30 janeiro 2006

Só lhe falta mesmo ir àquele planeta parecido com a Terra

O Zé Trotamundos está de volta, desta vez em directo da Nigéria. Mudou de nome, de continente, de país. E acho que esta colocação lhe completa a lista de continentes percorridos, talvez à excepção dos Polos... mas sem certezas!

Boa sorte com mais esta viagem! Ía aconselhar-te a divertires-te, mas acho que dessa parte não te costumas esquecer.

27 janeiro 2006

Vermelho contra o frio















Rita Oliveira Dias

É mais um para mesa do canto

Encontrei este anúncio através do de vagares...


Queria só pedir o favor que se por acaso alguém responder para o Fundão, digam também alguma coisa para aqui.
Muito agradecida.

O Catálogo

Para completar, aqui vai o manuscrito da primeira página de uma das minhas árias favoritas: chamada a ária do catálogo, de Leporello, do Don Giovanni. De Mozart, claro está.

Este Leporello é uma risota pegada, na forma como anda sempre a criticar o patrão, a tentar safar-se e improvisar maneiras de a coisa ainda render para o seu lado.


O resto do manuscrito da ária pode ser visto numa página da BnF, Gallica, que é um sítio muito bem recheado.

O monólogo de Fígaro em Paris

Eu não gosto muito de andar atrás de toda a gente. Mas hoje o maralhal inteiro anda atrás de Mozart, e quando mete Mozart, não há escapadela possível.

Antes de ter estudado melhor o assunto, porque fiz umas notas de programa para a escola na altura em que fizemos excertos das Bodas de Fígaro, eu era mais uma das que achava que as óperas (as de Mozart incluídas) contavam umas historietas de amor mais ou menos desavindo e sem mais nada.
Isto continua a ser verdade para muitas óperas, algumas eram na época o que as novelas da TVI são hoje. Mas as de Mozart são outra coisa.

As Bodas de Fígaro, por exemplo, tem uma história em que os criados se rebelam contra os patrões, e ganham, chegando mesmo a ridicularizar o patrão. Por outro lado, para conseguir este final, há duas conspirações: a das mulheres e a dos homens. E neste caso, a que leva a melhor é a das mulheres, Suzanna e Condessa juntas, que chegam a pregar um susto até ao próprio Figaro.

Esta é a parte que sobreviveu a duas censuras. A primeira foi exercida sobre a peça de Beaumarchais "La Folle Journée", escrita ali num pequeno hotel do Marais. A intenção de Beaumarchais era situar a história em Paris. Mas a censura achou que uma história destas, de criados a gozar com patrões não era possível em Paris. Quando a situou em Sevilha, acabou por passar, com cortes. É que Sevilha era naquela altura um pouco como o topo do Evereste para nós hoje em dia. Toda a gente ouviu falar, sabe-se que existe, tem-se uma ideia exótica, mas muito poucos de nós conhecem alguém que lá tenha mesmo estado. Aí, nesse lugar mítico, já se podem permitir algumas liberdades.
Nos manuscritos de Beaumarchais não utilizados na peça, encontrou-se o que seria o verdadeiro monólogo de Fígaro do início do Vº Acto (IVº na ópera): começava por uma rebelião contra o Conde de Almaviva, e num crescendo levava quase à previsão da Revolução Francesa, alguns anos depois.

O que aparece vem bastante cortado, mas ainda assim, o autor consegue denunciá-lo:

FIGARO: "...il s'est établi dans Madrid un système de liberté sur la vente des productions, qui s'étend même à celles de presse ; et que, pourvu que je ne parle en mes écrits ni de l'autorité, ni du culte, ni de la politique, ni de la morale, ni des gens en place, ni des corps en crédit, ni de l'Opéra, ni des autres spectacles, ni de personne qui tienne à quelque chose, je puis tout imprimer librement, sous l'inspection de deux ou trois censeurs."


Lorenzo da Ponte, o libretista que fez a adaptação da peça de Beaumarchais para a ópera, sofreu também uma censura, e da peça publicada já censurada, teve que cortar ainda mais. No caso do dito monólogo, que na ópera é uma ária no IV Acto, é convertida no que seria um discurso estereotipado contra as mulheres (na peça este é apenas o argumento para dar a palavra ao Figaro): que são mentirosas, e que só enganam, e traidoras... contra os patrões e a classe dominante nada, esses são intocáveis! Claro que Figaro faz este discurso porque está convencido que Suzanna o está a trair no próprio dia do casamento, mas mesmo esta conversa apenas serve para o ridicularizar logo de seguida quando a farsa é desmascarada.

