Tudo o que sentimos e fazemos acontece de algum modo "no sentido da vida", e o mínimo movimento de desvio torna-se difícil ou assustador. É já isso que se passa com o simples acto de andar: erguemos o centro de gravidade, impelimo-nos para diante e dexamo-lo cair. Mas basta uma mudança ínfima, um mínimo receio deste deixar-se-cair-no-futuro ou apenas o espanto por isso...e já não conseguimos manter-nos de pé! Não podemos pôr-nos a pensar no que fazemos. (...) Os objectivos, as vozes, a realidade, todas essas coisas que nos seduzem, atraem e arrastam, que seguimos e em que nos perdemos -será tudo isso a verdadeira realidade? Ou não será que dessa realidade não sentimos mais do que um sopro imponderável pairando sobre a realidade que se nos oferece? O que mais incita à suspeição são as divisões e as formas convencionais da vida, a história que se repete, realidades moldadas há gerações, a linguagem pronta-a-usar, não apenas a da língua, mas igualmente a das sensações e dos sentimentos. (...)
No fundo, poucas pessoas saberão, a meio da vida, como chegaram a ser o que somos, aos seus prazeres, à sua visão do munfo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos; mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito. Poderia mesmo afirmar-se que foram enganadas, porque não se consegue descobrir em lugar nenhum a razão suficiente para que tudo tenha acontecido como aconteceu, quando teria sido perfeitamente possivel ter acontecido de outra forma.
pp- 187-190
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