20 abril 2010

Uma espécie de ficha de leitura#24


Pode estar certo de que o nosso amigo Tuzzi ; daria o sinal para desencadear uma guerrsa com a consciência mais tranquila do mundo, ainda que pessoalmente não seja capaz de fazer mal a uma mosca; e o seu amigo Moosbrugger será condenado à morte por milhares de pessoas, porque, à excepção de três, não têm de executar a sentença com as suas próprias mãos! Estes métodos "indirectos", levados ao extremo do virtuosismo, protegem hoje a boa consciência dos indivíduos e de toda a sociedade; o botão que tem de ser accionado é sempre de uma brancura imaculada, e o que acontece na outra ponta da linha diz respeito a outros, que por sua vez nunca carregam no botão em nome pessoal. Acha isto abominável? Mas é assim que deixamos morrer ou vegetar milhares de pessoas, deslocamos montanhas de sofrimento, mas também realizamos algo de concreto! Arriscaria mesmo dizer que nisso, nessa forma da divisão social do trabalho, se expressa apenas a velha divisa da consciência humana entre fins que se aceitam e os meios que se toleram, se bem que numa escala grandiosa e perigosa!

p.814

Uma espécie de ficha de leitura#23

Quanto mais valor houver em cada uma dessas pessoas, tanto mais elas se ajustarão à situação real, se lhes dermos oportunidade para isso. Não sei se alguma vez reparou que nunca existiu uma oposição que não deixasse de fazer oposição no momento em que toma as rédeas do poder. E isto não é, como se poderia julgar, uma coisa óbvia; é algo de muito importante, porque é daí que vem, se assim me posso exprimir, o que há de mais real, de mais fiável e de mais duradouro na política!
p.808

Uma espécie de ficha de leitura#22

A tentativa de fazer incidir esse mal-estar sobre certos seres em particular é apenas algo que faz parte dos mais antigos processos psicotécnicos de dominação da vida. Era assim que o feiticeiro extraía do corpo do doente e fetiche previamente preparado, e é assim que o bom cristão transfere os seus erros para o bom judeu e afirma que foi por culpa deste que ele descobriu a propraganda, os juros, os jornais e coisas semelhantes; no decurso dos tempos sempre alguém mandou as culpas para cima do trovão, das bruxas, dos socialistas, dos intelectuais e dos generais; nos últimos anos antes da guerra, por razões que o próprio princípio obscurece, a Alemanha prussiana transformou-se num dos meios mais grandiosos e populares desse estranho procedimento.

(...)

Tudo, hoje em dia, no mundo inteiro, é barulhento e grosseiro; mas na Alemanha o ruído é ainda maior. As pessoas atormentam-se de manhã à noite em todos os países, quer trabalhem quer se divirtam. Mas no meu país ainda se levantam mais cedo e vão dormir mais tarde. O espírito do cálculo e da violência perdeu em todo o mundo o contacto com a alma; mas nós, na Alemanha, temos o maior número de comerciantes e o exército mais poderoso...-Olhou à volta, encantado. - Na Áustria as coisas não chegaram ainda a esse ponto. Aqui ainda há passado, e as pessoas conservaram alguma coisa da intuição prmitiva. Se ainda for possível libertar a alma alemã do racionalismo, o impulso só pode vir daqui.
p.743

Uma espécie de ficha de leitura#21


"Mas não será o dinheiro um método tão seguro de tratamento das relações humanas como a força, e não nos permite ele dispensar o uso ingénuo dela? É uma violência espiritualizada, uma forma especial de violência, flexível, requintada e criativa. Os negócios não se baseiam na astúcia e na força, na obtenção de vantagens e na exploração? A diferença é que são atitudes civilizadas, transpostas para a interioridade, como que mascaradas com a aparência da sua liberdade. O capitalismo, enquanto organização do egoísmo segundo a hierarquia de forças que permite fazer dinheiro, é mesmo a maior e a mais humana das ordens que conseguimos criar em Tua honra (....