Enfim, este é apenas o exemplo de uma pequena parte da peça e da ópera, para mostrar o quanto está escondido por detrás das farsas amorosas das óperas de Mozart. Todas elas têm por detrás, mesmo que com erosão das censuras várias, algum outro fio condutor de crítica social ou reflexão sobre o Mundo e a sociedade.

25 janeiro 2006

E o livro da semana é


Neste ensaio tentei aplicar alguns conhecimentos, da muito recente ciência que dá pelo nome de Vida Artificial, à arte e à análise social.
Pegando na afirmação de Chris Langton enquanto fala da vida artificial como estudo da “vida como ela poderia ser” (Life as it could be, instead of life as we know it), procuro demonstrar que temos agora os meios para desenvolver os estudos de uma “arte como ela poderia ser” ou uma sociedade como ela poderia ser.
Leonel Moura mistura formigas, vagabundos literários e anarquia, demonstrando como as primeiros são um exemplo de organização anarquista em que a sociedade, o formigueiro, é um sistema que funciona. Organizado sem hierarquias e em que o poder se estabelece de baixo para cima. E não ao contrário como em todas as sociedades humanas (com raríssimas excepções).
São pois os mecanismos simples e as suas propriedades emergentes que na verdade estão na origem da vida e que permitem a existência de sistemas tão complexos como a organização social. E alguns estudos recentes demonstram como os neurónios do cérebro funcionam com base em tais mecanismos, assemelhando-se a outros sistemas vivos de que o comportamento das colónias de formigas é um dos paradigmas mais recorrentes nas novas ciências da inteligência e da complexidade.
Com base nos mesmos princípios o autor, artista plástico, defende um novo paradigma para a arte. Não como ela é, mas como poderia ser::
- O objectivo é agir sobre um ambiente dado.
- O jogo é desencadeado pela decisão de participar, nada mais.
- A acção é individual mas partilhada por muitos indivíduos.
- Não existe definição prévia de outros pressupostos (para além do desejo inicial de participar) e não se admite a presença de qualquer autoridade ou hierarquia.
- A interacção entre todos é livre e múltipla mas tem de contemplar a comunicação indirecta, isto é, de stigmergia.
- A mecânica dessa comunicação, à maneira da feromona, deve permitir acumulação e evaporação.

(...) O ambiente tanto pode ser um espaço disponível, um site na internet, uma zona urbana, como o planeta inteiro ou um problema, um conceito ou a cultura no seu todo. O artista desencadeia um processo para logo de seguida perder totalmente o controlo da situação. (...) Perder o controlo para deixar emergir a arte que pode ser.
Leonel Moura testou estes princípios numa experiência com Vitorino Ramos a que deram o nome de MC2 Máquinas de Consciência Colectiva. E os mesmos modelos inspiraram os últimos trabalhos realizados por robôts que cumpriam os princípios enunciados neste pequeno e saboroso ensaio.

Azulejos no Porto















Que manta bonita fez o Venus as boy. O 3º. 4º, 7º e 9º penso que também se vêem nesta cidade. Se bem que houve fábricas a produzir em exclusivo para determinadas zonas e por isso há padrões e tipos que só se vêm ou no Porto (esses fantásticos relevo aqui vêem-se muito pouco) ou em Lisboa, por exemplo.

22 janeiro 2006

Falta-nos esta resposta

"Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
Que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
Que te põe de bem com os outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo"?

Não se entende a força que move este povo, que o põe de bem com muito poucos e de mal consigo próprio.

Dir-se-ía o espírito salazarento ainda a pairar...
Para quando o 25 de Abril no espírito das pessoas?


É já amanhã que recomeça a luta, que agora se adivinha bem mais dura. Os ingleses dizem "when the going gets tough, the toughs get going" - em português será algo como: "quando as coisas endurecem, os duros põem-se a mexer". Cá estamos para isso!

21 janeiro 2006

Já passa da meia-noite...

...aqui em Paris e em Lisboa. Mas na Califórnia, onde também há eleitores portugueses, ainda não!
Será que a legislação também prevê que eu ainda possa fazer campanha até que o dia 20 acabe mesmo em todo o Mundo?
Bom... é melhor não arriscar, mas acho que vou verificar para a próxima.

O que tinha a dizer, está dito.

Eu já fui votar dia 11, aqui no Consulado. O meu voto já está na urna algures em Lisboa à espera de ser contado. Venham muitos mais!


Vão votar todos dia 22.

