18 outubro 2006

Rivoli

Hoje é que eu percebi exactamente o que é que está em jogo no Rivoli, através do post no Arrastão.
Sim, já sabia que havia uma questão de privatização e de uma empresa municipal que passaria a gerir o teatro. O que eu não sabia é que o teatro alberga 18, dezoito companhias de teatro! Dezoito!
E que as dezoito vão ser desalojadas para atribuir um segundo teatro ao La Féria - ele já ocupa o Politeama em Lisboa! Mas quantos teatros nacionais é que este tipo vai ocupar com a pimbalhada dele? E quantas companhias de teatro estão à procura de um espaço?

Assim lá se vai mais um teatro, que sai do domínio da Cultura para se render ao mercantilismo do entretenimento. É a sociedade que temos, são os princípios em voga: a facilidade, o simplismo, o cinzentismo de todos gostarmos do mesmo, sem diversidade. E sobretudo, depois do trabalho desliga-se o cérebro e já ninguém quer pensar ou fazer nem que seja o mínimo raciocínio.
Mas caramba, sempre podiam ter escolhido entretenimento com qualidade!
Nada disto é novidade, é antes um processo que vem de longe.


O que é relativamente novo (embora com um cheiro bolorento) é a reacção do poder aos protestos. Tanto a de Rui Rio, como a da ministra. Menos democrático é difícil!
Rui Rio, numa tentativa de imitar Jardim, não só recusa dialogar como põe queixa crime contra os ocupantes. Mas pior, corta a electricidade, põe o ar condicionado no máximo de frio, e corta os acessos do exterior para impedir que se passe comida a quem lá está dentro. Nem o Sarkozy teve estas brilhantes ideias aquando da ocupação das universidades francesas.

A ministra não diz nada quanto a esta forma de repressão, pondo-se por omissão do lado de Rio, e confirma esta sua posição pela recusa em dialogar e negociar.

O único que faltava meter a pata na poça era o xô silva. Veio à marquise e debitou sobre um tal "pequeno conflito" à volta de um teatro, nem parece querer saber qual.


Actualização: Rio mandou cortar também a água esta noite.


Informações:
Blog do Público sobre a ocupação: http://noteatrorivoli.blogspot.com/
Fórum de discussão sobre a ocupação e política cultural: http://rivoli.no-ip.org/

1 comentário:

Rui Rebelo disse...

Arte e Entretenimento


Nos dias de hoje, com a globalização, a massificação do consumo e o crescimento exacerbado da indústria do lazer, torna-se cada vez mais difícil distinguir o entretenimento da arte. O ideal consumista converteu a arte num produto de estética populista, fruto da cultura do entretenimento e formatado à lógica do espectáculo.
A lei do rentável foi matando a capacidade de discernimento do indivíduo, tornando-o apenas em consumidor ou consumível .
"Arts and Entertainments” - Os motores de busca na internet teimam em colocá-los sempre no mesmo directório e o facilitismo da estandardização faz com que essa lógica se vá apropriando do imaginário colectivo.
Ambas fazem parte da cultura universal mas com papeis substancialmente diferentes na sua capacidade de intervenção no indivíduo, na sociedade e, consequentemente, na História.

Muitos animais se divertem e entretêm mas apenas um faz arte – o Homem.
O entretenimento (sem as mais valias do convívio, da pedagogia, da ginástica, etc.) está associado apenas ao prazer e a arte vai muito para além disso, é muito mais abrangente e está inevitavelmente vinculada à inteligência, à intuição, ao raciocínio, ao sentimento, à imaginação, à expressão e a tudo o que nos transcende.
Jogar consola com o meu filho é entretenimento. Olharmo-nos nos olhos e sentirmos o amor que nos une, compreendendo e realizando a importância desse amor, é arte.
Um diverte, a outra sensibiliza, emociona, perturba e faz pensar, tocando, modificando, sendo dinâmico e vivo, fazendo evoluir.
Por vezes tocam-se, misturam-se, como o azul e o amarelo que dão verde. Mas não deixam de ser coisas completamente distintas.

Entreter é o espaço entre o que se teve e o que se vai ter, é o tempo em que não se tem nada, em que não se é nada, em que não se existe. Logo é necessário passar esse tempo para outra coisa ter, ser ou existir por nós. Recorre-se então ao passatempo que é uma espécie de encher um copo sem fundo, onde se tem uma sensação de satisfação e a ilusão da acção em si. Passar o Tempo é a coisa mais estúpida que se pode (não) fazer na vida. Simboliza a inutilidade por excelência e é sinónimo de inactividade e improdutividade. É queimar tempo de existência. Não no sentido da meditação e da introspecção mas no sentido da passividade no seu estado mais estupidificante.
Entretenimento é darem-nos algo já feito quando nós não estamos a fazer nada, é darem-nos uma comida já mastigada, ingerida e digerida...