. Luís Raposo, de novo

Vejo que o meu bom amigo João Neto concorda com o senhor SEC em acabar com as gratuitidades nos museus e palácios do IMC,IP, em três domingos de manhã. Percebe-se até que o mais correcto, do seu ponto de vista, seria acabar com todas as gratuitidades. Tudo o que tem custo, deve ser pago, a custos reais, a custos reduzidos ou até a custos simbólicos. Claro que existe um pequeno problema jurídico: a Lei-Quadro dos Museus Portugueses obriga os museus públicos a estabelecerem períodos de gratuitidade. A SEC entende agora que quatro horas por mês é suficiente para cumprir a Lei. O João Neto iria mais longe e proporia a alteração de uma Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República. Coisa de somenos. Legislação à parte, existe aqui sobretudo um problema social e político. Logo depois dos domingos de manhã, o João Neto talvez apoiasse o fim das gratuidades para as escolas. Depois ainda para os reformados, etc. etc.Pela mesma ordem de razões, também o acesso a arquivos e bibliotecas deveria ser pago. Como há tempos alguém dizia, já não me lembro onde, as bibliotecas então são especialmente injustas porque dão (a palavra “dar” incomoda, de facto) livros a ler aos leitores, e até os deixam levar para casa, em flagrante concorrência desleal com as livrarias, onde os mesmo livros têm de ser comprados.Estamos neste Mundo de formas diferentes, dir-se-á, porque lá onde o João Neto vê contradições, eu vejo cidadania. O curioso é que vejo eu e vêm os políticos, de esquerda ou de direita, e responsáveis de museus, públicos e privados, que por esse Mundo fora têm feito aumentar, e não diminuir, as práticas controladas da gratuitidade em museus. Fazem-no uns por motivação cívica, como eu próprio; fazem-no outros por estratégia de mercado. Mas fazem-no.Em todo o caso, nem sequer seria aqui preciso invocar grandes debates e opções, porque falamos apenas do mínimo dos mínimos – os domingos de manhã – e estava eu convencido que a disposição constante de Lei-Quadro dos Museus Portugueses colhia a unanimidade entre os profissionais de museus. Afinal há excepções. Quanto aos ganhos financeiros da medida, que mantenho serem residuais, é claro que eu me referi a eles globalmente porque precisamente as receitas de bilheteira sempre foram, e tanto quanto se pode vislumbrar, sempre serão arrecadadas e geridas centralmente. Ou seja, o apoio que o João Neto dá agora à SEC, contrapõe uma realidade concreta, a que temos, a um desejo algo piedoso de um futuro em que os museus arrecadem 60% das suas receitas – medida que deveria, aliás, ser muito mais profundamente amadurecida e que eu pessoalmente teria hesitações em defender. A questão da sustentabilidade financeira dos museus é demasiado complexa e deve ser estuda em detalhe – por isso o ICOM.PT vai organizar uma jornada sobre o assunto, em 7 de Novembro, no Museu Nacional de Soares dos Reis, com oradores que sabemos defenderem os mais díspares pontos de vista, mas desejavelmente todos ancorados na realidade concreta. Ora, todos sabemos como é sempre mais cómodo defender princípios etéreos, sem aplicação real no presente, aproveitando de passagem para dares ares de sensatez e espírito dialogante.[Incidentalmente, não posso deixar de assinalar como a SEC compreendeu e valorizou bem o oportuno apoio que recebeu, a ponto de apressadamente ter concedido à APOM uma audiência aguardada há meses, fazendo-o na véspera de audição parlamentar onde haveria o risco de se dizer que o senhor SEC, apesar de ter afirmado o contrário, não tinha ainda efectivamente recebido nenhuma associação de museus, como não recebeu de arqueologia, do património arquitectónico, etc.]Diz o João Neto que em alguns museus da SEC estas verbas dos domingos de manhã poderão constituir receitas expressivas. Com excepção do Museu Nacional dos Coches, pergunto-me em quais ? Em alguns Palácios Nacionais admito que venham a ser significativas e que não haja até decréscimo dramático de visitantes quando se introduzir o pagamento. A situação existente nesses Palácios em relação ao aproveitamento ilegítimo que as agências de turismo fazem da gratuitidade aos domingos de manhã justificaria, aliás, uma revisão dos termos concretos desta prática. Mas em todos os demais museus, essas receitas não serão assim tão significativas e conduzirão a importante diminuição de visitantes. Basta comparar os números actuais de visitantes durante as manhãs e durante as tardes de domingo para perceber a dimensão do decréscimo expectável.De resto, os cálculos estão feitos e ninguém os desmentiu. Com o número de visitantes actuais as receitas de três domingos de manhã poderão ser na ordem dos 700 a 800 mil euros. Com o decréscimo inevitável que vai ocorrer, poderão diminuir para metade, ou seja, 350 a 400 mil euros. Estes valores representam 2%, ou menos, do orçamento de funcionamento, do IMC,IP. Se tivermos em conta as verbas totais do investimento público nos museus da SEC (verbas nacionais e verbas europeias), então os valores indicados situam-se na ordem das décimas percentuais.Dito tudo isto, subsiste o mais importante: a questão das gratuitidades aos domingos de manhã é um assunto tão, tão secundário que nos não deveria mobilizar e eventualmente dividir. E não o fará, nem institucional, nem pessoalmente. No caso concreto das minhas momentâneas diferenças de opinião com o João Neto então, atentos os laços de amizade que temos desde há anos, já décadas, seria preciso muitíssimo mais para que tal sucedesse.