18 janeiro 2006

De palas nos olhos

É por estas e por outras que eu continuo a dizer que os franceses vivem fechados no hexágono e nunca olham para o que passa à volta. Não sabem que há outros países, que até podiam ter exemplos e nem era preciso ir longe... Népia. Se não é em França e em francês, não é com eles.

Este senhor começa com um propósito muito louvável: democratizar os poderes presidenciais em França. Apoiado, bem precisam!
Depois descreve um regime parecido ao nosso e diz que a democracia ficaria enfranquecida. Porque, e só porque se esqueceu de tirar as palas! O senhor tem medo do poder do Parlamento. Diz ele que a democracia sairia enfraquecida... Acho que o dicionário dele é diferente do meu quanto à palavra democracia.

O regime francês prevê que o Primeiro Ministro é nomeado pelo Presidente, e que os dois trabalham em conjunto para gerir o país. Depois há um Senado que ainda tem algum poder e um Parlamento que faz quase nada. Quer dizer, eles devem fartar-se de trabalhar, não duvido, mas nada do que fazem resulta verdadeiramente em mudanças para o país.

A questão é que o tipo com mais poder em França é o Presidente. O Villepin não faz nada sem "pedir autorização". Em Portugal é o Primeiro Ministro; o Presidente intervém em caso de veto ou em crises de maiores dimensões. Só que um Presidente não pode ser demitido e um Primeiro Ministro que desagrade pode ser corrido, como se viu com o Santana e o Raffarin.

Diferença: em Portugal isso traduziu-se em eleições (não estamos muito melhor, mas fomos nós quem escolheu); em França o Chirac nomeou o mesmo governo reformulado e continuou tudo na mesmíssima, e a população não foi tida nem achada (e ainda acharam normal)!

O nosso sistema não é concerteza ainda o ideal, pode ser muito melhorado, mas é ainda assim bem mais democrático que o francês!

O Amor - ou um livro à quarta

Vinicius de Moraes
Para viver um grande amor

Não encontrei imagem da capa e não tenho scanner, mas aqui vai um excerto de "O Amor por entre o verde". Vejam o que ele diz ao falar da "bem-amada":

"É ela, Deus do Céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me cruxifico neles banhado em lágrimas de ternura..."


Só a própria forma de designar a mulher já é uma ternura: namorada, amada, bem-amada... As crónicas várias, como uma boa definição do que é um Carioca, alguma música, muitos poetas, mais amigos, "a Espanha entre parêntesis", o Botafogo, Pelé.
E o Amor como ele só sabe escrever.
"Um beijo"

17 janeiro 2006

Manifesto Anti-Cavaco

Vão ao Bar a Barraca ler este texto que o Changuito anda lá a pôr.
Obviamente, nem era preciso dizer, é do Mário Viegas, inspirado no texto que só ele soube dizer, do Almada Negreiros. Tem mais de dez anos e não se arranja por aí nada de mais acutilante e actual sobre estas eleições.


Democracia, debates e uma birra infantil

Numa Democracia dão-se condições de igualdade a todas as candidaturas. Quando há um debate, convocam-se todas as candidaturas em pé de igualdade e todas têm a mesma oportunidade de participar.
Numa Democracia, a existência ou não de debates e as suas condições não são ditadas por um só candidato. Quando alguém "dita", não há Democracia, como o próprio verbo indica.

Um debate serve para informar os eleitores das intenções, opiniões e ideias de cada candidato em relação aos assuntos mais importantes para a nossa vida.
Ora, estando um debate proposto, tendo sido feitos todos os convites em pé de igualdade, não há razão para que não se efectue. Quem quer aparecer, aparece. Quem tem ideias para mostrar e interesse em debater, quem acha que o eleitorado é importante, aparece.

Aliás, como em qualquer aula. Algum professor espera que a turma esteja completa para começar? Há sempre alunos que chegam atrasados ou que faltam, e a matéria não se compadece disso.
A Democracia ainda menos. O que é importante (e que até aqui, na série de debates anterior, não aconteceu) é que seja dada igualdade de oportunidades a todos os candidatos. Eles têm liberdade de o aceitar ou não, mas o Mundo não pára!

Portanto, estando os seis candidatos igualmente convocados, faça-se o debate com seis cadeiras. Estão todos convidados a aparecer, mas a vida não pode parar por falta de quem não nos dá importância.

13 janeiro 2006

Música à sexta

Mais uma nova rubrica cá de casa. Música: CDs, vinis, cassetes, DATs, o suporte pouco importa.