"E agora, vamos fazer o quê?", que, no fundo, tem o gosto amargo do tédio, acaba por nunca se libertar de uma voz interior que exorta ao arrependimento. A época aplica a esta o princípio da divisão do trabalho, ao destacar determinados intelectuais, penitentes e confessores para se ocuparem dessas intuições e lamentos interiores -vidas destinadas a vender indulgências, pregadores e profetas literários que é muito útil termos à mão quando não conseguimos, individualmente, viver segundo o que eles pregam. E também a propaganda e o dinheiro que o Estado enterra ano após ano em instituições culturais como em sacos sem fundo funcionam como um equivalente semelhante a esse tipo de resgate moral.


pp. 660-661

Uma espécie de ficha de leitura#20

O comboio do tempo é um comboio que vai desenrolando os seus próprios carris à sua frente. O rio do tempo é um rio que arrasta consigo as suas margens. Quem viaja com ele move-se entre paredes firmes sobre chão firme; mas o chão e as paredes acompanham, com o seu movimento, o movimento vivo dos viajantes. Para a paz interior de Clarisse era uma sorte inestimável esta ideia não ter ainda surgido entre os seus outros pensamentos.
p.584


Desde que o mundo é mundo nunca um ser morreu devido a uma falha de linguagem; mas temos de acrescentar que aconteceu à dupla monarquia austríaca e húngara, autro-húngara, que se afundou por ser impronunciável.
p.592


Apesar de tudo, a fonte que alimentava o espírito destes jovens era tão insondável como o surto de uma nova doença ou uma longa série de ganhos num jogo de lotaria. Quando o sol do velho idealismo europeu começou a declinar e o espírito claro a escurecer, muitos fachos passaram de mão em mão -fachos portadores de ideias, e sabe Deus onde foram roubadas e quem as inventou! -,formando aqui e ali o mar de fogo ondulante de uma pequena comunidade espiritual. Assim, nos últimos anos, e antes que a grande guerra mostrasse as consequências disso, falava-se muito de amor e de sentimentos de comunidade entre os jovens, e especialmente estes anti-semitas que se reuniam em casa do director Fischel viviam sob o signo de um amor e de um espírito comunitário que moldava totalmente as suas vidas.
p.629

-Diabos o levem! -riu-se Ulrich.- Tudo o que sabemos assenta no princípio de que não devemos ser muito severos, nem ficar à espera do conhecimento supremo. A Idade Média fez isso e permaneceu na ignorância.,
p.630

Uma espécie de ficha de leitura#19

Alguém deambula por uma floresta, sobe a um monte e vê o mundo estendido a seus pés, olha para um filho que lhe colocam pela primeira vez nos braços, ou desfruta da felicidade de assumir uma posição invejada por todos. Perguntamos: o que se passa nele em tais momentos? Ele próprio certamente pensa que são muitas coisas, profundas e importantes; mas não tem presença de espírito suficiente para, por assim dizer, as tomar à letra. O que há de admirável, diante dele e fora dele, que o encerra numa espécie de gaiola magnética, arranca os pensamentos do seu interior. O seu olhar perde-se em mil pormenores, mas ele tem a secreta sensação de ter esgotado todas as munições. Lá fora, esse momento inspirado, solar, profundo, essa grande hora, recobre o mundo com uma camada de prata galvanizada que penetra todas as folhinhas e veias; mas na outra extremidade em breve se começa a notar uma certa falta de substância interior, e nasce aí uma espécie de grande "O", redondo e vazio. Este estado é o sintoma clássico do contacto com tudo o que é eterno e grande, bem como da permanência nos píncaros da Humanidade e da Natureza. (...)

O perigo da ligação às grandes coisas tem uma particularidade muito desagradável:mudam as coisas, mas o perigo permanece o mesmo.



p.525-527

Uma espécie de ficha de leitura#18

Há hoje no mundo um espírito de vida anónimo que corre no sangue de muita gente, uma expectativa do pior, uma predisposição para o tumulto, uma desconfiança em relação a tudo o que se venera. Há quem que se queixe da falta de idealismo da juventude, mas que no momento de agir não se comporta de modo diferente daqueles que, desconfiando saudavelmente das ideias, reforçam o seu suave poder de persuação recorrendo ao uso de matracas. Por outras palavras: existirá algum piedoso objectivo que não tenha de se apetrechar com uma pitada de corrupção e de contar com os mais baixos atributos humanos para poder ser tomado por sério e bem intencionado neste mundo?

