Por entre respostas apressadas em surdina a mãe explicava-me uma vida exemplar. Trabalhara desde a adolescência (anacronismo imperdoável, a adolescência é uma invenção do 25 de Abril) como empregada doméstica, interna. Depois passara a doméstica externa, "trabalhar para senhoras", umas quatro ou cinco em 25 anos. Agora está desempregada, passou um ano a "trabalhar" num curso de hotelaria em Cascais, antes disso tinha a quarta classe. Está inscrita no centro de emprego mas não lhe arranjam nada no ramo. Aos 48 ("faltam dois meses, mas ponha") está velha. Mas mesmo que precise, neste momento não pode trabalhar. Tem uma filha de 24 e dois netos, uma boneca de três anos e um recém-chegado com 10 dias. A filha está desempregada, não acabou o 9.º ano e espreita-me agarrada à ombreira da porta do quarto. O outro filho, 13 anos, anda a estudar. Vai baixando a voz para me dizer que o marido a abandonou ao fim de 25 anos de vida comum. Como não há mais ninguém, tem que ser ela a tratar desta gente.
No próximo post a história do homem de 85 anos a trabalhar desde os sete como "ajudante de homens" no campo alentejano, que fez e viu nascer os paredões que aguentam a Av. Marginal, hoje jardineiro nas vivendas de Caxias.
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