Confesso que andei em dúvida para escolher um disco para pôr aqui. O primeiro disco, sempre é coisa importante! Por isso decidi começar por um dos primeiros discos da minha vida. Não é o primeiro que ouvi, mas é certamente o primeiro de que tenho uma recordação muito nítida.


Fausto
Por Este Rio Acima


Lembro-me que dançava horas sem fim. Chegava ao fim do lado 4 e voltava ao 1. Acho que os meus pais já não o podiam ouvir, mas eu não parava e não me fartava!
E ainda hoje acho que quando volto a ele com atenção, há sempre alguma coisa a descobrir.

11 janeiro 2006

Um livro à Quarta



Só o li depois da adolescência, oferecido pela menina a quem eu chamava do mar. Uma das melhores prendas. Depois disso tenho-o relido com crianças, sempre com sucesso. Acho que sem este livro algumas das praias por onde chapinhamos no verão ficavam mais pobres e desertas.

Gente de má memória




Digo má memória, porque se aproveitam da má memória das pessoas e porque preferíamos não termos que nos lembrar deles.
Eu explico.

O antigo edifício da PIDE e a casa de Almeida Garrett foram demolidos (no primeiro caso a fachada ficou) para fazer condomínios de luxo. É a memória colectiva que se vai embora. A memória é o que nos constrói, nos define, nos alegra ou nos avisa dos perigos.
Por mim preferia ter a memória de casas que, de modos muito diferentes, tiveram um papel importante na nossa história, do que ter que me lembrar destes dois presidentes da Câmara de Lisboa.
Têm o poder. Têm por isso o dever de cuidar da nossa memória, da nossa história. Não, preferem aproveitar-se da indiferença das pessoas para dar razão à alienação geral, combatendo a cultura e o conhecimento.


Outra curiosidade destes dois empreendimentos é o florescimento dos condomínios de luxo. Uma empresa que se mete numa grande construção, sabendo até que vai ter alguma contestação, só o faz se tiver a certeza do grande lucro. Sabem portanto que garantem a venda de todos os apartamentos caríssimos dos condomínios de luxo. Há gente capaz de pagar uma pipa de massa para poder dormir em salas de tortura! Está para lá da minha compreensão.

E o fosso cresce desmesuradamente. A defendê-lo, pior, muito pior que crocodilos, a ignorância e a apatia, sempre tão largas e fundas como o fosso.

Até logo, minha amada



Nestas férias, a grande novidade para mim em Lisboa foi o fim das obras do prédio Leonel. Finalmente pude subir e descer a Rua do Carmo sem aquele mastodonte (vulgo estaleiro das obras) ali no meio.

E o elevador de Santa Justa! A paragem que dá para o Largo do Carmo, que passa sobre a Rua do Carmo e entre o Convento e a antiga Veiga Beirão (também local da primeira universidade do país). Fiz este percurso muitas dezenas (seriam centenas?) de vezes antes de 1988. Há quase vinte anos que não podíamos subir no elevador e sair por ali.

Só faltam mesmo as montras dos armazéns do Chiado e do Grandella para completar o Natal. Desde que desapareceram nunca mais houve em Lisboa montras que se lhe comparassem no Natal, com verdadeiros cenários montados em Lego, onde tudo mexia, comboios, carros, bonecada de todos os tamanhos.

Bem, Lisboa, vemo-nos em Abril, e com cravos!


Posto isto, cá estou eu de volta à Gália. Amanhã já é dia de votos para nós. É muito estranho votar ainda no início da campanha, com todas as sondagens a sair. Pior vai ser esperar tanto tempo pelos resultados, com o voto já consumado!

05 janeiro 2006

Coitadinho do Xô Silva!

À falta de ideias, princípios, bons modos, simpatia, empatia, competência e honestidade, a única estratégia que o Xô Silva pode adoptar é a vitimização. Se estivesse estado acordado nos últimos meses saberia que isto não resulta. O último que a adoptou foi posto na rua, e até tinha mais jeito para a coisa, sabia fazer de menino mimado com beicinho (de resto, como qualquer puto mimado com idade mental de 2 anos)!

O Xô Silva informou-nos aqui há dias que há algumas dezenas de anos teve que abdicar da praia por uns dias para trabalhar no campo. Coitadinho do Xô Silva! Teve que abdicar da praia por uns dias! Coitadinho! O que o Xô Silva não disse, mas qualquer algarvio (ou nazareno, ou poveiro, etc.) sabe, é que quando ele era adolescente NINGUÉM ÍA À PRAIA!
Havia realmente uma coisa chamada "ir a banhos", mas era no Estoril e mais uma ou duas praias no país e apenas para famílias muuuuuuito ricas!

