03 maio 2006

Nono livro à Quarta



Cartas a Um Amigo Alemão
Albert Camus
Livros do Brasil



O pequeno texto escrito enquanto colaborava com a Resistência Francesa e publicado nos seus jornais clandestinos, é um dos maiores libelos feitos à liberdade e à paz. Actual como a vida podia enviar-se esta carta, mudando sítios e lugares, ao(s) dirigente(s) do mundo livre. É também uma carta de amor à Europa, essa velha cortesã.


« […] Acontece-me, por vezes, ao voltar de uma dessas curtas tréguas que nos deixa a luta comum, pensar em todos os recantos da Europa que conheço bem. É uma terra magnífica, feita de sacrifícios e de história. Revejo as peregrinações que fiz com todos os homens do Ocidente. As rosas nos claustros de Florença, as tulipas douradas de Cracóvia, o Hradschin com os seus paços mortos, as estátuas contorcidas da ponte Karl sobre Ultava, os delicados jardins de Salzburgo. Todas essas flores, essas pedras, essas colinas e essas paisagens onde o tempo dos homens e o tempo da natureza confundiram velhas árvores e monumentos! A minha memória fundiu essas imagens sobrepostas para delas formar um rosto único: o da minha pátria maior. Algo me oprime quando penso, então, que sobre esse rosto enérgico e atormentado paira, desde alguns anos, a vossa sombra. E no entanto, há alguns desses lugares que você visitou comigo. Eu não imaginava, nessa altura, que fosse um dia necessário defendê-los contra os vossos. E agora ainda, em certos momentos de raiva e desespero, lamento que as rosas possam ainda crescer no claustro de São Marcos, os pombos lançar-se em bandos da catedral de Salzburgo e os gerânios vermelhos germinarem incessantemente nos pequenos cemitérios da Silésia.

Mas, noutros momentos, e são esses os verdadeiros, sinto-me feliz que assim seja. Porque todas as paisagens, todas as flores e todos os trabalhos, a mais antiga das terras, vos demonstram, em cada Primavera, que há coisas que não podereis abafar no sangue. […] Sei assim que tudo na Europa, a paisagem e a alma, vos rejeitam serenamente, sem ódios desordenados, mas com a força calma das vitórias. As armas de que dispõe o espírito europeu contra as vossas são as mesmas que nesta terra sempre renascente fazem crescer as searas e as corolas. O combate em que nos empenhamos possui a certeza da vitória, porque é teimoso como a Primavera. […] » - pp. 68-71
Albert Camus, Cartas a um Amigo Alemão, Carta Terceira (Abril de 1944), Livros do Brasil, Lisboa – pp. 68-71. in blogue Cadernos de Camus

3 comentários:

ana rita disse...

obrigada pela sugestão, j.
acho que vou pedir aos meus pais que o comprem na feira do livro para eu ler no verão.

Helena Romão disse...

Lá vens tu pôr-me a caminho das livrarias do Boul'Mich! Depois destes parágrafos, quero ler o resto!

Living Place disse...

Muito interessante, nunca ouvi falar.