08 março 2006

Centenário de Agostinho da Silva

Hoje, em vez de um livro e porque tem pairado o espírito das efemérides, um autor.
Agostinho da Silva


A obra, para além do que disse e fez:
Sentido histórico das civilizações clássicas, 1929; A religião grega, 1930; Glosas, 1934; Sete cartas a um jovem filósofo, 1945; Diário de Alcestes, 1945; Moisés e outras páginas bíblicas, 1945; Reflexão, 1957; Um Fernando Pessoa, 1959; As aproximações, 1960; Educação de Portugal, 1989; Do Agostinho em torno do Pessoa; Dispersos, 1988

Caros Amigos
Vocês nem imaginam como me tem preocupado essa série de incidentes com imigrantes brasileiros. Como base fundamental há o meu sentimento de que sou multinacional, isto é, por ordem alfabética, brasileiro, com minha capital em Itatiaia, mesmo no cimo de seu pico de montanha, e subindo de preferência pelo túnel, lugar bravio e apaixonante, onde comecei a aprender alguma filosofia com o grande mestre que foi, pelo que sabia e pelo que era como pessoa, o grande mestre Vicente Ferreira da Silva.
Por minha mãe, que lá ficou, e por família, e por Amigos que família me são, moçambicano, sendo a capital que lhe sonho, como centro pensador de todo o Índico e de vária África interior, a extraordinária Ilha de Moçambique, moradia de poetas que só tem rival na ponta leste de Timor, e eu sempre com lembrança de sua aldeia indígena e dos monumentos e dos contactos com muçulmanos.
Por fim, solidamente de Portugal, o do Pôrto, onde nasci, modêlo de municípios, mas com avós pescadores algarvios e soldados alentejanos, sendo nele minha capital a velha Barca de Alva, a Alva que ainda está por surgir, e que me educou, fui para ela bem pequeno, a ser de aldeia do interior, pão uma vez por semana, e me ensinou a ler com perna atada à mesa para não fugir a ver lagarto e cobra, muito mais interessante que o livro da terrível obrigação. De lá, saudades de montes escalvados e do Pereira ferroviário, do tempo em que o comboio nos levava a Salamanca ou nos trazia espanhois que vinham à festa do "hornazo".
Nítida recordação da cheia do Douro de 1910, que deu como nome de baptismo a uma Amiga minha o de Crescença de Deus que acha ser o único a poder bater-se com o de outra Amiga minha, a Generosa do Céu; e com a imagem de Junqueiro, de sobretudo mal alinhado, à espera na estação do início de uma das suas viagens de coleccionador antiquário, quem sabe se mais profundo que poeta e republicano.
Quando Portugal manda embora um brasileiro está expulsando a si próprio, aquele que embarcou para o Brasil e levou, no navio de Cabral, uma Trindade Portuguesa, levando consigo o Culto do Divino, que se projecta para o futuro, criando o primeiro modêlo do que vai ser um mundo de tôdas as raças e tôdas as culturas, para que um dia rompa uma cultura verdadeiramente humana. E com firme vontade de realizar através de tôdas as dificuldades aquilo que projectou.
Mas a verdade é que Portugal, está, às vezes de mau humor, porque a lei é estrangeira e violenta, a cumprir os deveres que tomou, quando voluntariamente, talvez por solidariedade, talvez por gosto de convivência, ingressou numa Europa Comunitária que, ao que parece, ainda se julga dona daquilo a que chamou Terceiro Mundo. É contra isto que o Brasil deve revoltar-se, não contra quem respeita a Lei. Adiante se irá. E pode ser que um dia seja Brasil, com Portugal, guia do mundo, guia do sonho.
1993
Consulta da programação das comemorações do centenário do nascimento na Associação Agostinho da Silva

2 comentários:

Helena Romão disse...

Que boa lembrança!

Camarelli disse...

grande pensador do séc. XX, espírito aberto e livre