No Algarve não se ía à praia!!! A praia, no Algarve, na Nazaré, em Peniche, na Póvoa de Varzim, era o local de trabalho dos pescadores e das peixeiras. Ponto final.
No máximo, ao domingo à tarde, podia-se ir andar no passeio junto à praia. Tudo vestidinho com fato domingueiro, nada de "poucas vergonhas"; e tudo no passeio, ninguém se lembrava de ir para a areia, quanto mais ao mar!


Portanto, o Xô Silva não passa de um palerma que se aproveita da falta de memória das pessoas para caçar votos através da vitimização. Mas o que mais me indigna não é que haja um palerma a aproveitar-se da situação. A sério, fossem esses todos os nossos problemas...

O que realmente me indigna é que, tendo ele tido o desplante de dizer isto no Algarve, tenha saído de lá inteiro e com aplausos! Os algarvios sabem perfeitamente que há 50 anos um tipo de uma aldeia (que nem sequer é junto ao mar!) não ía à praia! Ouviram aquelas aldrabices pegadas, o choradinho fácil, sabem bem e na pele que não é verdade, e ainda aplaudiram! O que me indigna é que não o tenham desmascarado, que não lhe tenham chamado aldrabão no instante e virado as costas no instante seguinte! Isso é que me indigna!

04 janeiro 2006

Um livro à quarta

Cá em casa também aderimos a esta iniciativa, por sugestão da sm.


The God of Small Things
(O Deus das Pequenas Coisas)
de Arundhati Roy



Li-o em inglês, porque sempre que me é possível tento ler na língua original. Comecei depois de ter apanhado alguns valentes sustos com algumas traduções, além de que é uma óptima forma de ir praticando as línguas que já aprendi.

Este romance conta uma história passada na Índia. Fala das proibições e convenções sociais que matam. O que não se pode dizer, o que não se pode sentir, uma sociedade de castas e regras. Uma realidade escondida que todos conhecem mas tem que permanecer escondida, e que traz morte... ou pior, a morte em vida.
Mas é acima de tudo um livro sobre grandes amores de uns e o desamor de outros.

Além do mais, trata-se de um país e uma sociedade que são para mim praticamente desconhecidos. Ouvimos falar de alguns estereótipos sobre a Índia, as suas gentes e os modos de vida. Aqui temos o ponto de vista de uma indiana sobre o seu próprio país, de uma forma crítica e apaixonada (como nós quando falamos cá da gente), que nos mostra como se vive em Kerala, na Índia.

"Our way of life"

Num documentário sobre o tsunami de 2004 na Ásia, transmitido na RTP pela passagem de um ano sobre o evento, ficámos a saber algo de extraordinário. Algo que nos faria bem tomar como exemplo da suposta caminhada do homem pelos caminhos da evolução/desenvolvimento. Ou, como diriam almas ideológicamente comprometidas, a caminhada da civilização.
Uma tribo, descendente de populações africanas que há milhares de anos deram àquela costa, sobreviveu de forma invulgar ao maremoto refugiando-se antecipadamente na floresta. A poucas léguas dali milhares perderam a vida e os testemunhos em vídeo dos europeus em férias pelas praias paradisíacas são um registo tragi-cómico da impotência ou incompetência mais rudimentar. Um membro da tribo explicava ao antropólogo que a estuda há 20 anos que os seus sabem o que siginifica quando o mar recua rapidamente. Os seus antepassados não os deixaram mal. Independentemente da compreensão do fenómeno ser menos física e mais metafísica, a questão foi a percepção e o reconhecimento imediato do fenómeno. Algo que falhou a milhares de seres humanos das mais variadas origens. Falha que lhes custou a vida.
Com isto não se quer defender, como em tempos idos fazia a Santa Sé, que o conhecimento comporta a perdição do ser humano, nem que a vida do bom selvagem comporta a virtude e a redenção. É, no entanto, surpreendente constatar, mesmo desta forma brutal, como suecos, ingleses, norte-americanos, tailandeses, indianos, alemães, ficaram na praia a ver as ondas chegar e os 200 habitantes da floresta, que vivem da pesca sem hi-pod nem gps, souberam fugir.
Pode medir-se o grau(ou algum deles) de desenvolvimento ao longo da História pelo nível de controlo que o homem exerce na natureza? Esse controlo, a ciência em suma, está ao serviço do ser-humano? Apesar da ingenuidade a resposta devia gerar mais inquietude e menos sorrisos conformados.