19 março 2006

A manifestação de 18 de Março

Ontem tive que sair a correr da manifestação assim que cheguei ao destino, pelo que não tive uma percepção aprofundada do que se passava.

Primeiro que tudo a enorme emoção de ver tanta gente. Uma quantidade inimaginável para nós, portugueses que não estávamos no 1º de Maio de 1974. Em Denfert, no início da manifestação e 2h depois do início do cortejo, ainda havia uma concentração compacta, que transbordava para as ruas laterais. E já a manifestação tinha começado a sair dali há duas horas, sempre compacta.
Quando os últimos manifestantes saíram de Denfert, já os primeiros tinham chegado a Nation, a 5km de distância. O cortejo foi sempre compacto. 5km de cortejo compacto. Eu não imaginava o que era isso...
É pena não haver fotografias tiradas de helicóptero ou avião, para se ver melhor a mancha de gente.


Na manifestação havia gente de todas as idades. Famílias com carrinhos de bebé, crianças pequenas que repetiam apenas "Non, non, non" porque não sabiam dizer mais.
Já em casa, fiquei a saber que a própria polícia desfilou desfardada e com braçadeiras sindicais, em apoio aos manifestantes.

Ao longo do percurso adivinhava-se o que se seguiria: nas margens do cortejo, grupos muito "brincalhões" iam "brincado" aos encontrões contra montras. Sempre no meio de risota, para fazer parecer que estavam a brincar. Mas a andar muito rapidamente, iam passando mais rápidos que o cortejo, sempre a atirarem-se uns aos outros contra montras, andaimes, o que houvesse.


Mais uma vez, confirmei a ideia de que os distúrbios e a manifestação são duas coisas distintas. Os intervenientes são outros.

A Place de la Nation, onde acabava a manifestação, é uma praça semelhante ao Marquês de Pombal, mas gigantesca: uma praça redonda, tipo rotunda onde desembocam várias grandes avenidas, com um passeio redondo ao meio com uns canteiros e uma estátua. À chegada, os manifestantes viravam à direita e desmobilizavam por ali. Algumas pessoas reuniam-se frente à avenida de onde vinham os manifestantes e ali próximo.

Quando cheguei já havia um início de distúrbios com a polícia, mas à esquerda deste local: os manifestantes viravam à direita e os problemas eram à esquerda, não na avenida contígua, mas mais longe, o que numa praça daquela dimensão, é mesmo fora da manifestação. Aliás, no meio da manifestação não cheirava sequer ao gás lacrimogéneo que já estava a ser lançado no local dos problemas.


Felizmente, nem os perturbadores nem o governo conseguem o que querem. A opinião pública está cada vez mais contra o CPE e contra o governo. Numa notícia que li (não ponho ligação, porque já não me lembro onde - de qualquer modo li o Libération, o Le Monde, ouvi a TV5 e a France Info - foi num destes sítios) a popularidade do PM Villepin desceu 6 pontos só a noite passada. Ele diz... não, mentira, ele já não diz, manda o porta-voz dizer, que um milhão de pessoas na rua significa que 59 milhões estão em casa. É verdade, muitos não podem e muitos outros não se dão ao trabalho. Mas as sondagens são o que são, e já não costumam ser assim tão falseadas como isso: mesmo que o fossem, seria a favor do governo e não contra.


O que se segue

Os sindicatos de estudantes estiveram reunidos hoje. Antes da reunião, fizeram saber que os protestos vão continuar. Amanhã reunem outra vez, mas com os restantes sindicatos, associações e partidos políticos que têm apoiado o movimento. A greve geral é uma possibilidade cada vez mais presente em todos os comentários. Ninguém, repito ninguém fala em desmobilização ou fim do movimento.


Os contras

Tem havido também algumas pequenas manifestações, não contra o propósito do movimento anti-CPE, mas contra os bloqueios das universidades e liceus. Alguns estudantes vêem a época de exames aproximar-se e querem retomar as aulas. Nenhum deles (a não ser os movimentos partidários e sindicais de direita) se manifesta a favor do CPE. Só não concordam com os métodos. De qualquer modo, são pequenos grupos.



Mais uma nota: tenho pena que os protestos de ontem não se tenham junto aos protestos contra a guerra. Penso que houve um protesto na Concórdia, mas não ouvi mais nada sobre o assunto, não sei se teve gente ou não. É pena terem sido em simultâneo sem se terem junto. A invasão do Irão parece iminente, e a mobilização nesse sentido é importante. É preciso falar-lhes nas línguas que entendem: votos (ou sondagens que os prevêem) e dinheiro (sem trabalho não há lucro - greve).

1 comentário:

Anónimo disse...

Vim do Pópulo para aqui, porque a Emiéle abriu-me o apetite. Realmente fazes uma narração tão viva que parece que estamos a ver.
Oxalá não desmobilizem, e isso sirva de lição a esses senhores. Como dizes sem trabalho também não há lucro e essa linguagem eles entendem. O que querem é ter o maior lucro possível!
GUI