p.411

Uma espécie de ficha de leitura#17

"Como ela podia ser desejável", pensava ele, " se fosse inculta, desleixada e bem humorada, como é sempre o corpo de mulher, quente e de belas formas, quando não aspira a ter ideias próprias!"

p.375

Uma espécie de ficha de leitura#16


Há uma intuição que lhe diz: esta ordem não é tão sólida como parece, não há coisa nem Eu, não há forma nem princípio que seja seguro, tudo está sujeito a uma mudança invisível mas imparável, o futuro está mais no instável do que no estável e o presente não é mais do que uma hipótese que ainda não ultrapassámos. Que poderia ele fazer melhor senão manter-se à margem do mundo, naquele bom sentido exemplificado pelo cientista na sua relação com os factos, que poderiam querer tentá-lo a acreditar prematuramente em si? Por isso hesita em fazer de si alguma coisa: um carácter, uma profissão, um modo de vida fixo, são para ele antecipações em que é já possível discernir o esqueleto que no fim restará dele.


p.343



Não era filósofo. Os filósofos são seres violentos que, como não dispõem de um exército ao ser serviço, dominam o mundo encerrando-o num sistema. Provavelmente está aí a explicação para o facto de, nas épocas de tirania, ter havido grandes filósofos, enquanto as fases de civilização e democracia avançadas não conseguem produzir uma filosofia convincente, pelo menos a avaliar pelo desapontamento em geral manifestando a este respeito.


p.346

Uma espécie de ficha de leitura#15

Uma utopia é mais ou menos o equivalente de uma possibilidade; o facto de uma possibilidade não ser uma realidade significa apenas que as circunstâncias com as quais a primeira está articulada num determinado momento e impedem de ser a segunda, porque de outra forma ela mais não seria do que uma impossibilidade. Se essa possibilidade for liberta das duas dependências e puder desenvolver-se, nasce a utopia. É um processo semelhante àquele que se verifica quando um investigador observa a transformação de um elemento num composto para daí tirar as suas conclusões. A utopia é a experiência na qual se observam a possibilidade de transformação de um elemento e os efeitos que ela provocaria naquele fenómeno composto a que chamamos vida. (...)


Os contornos bem definidos da vida interior, assegurados pela moral, têm pouco valor para um homem cuja imaginação se orienta no sentido da mudança; enfim, quando a exigência de mais plena e exacta realização no plano intelectual se transfere para o das paixões, o espantoso resultado, a que já fizemos alusão, é que as paixões desaparecem para dar lugar a uma forma de bondade que se assemelha ao fogo das origens. (...)


É esta a razão pela qual Ulrich, em toda a sua vida, se sentiu sempre bastante isolado quando se tratava de saber se devemos adaptar todas as outras às formas mais poderosas da nossa realização interior ou, por outras palavras, se poderemos encontrar uma finalidade e um sentido para aquilo que nos acontece e aconteceu.

pp.338-339

Uma espécie de ficha de leitura#14


Pois, admitindo que na história não há retrocessos voluntários, a humanidade teria de ser comparada a um homem que experimentasse um enorme desejo de andar pelo mundo, para o qual não houvesse regresso nem chegada, e esta era, de facto, uma estranha condição.


p.323

Uma espécie de ficha de leitura#13

Convém dizer que a existência continuada num Estado bem organizado tem qualquer coisa de fantasmático; uma pessoa não pode sair à rua, beber um copo de água ou apanhar o eléctrico sem tocar nas alavancas calculadas de um gigantesco aparelho de leis e ligações , sem as pôr em movimento ou se deixar manter por elas na tranquilidade da sua existência. Conhecemos muito pouco dessas alavancas que chegam até aos níveis mais profundos, enquanto, por outro lado, se perdem numa rede cujo emaranhado homem algum jamais conseguiu destrinçar; negamos a sua existência, tal como o cidadão nega o ar, dizendo dele que é o vazio. Mas o mais provável é que essa natureza fantasmática da vida resulte precisamente do facto de tudo aquilo que se nega, tudo o que não tem cor, cheiro, sabor, peso ou moral, como a água, o espaço, o dinheiro e o passar do tempo, ser de facto o que há de mais importante. (...)

