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Actualizações
Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação?
As respostas opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros actores e linguagens que as esquerdas não puderam entender.
Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias.
Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo.
Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.
Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas).
Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente.
Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito.
Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar).
Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um patrimônio das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar.
Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas.
Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca.
Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.
in Revista Visão, 25-08-2011
Um caso sórdido ao gosto de uma informação reles
Destaque: Que raio se ensina nos cursos de comunicação e de jornalismo?
Não se lhe conhecia qualquer actividade social, intelectual, científica, artística u política meritória ou, sequer, relevante. Era um personagem medíocre, de cujo perfil apenas pude recolher dois traços, que alguma comunicação social considerou merecedores de referência: era homossexual e era "cronista social". O primeiro traço deveria ser completamente irrelevante, já que emerge da
liberdade de orientação sexual, que apenas a cada um diz respeito. Todavia, considerada alguma prosa que a ocasião suscitou, terá tornado a vítima mais digna de dó – vá-se lá saber porquê!
O segundo, considero-o pouco menos que desprezível: significa que a criatura “ganhava” a “vida”a escrevinhar coscuvilhices e a debitar maledicências, chafurdando nos dejectos dos socialites. A viagem que o levou a Nova Iorque tinha um óbvio móbil “romântico”, que a
comunicação social preferiu apenas insinuar, não por pudor, mas porque a insinuação
vende melhor do que a afirmação: tratava-se, simplesmente, de seduzir um jovem de 21 anos.
Quanto a este, também os seus motivos parecem evidentes: “pendurou-se” no
idoso para, explorando as suas “inclinações”, beneficiar dos seus supostos contactos internacionais, iniciando uma carreira no mundo da moda.
Estavam, pois, bem um para o outro. Nada me interessam os pormenores abjectos que rodearam o assassinato. Deixo-os aos media, lambendo os beiços com a sordidez da história, muito melhor do que o criador de qualquer reality show poderia inventar. O que não posso deixar de lastimar é a falta de vergonha da nossa comunicação social, com destaque para as televisões: há uma semana que os noticiários das 8 abrem com dez ou quinze minutos da "tragédia". Não as imagens horríveis das cheias no Brasil – que ficaram sempre para depois – mas as imagens ridículas dos correspondentes em Nova Iorque, repetindo à exaustão o detalhe dos testículos cortados e a agressão com um televisor (?) – que deve ser um crime especialmente hediondo, aos olhos de quem trabalha para uma cadeia de televisão – e entrevistando em prime time advogados de sotaque extravagante e peritos forenses, para prognosticarem a acusação que irá ser feita ao homicida, ou recebendo no aeroporto os amigos, de ar compungido, do morto.
É para isto que serve a informação televisiva, incluindo a do canal público que
ós pagamos: para preencher o espaço deixado vago pelo desaparecimento do jornal O crime.
Desculpem o desabafo: a informação televisiva tem mesmo de ser esta espécie de teledifusor de lixo? Que raio se ensina nos cursos de comunicação e de jornalismo? E desculpem o excesso de aspas: servem para eu resistir à tentação do vernáculo menos próprio, chamando às coisas os nomes que às coisas são.
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – Campus de Campolide – 1099-032 LISBOA
Tel: 213847400 Fax: 213847471 e-mail jc@fd.unl.pt
Exmo Professor João Caupers
Tendo lido o texto que colocou a circular publicamente na internert não consigo deixar de lhe devolver esta resposta como protesto de indignação e repulsa.
Qualquer pessoa com o mínimo de senso e conhecimento compreende o popularismo e a forma como os media têm vindo a descer os seus níveis de qualidade e rigor, em especial as televisões (as de sinal aberto particularmente). Isso não é surpresa, o que surpreende é um professor catedrático descobrir esse facto em Dezembro de 2010. Onde andou estes últimos anos? Não o preocupou até aqui o tabloide na informação? Estranho esta surpresa e como o seu texto indignatório começa por chamar medíocre a alguém que acaba de morrer - facto de natureza subjectiva e irrelevante para o conteúdo das suas acusações (se a pessoa fosse o nobel da literatura podiamos dar mais atenção à sua morte? penso que não é isso que a sua disciplina ensina) como afirma coisas que não são verdade - era uma relação consumada e pública segundo todos os amigos que privavam com o casal - ninguém foi levado para ser seduzido, só posso concluir que o seu texto não é movido pela indignação em como a comunicação social não dá a devida atenção às coisas mais importantes, mas que isso lhe serve de pretexto para dirimir os seus preconceitos e ódios pessoais.
Carlos Castro não era só homossexual, foi um activista dos direitos dos homossexuais, porque foi -num país atávico e homofóbico -tomo o seu texto como um exemplo - alguém que deu a cara e assumiu a sua diferença num período em que raros ou muito poucos o faziam. Isso faz dele alguém de uma enorme coragem, coragem essa que a homofobia presente no seu texto e na comunicação social reles não apagará.
Melhores cumprimentos
O Professor Caupers teve a amabilidade de me responder. Aproveitou para me dizer que tinha recebido e-mailes de apoio ao seu texto e manda-me um de exemplo (um rico exemplo).
Exma. Senhora,
Recebi o seu texto, que me mereceu a melhor atenção, pese embora discordar de tudo quanto nele se escreve.
Rectifico apenas um ponto: não pus o texto a circular na internet. Foi escrito para uma coluna de opinião mantida pela página da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e destinada a provocar debate e polémica com os estudantes e outros membros da comunidade académica.
Terá sido posto a circular, provavelmente, por uma das pessoas – mais de uma dezena – que não conheço e que me escreveram a felicitar. Envio-lhe um texto bem mais violento do que o meu.
Com os meus cumprimentos.
Apoio na íntegra o texto.
O cronista social foi Fernão Lopes: Aquele a quem se refere, foi cronista marginal. Só uma franja da sociedade, muita estreita e marginal rastejava pelos seus textos infectos.
Não tenho pejo em revelar que, no dia que se soube da sua morte, tive a sensação de que a sociedade ficou mais limpa.
Pouco me importa se isto é bonito e correcto ou não; foi o que senti e sinto.
Quanto à outra parte – a das TV e especialmente a publica – deve-nos desculpas e pedidos de reparação por inundar as nossas vidas, vezes sem conta, com banhos de porcaria em que eles próprios se comprazem.
Parabéns
Cruz Fernandes