24 março 2006

Manifestações em França e Portugal III - percursos e fim de manifestação

Os percursos também são substancialmente diferentes. Em França, percorrem-se enormes avenidas vazias, com tudo fechado e quase ninguém nas janelas, fazem-se percursos longuíssimos, mas sem qualquer significado. Chegados ao objectivo, os manifestantes desmobilizam imediatamente. Ainda o desfile vem a chegar já as pessoas vão embrulhando as bandeiras e os cartazes. Não há um discurso, não há um palco, nem poesia, nem música. Chega-se já com tudo arrumadinho, prontos a entrar no metro. Em cinco minutos o trânsito volta ao normal.

Nós, em Portugal, costumamos organizar as manifestações de modo a dizer o que queremos a quem queremos. Se o problema é com o ministro da educação, por exemplo, então a manifestação desemboca (ou então faz-se uma concentração sem desfile) junto ao ministério da educação. Além das manifestações convocadas para a Avenida da Liberdade, a maior parte dos desfiles acaba em locais emblemáticos como a Assembleia da República. Também costumamos ter uma comissão conjunta de representantes de todas as organizações que convocam a manifestação, que redigem um texto (uma petição ou carta de exigências) e o lêem para os manifestantes. Em seguida esta comissão vai mesmo pedir para falar com o ministro / orgão responsável e entregar a petição. Só há desmobilização quando esta comissão volta a sair com uma resposta. É certo que os ministros não costumam estar presentes e o máximo que acontece é deixar-se o texto com os secretários, mas espera-se pela resposta de qualquer forma.
E não raro há uma pequeno palco, ouvem-se os representantes de quem convoca a manifestação, há música ou poesia, e esclarecimento. A manifestação torna-se festa.

2 comentários:

J. disse...

o palco, ou a comissão organizadora também podem significar, e significam muitas vezes, uma direcção nessa manifestação, uma hierarquia no seio dos manifestantas, o que siginifica muitas vezes ou pode significar, alguém pensa e decide e a maioria vai atrás..sem saber muito que se vai atrás.
Mas isto é o lado menos brilhante das manifestações, claro. Mas isso pode afastar muita gente de se manifestar, sabendo que está a correr o risco de se tornar carne para canhão de uma agenda que não decide.

Muito úteis os relatos em 1ª mão, como te tinha dito. Obrigada

Helena Romão disse...

Sim, isso é um risco. Mas a pluralidade pode ser mantida. E aí é pena as organizações muitas vezes se degladiarem em vez de se juntarem.

De qualquer modo, são quase sempre organizações que convocam a manifestação. Há sempre formalidades a cumprir, e requer alguma organização, que cada um individualmente não consegue.
Acho que as únicas excepções foram as manifestações convocadas por SMS espontaneamente, que é uma coisa genial, claro!

As manifestações têm reivindicações, e em Portugal, há muitas vezes uma carta unitária. Depois, cada um individualmente decide se concorda ou não e se, portanto, participa ou não.

Por outro lado, os meios de comunicação costumam de facto falar dessa forma, dizer que as manifestações são constituídas por pessoas manipuladas pelos sindicatos e partidos de esquerda.

Se o poder de manipulação fosse assim tão grande e tão forte... como é que os partidos de esquerda "manipulam" tão poucos eleitores? Essa tal... "manipulação"... só dá jeito ser invocada para denegrir as manifestações. Nas eleições fala-se de "incapacidade de mobilização".