Acontece que ele estava acostumado a ver no Estado qualquer coisa como um hotel no qual temos direito a ser tratados com delicadeza, e queixou-se do tom em que o polícia s elhe tinha dirigido.

pp.222-223

Uma espécie de ficha de leitura#12

Podemos sentir uma pancada não apenas como dor, mas também como ofensa, e neste caso ela torna-se cada vez mais insuportável; mas também aceitá-la desportivamente, como um obstáculo que não nos intimidará nem nos arrastará para uma ira cega, e então não é raro nem sequer darmos por ela. Neste segundo caso, porém, o que aconteceu foi apenas que integrámos essa pancada num contexto mais geral, o do combate, e em função disso a natureza do golpe revelou-se dependente da tarefa de desempenhar.

p.213


Ulrich é um homem que alguma força obriga a viver contra si próprio, apesar de, aparentemente, seguir as suas inclinações sem constrangimentos. (...) Qualquer coisa o atraía em tudo o que existe, e qualquer coisa de mais forte se lhe opunha. Porque vivia ele então neste limbo de indecisão? Não havia dúvida -pensava para consigo -, o que o condenava a esta forma de existência como um desterro sem nome mais não era do que a compulsão para aquele atar e desatar do mundo que se pode designar com essa palavra que não gostamos de encontrar sozinha: o espírito.

p.218

19 abril 2010

Uma espécie de ficha de leitura#11

Tudo o que sentimos e fazemos acontece de algum modo "no sentido da vida", e o mínimo movimento de desvio torna-se difícil ou assustador. É já isso que se passa com o simples acto de andar: erguemos o centro de gravidade, impelimo-nos para diante e dexamo-lo cair. Mas basta uma mudança ínfima, um mínimo receio deste deixar-se-cair-no-futuro ou apenas o espanto por isso...e já não conseguimos manter-nos de pé! Não podemos pôr-nos a pensar no que fazemos. (...) Os objectivos, as vozes, a realidade, todas essas coisas que nos seduzem, atraem e arrastam, que seguimos e em que nos perdemos -será tudo isso a verdadeira realidade? Ou não será que dessa realidade não sentimos mais do que um sopro imponderável pairando sobre a realidade que se nos oferece? O que mais incita à suspeição são as divisões e as formas convencionais da vida, a história que se repete, realidades moldadas há gerações, a linguagem pronta-a-usar, não apenas a da língua, mas igualmente a das sensações e dos sentimentos. (...)

No fundo, poucas pessoas saberão, a meio da vida, como chegaram a ser o que somos, aos seus prazeres, à sua visão do munfo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos; mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito. Poderia mesmo afirmar-se que foram enganadas, porque não se consegue descobrir em lugar nenhum a razão suficiente para que tudo tenha acontecido como aconteceu, quando teria sido perfeitamente possivel ter acontecido de outra forma.

pp- 187-190

Uma espécie de ficha de leitura#10

Infelizmente, não há nada mais difícil em literatura do que descrever um homem a pensar. Um grande inventor respondeu um dia a quem lhe perguntava como fazia para ter tantas ideias novas:"pensando initerruptamente nelas". E de facto bem pode dizer-se que as ideias inesperadas nos vêm porque estávamos à espera delas.(...)
Quanto melhor a cabeça, tanto menos se dará por ela. É por isso que o pensamento, enquanto estiver em movimento, é um estado deplorável, semelhante a uma cólica de todas as circunvalações do cérebro; e quando chega ao fim já não tem a forma do processo de pensamento tal como o experienciamos, mas a da coisa já pensada, que, infelizmente, é uma forma impessoal, porque então o pensamento se volta para fora e está preparado para comunicar com o mundo. Quando uma pessoa pensa, torna-se por assim dizer impossível captar o momento entre o pessoal e o impessoal, e é certamente por isso que o pensar é um embaraço tão grande para os escritores que eles preferem evitá-lo. (...)
Temos, por isso, de reconhecer que uma pessoa que pense, ainda que pouco,, se arrisca a cair naquilo a que se poderia chamar uma companhia caótica.
pp.164-166

18 abril 2010

Uma espécie de ficha de leitura#9

A relação de Diotima com os seus muitos convidados era como o conde de Leinsdorf com os seus bancos:por mais que desejassem pô-los em consonância com a alma, não conseguiam.(...) É uma condição frustrante, cheia de sabão, ondas hertizianas, a excessiva linguagem cifrada das matemáticas e da química, a economia política, a investigação experimental e a incapacidade de convivência simples mas elevada entre os homens. (...) A civilização era, assim tudo aquilo que o seu espírito se sentia incapaz de controlar. Incluindo, desde há bastante tempo, e acima de tudo, o seu próprio marido.
pp.151-152