Luís RaposoPresidente do ICOM Portugal17.10.2011

17 outubro 2011

Gratuitidade dos museus ao domingo - Luís Raposo

Entrevista, DN, 13 Outubro 2011

É presidente do Comité Nacional Português do ICOM. Como vê a proposta do dim da gratuitidade dos museus tutelados pelo Instituto dos Museus e da Conservação ao domingos, avançada pelo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas?
É uma medida periférica e residual, relativamente a uma política de museus dentro da Secretaria de Estado da Cultura. O seu impacto financeiro, e é essa a sua motivação, é de 2% ou 3% no funcionamento corrente dos museus. Gera 700 ou 800 mil euros (…). qualquer medidia que se tome tem de ter em conta custos e benefícios. E esta penaliza a classe média, média baixa e baixa. É financeiramenre irrelevante e é socialmente impactante. Não se ganhando em bilhetes pode ganhar-se com uma boa política de lojas e merchandising ou boas exposições temporárias pagas.

Pode contrapor-se que o cinema e o teatro são pagos.
Pois, mas as bibliotecas e os arquivos não. Também acho que as exposições temporárias dos museus podem ser pagas e também acho que existe a possibilidade de debate. (…) Defendo umas colecções permanentes gratuitas e temporárias pagas tal como o serviço de audioguias.

A sustentatibilidade dos museus depende de 80% de entradas pagas, disse Viegas.
Só podemos atingir os 80% de entradas pagas considerando que as escolas pagam e isso é uma situação sem paralelo. além disso, a esmagadora maioria dos museus, mesmo com 80% de pagantes, não são sustentáveis. A não ser que achemos que as escolas, as biblioretas e a Torre do Tombo têm de dar lucro, para que pagamos impostos? Não defendo a gratuitidade absoluta e acho que os museus devem fazer um esforço para gerar receitas, mas não se pode exigir a alguém que ande sem lhe dar os meios para andar.

Já falaram com o Secretário de Estado da Cultura?
Temos pedido audiências, já reiteramos o pedido e foi-nos dito que não era oportuno. (…) Além de que achamos que não faz parte da normalidade democrática sermos chamados depois das decisões tomadas.

Paga bilhete quanso visita museus?
Não pago porque tenho o cartão do ICOM que dá acesso a todos os museus do mundo, mas às vezes pago porque me esqueço de levar o cartão. Há de tudo, mas na maior parte da Europa paga-se. Tradicionalmente, nos países de natureza socialista, não se paga, na China ainda não se paga. Nos EUA, onde existem muitos museus privados. e quando não são privados têm uma gestão privada, em alguns paga-se, em outros não.




Entrevista retirada daqui


Actualização: João Neto, presidente da APOM (Associação Portuguesa de Museologia) diz que é favorável ao princípio do "utilizador pagador" nos museus

11 outubro 2011

Novo ataque à cultura

"Museus vão deixar de ser gratuitos aos domingos" diz o secretário de estado da Cultura F.J.Viegas. Nesta entevista à TSF consegue avançar a ideia estapafúrdia de que 80% das entradas dos museus deviam ser pagas para sustentabilidade do próprio museu (aqui até cabe perguntar por que razão então não são pagas as entradas na Fundação Berardo onde o Estado Português acabou de injectar a maior verba de todas dentro dos apoios do Fomento Cultural). Mas o que sabe sobre museus Francisco José Viegas? Ter-se-à perguntado porque é que subsiste ao longo dos anos a entrada gratuita aos domingos de manhã? Terão os agentes sido questionados sobre esta medida radical que implica, não só uma afronta a princípios constitucionais de acesso à cultura e ao património de todos (quem não tem dinheiro nenhum fica impossibilitado de entrar num museu), como é uma afronta à autonomia de um museu que se vê diminuido no objectivo de manter ou aumentar o número de visitantes, número indispensável à instituição para desenvolver projectos e obter apoios (não exclusivamente públicos, a lei do mecenato por exemplo).





Os domingos gratuitos permitem não só trazer visitantes novos (criação de novos públicos a que o programa deste ou de qualquer governo está obrigado pela lei de bases nacional para a cultura) como permitir a visitantes mais interessados em repetir a experiência da visita as vezes que entender. Há obras que não se vêm uma vez mas vêem-se a vida inteira. Fazer disto um luxo é acentuar aquilo que na nossa sociedade se vem tornado mais escandaloso e desavergonhado, o fosso entre os que podem e os que não podem. Uma manhã gratuita nos museus permite igualar no acesso situações tão escandalosamente díspares (garante de Igualdade como a escola pública que este governo tão diligentemente se ocupa também em desmantelar).







As receitas que um museu hoje gera estão ligadas muito mais a actividades protagonizadas na sequência da visita, ao serviço educativo, à oferta de hotelaria ou às recordações numa boa loja. Os museus sabem isto e devem ter apoios para poder investir nesta área onde podem ir financiar-se. A entrada do visitante é um fim-em-si de um Museu. Esta medida, como tantas outras (se não todas) do governo de Passos é demagógica e inútil porque favorece o decréscimo de visitantes do Museu (menos visitantes, menos pessoal necessário no museu, menos cultura, menos economia) não contribui em nada para aumentar receitas (menos visitantes conduz a cada vez menos visitantes, decréscimo de público, pagante e não pagante). Para além de inútil é perigosa, porque transporta este cheiro a júbilo pela oportunidade que FMI e troica deram a uma ideologia de avançar terreno ao ir insidiosamente destruindo o contrato que foi sendo possível construir entre cidadãos (o Estado) ao longo de séculos, para que fosse possível viver-se um pouco longe do salve-se quem puder.


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