Porque ontem começou a Primavera e foi dia da poesia e porque esta semana descobri o blogue de um autor de quem me emprestaram três dos seus livros (publicou entretanto mais dois) e não consegui fazer mais nada antes de terminá-los, por isso hoje a poesia de José Miguel Silva.
Prémio
Vales, ravinas, desertos,
e fins de semana, livros a mais,
amigos a menos, noites
de fumo, de corpos alheios,
de novo ravinas, desertos
e vales - eu nunca pensei
que fosse tão longe e que fosse
tão pouco a felicidade:
e fins de semana, livros a mais,
amigos a menos, noites
de fumo, de corpos alheios,
de novo ravinas, desertos
e vales - eu nunca pensei
que fosse tão longe e que fosse
tão pouco a felicidade:
ovos mexidos, arroz de tomate,
o ir a correr quando o filme começa,
o vem para a cama, um sopro
de mel, e novas legendas no álbum
de fotos - eu nunca pensei
que fosse tão alto este único prémio
de consolação.
José Miguel Silva
o ir a correr quando o filme começa,
o vem para a cama, um sopro
de mel, e novas legendas no álbum
de fotos - eu nunca pensei
que fosse tão alto este único prémio
de consolação.
José Miguel Silva
Ulisses já não mora aqui& etc.
POETAS, GESTORES, CORREIOS DE DROGA
Os poetas, tal como os gestores ou os correios de droga,
são almas simples, que valorizam sobretudo a amizade
do dinheiro, a louça cor de amêndoa, o vício de viver.
Dobradiças oleadas e perfumes de renome.
Um poeta é um animal feito de palavras que perfeitamente
servem ao pedreiro, ao enxoval, ao caracol: sílabas macias,
untuosas, radiantes como folhos de cortina. E por que havia
de ser doutra maneira, perguntamos? Sofrimento há que chegue
para todos. Não me falem em quinhentos mil casebres,
pois a minha namorada, o meu patrão, a porcaria do motor
este calor na cabeça. Ninguém se dá, é bom de ver,
como culpado. Somos todos de direita, todos; pois outra coisa
não se chama viver. E mesmo os que dizemos ser de esquerda
temos, como toda a gente, a grande sageza de não fazer contas.
Sabemos como é frágil o sossego, como é espantadiço
É com fleuma e bom-humor que recebemos o azar
dos que não cabem à mesa, o desmoronamento dos que vivem
pouco, podre, mal. Entre burros, egoístas e vaidosos,
é preciso ser alguém para fugir de ser feliz. Muito raro,
na verdade. Oh não te finjas, leitor, surpreendido
Não me digas que pensavas que os homeros eram feitos
às rodelas, com recheio de bombom. Conta-me outra.
Lê-os, se achas que te podem ser úteis, mas não faças
grande fé nas virtudes que tangem. Isso é coisa
que se aprende, corriqueiros exercícios de entretém.
E se vires um crítico a enrolar a língua na palavra “poeta”,
não ligues. São mais sonsos do que parecem, os críticos.
José Miguel Silva nasceu em Maio de 1969, em Vila Nova de Gaia. Publicou O Sino de Areia (Gilgamesh, 1999), Ulisses Já Não Mora Aqui (& etc., 2002), Vista Para Um Pátio seguido de Desordem (Relógio D'Água, 2003).
POETAS, GESTORES, CORREIOS DE DROGA
Os poetas, tal como os gestores ou os correios de droga,
são almas simples, que valorizam sobretudo a amizade
do dinheiro, a louça cor de amêndoa, o vício de viver.
Dobradiças oleadas e perfumes de renome.
Um poeta é um animal feito de palavras que perfeitamente
servem ao pedreiro, ao enxoval, ao caracol: sílabas macias,
untuosas, radiantes como folhos de cortina. E por que havia
de ser doutra maneira, perguntamos? Sofrimento há que chegue
para todos. Não me falem em quinhentos mil casebres,
pois a minha namorada, o meu patrão, a porcaria do motor
este calor na cabeça. Ninguém se dá, é bom de ver,
como culpado. Somos todos de direita, todos; pois outra coisa
não se chama viver. E mesmo os que dizemos ser de esquerda
temos, como toda a gente, a grande sageza de não fazer contas.
Sabemos como é frágil o sossego, como é espantadiço
É com fleuma e bom-humor que recebemos o azar
dos que não cabem à mesa, o desmoronamento dos que vivem
pouco, podre, mal. Entre burros, egoístas e vaidosos,
é preciso ser alguém para fugir de ser feliz. Muito raro,
na verdade. Oh não te finjas, leitor, surpreendido
Não me digas que pensavas que os homeros eram feitos
às rodelas, com recheio de bombom. Conta-me outra.
Lê-os, se achas que te podem ser úteis, mas não faças
grande fé nas virtudes que tangem. Isso é coisa
que se aprende, corriqueiros exercícios de entretém.
E se vires um crítico a enrolar a língua na palavra “poeta”,
não ligues. São mais sonsos do que parecem, os críticos.
José Miguel Silva nasceu em Maio de 1969, em Vila Nova de Gaia. Publicou O Sino de Areia (Gilgamesh, 1999), Ulisses Já Não Mora Aqui (& etc., 2002), Vista Para Um Pátio seguido de Desordem (Relógio D'Água, 2003).
5 comentários:
Devo avisar que já saiu mais um livro dele: "Movimentos no Escuro", da Relógio d'Água. Quando vens ao Porto para poderes lê-lo no nosso sofá? ;)
não conhecia, boa sugestão
Já li sobre esse livro, o escuro é a sala de cinema e os textos sobre filmes né?
Assim que as chuvas passarem, todas, vou a correr.
Obrigada à Orquídea pela sugestão do blogue do JMS. Beijos para vós
Beijos para as pequenas!
ai tantas saudades! dois apertões furiosos!
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