17 abril 2010

Uma espécie de ficha de leitura#8

Uma das suas frases preferidas era: "Lá bem no fundo, todos nós somos socialistas" e, com isto ele queria mais ou menos dizer que não há distinções sociais na outra vida. Mas neste mundo elas eram um facto necessário, e ele esperava dos trabalhadores, desde que lhe resolvessem os problemas puramente materiais, que eles rejeitassem as palavras de ordem insensatas que lhes tinham metido na cabeça e aceitassem a ordem natural do mundo, em que cada um encontra os seus deveres e a sua prosperidade no lugar que lhe foi destinado. Para ele era tão importante o verdadeiro aristocrata como o verdadeiro operário, e a solução dos problemas políticos e sociais, passsava, para ele, por uma visão de harmonia a que chamava "a pátria".
p.134

15 abril 2010

Honoris Causa para Balsemão


Primeiro obrigam as faculdades a tornarem-se fundações. Depois essas fundações procuram beneméritos. Depois os grandes beneméritos passam a fazer parte dos conselhos consultivos da Fundação. Depois as Universidades atribuem títulos académicos como forma de agradecimento.

10 abril 2010

Todos com a família de Leandro

A crise, económica, política, das instituições, não pode transformar-se ela própria num valor, que damos por adquirido e que nos leve a aceitar tudo, já aceitamos tanto. Por inércia, por incapacidade de ripostar, por incredulidade. A resposta esta semana do relatório da Inspecção Geral da Educação sobre o inquérito à volta da morte do Leando ultrapassa tudo quanto uma sociedade decente pode suportar.
Apesar do juízo sobre algo tão grave como a responsabilidade da morte de uma criança dever ser feito de forma tranquila e longe do ruído mediático, a verdade é que os portugueses puderam acompanhar através de inúmeros e diversos meios de comunicação social, as numerosas queixas de famílias junto de autoridades, as queixas do ministério público de casos de violência escolar, o internamento do mesmo Leandro vítima de agressões na cidade por parte de colegas da mesma escola. Ouvímos os testemunhos de crianças e pais sobre situações que, se se podem verificar em qualquer escola do país, não é suposto ficarem sem resposta e sem resolução. E lidar com bullyng numa escola em Mirandela certamente será diferente do que lidar com o mesmo fenómeno numa escola com a população desenraizada dos subúrbios das grandes cidades.
A morte do aluno Leandro durante o período escolar por fuga e medo dos colegas da escola é demasiado revoltante. A ausência de uma palavra da direcção da escola, nem sequer de condolências para a família, é uma afronta para todos, acto inominável para a família do menino. O comportamento destes professores, ou desta direcção é demasiado bárbaro para que não haja consequências para além da morte de uma criança, da sua violentação física e psicológica bem como para alguns alunos da mesma escola, consequências para além deste sentimento de vergonha e revolta que nos assalta o peito. O relatório é tão vergonhoso como o comportamento da direcção da escola que nos foi dado a ver. Com uma cobardia típica da incompetência o relatório (que demorou mais de um mês a estar pronto!) vem empurrar a água do capote para os funcionários que zelam pelo portão, contratados pela autarquia e não pelo ME. Os pais do Leadro já tinham por várias vezes procurado a direcção da escola preocupados com a mesma questão. Ninguém responde por isto?
Ter de trabalhar até aos 65 anos com uma reforma próxima de 40 ou 50% do meu salário, ter um ordenado sem alterações durante anos, um emprego precário, não ter trabalho na minha área de formação, são questões a que podemos e temos de responder politicamente, são opções políticas. São modelos discutíveis do governo das coisas.
Ver morrer um concidadão por acidente das forças de autoridade, ou por encerramento de um SAP ou por negligência grosseira dos agentes educativos é algo que não pode estar a discussão. Não é uma opção politica entre modelos do governo das coisas. É algo básico, garante mínimo de uma sociedade decente. É preciso que demos o peito contra a barbárie, que nos juntemos à população de Mirandela, à familia de Leandro Pires.