17 julho 2006

Beirute


Ainda à espera da música, vou falando do assunto: Beirute.

Não sei dizer mais do que o que me lembro. Lembro-me de que era pequena e a guerra das notícias era na Palestina e no Líbano. Foi dos primeiros países longínquos que percebi onde era. As notícias davam refugiados miseráveis a tentar fugir sem condições, a ser apanhados por tropas e mortos ali mesmo.

Das notícias, mudaram apenas os pivots do telejornal. Os sucessivos governos israelitas (com a excepção de Yitzhak Rabin) continuam sem entender que em guerra não vivem nem deixam viver. Não entendem que a violência estatal e instituída como parte de uma política e de uma estratégia nacional não é comparável à violência de grupos. Uma coisa é ter um país cujo objectivo principal, o que significa encaminhamento dos impostos e da força militar, é destruir os vizinhos.
Outra é ter um grupo cuja clandestinidade / legitimidade depende da população local e dos meios que esta lhe dá. E a população em geral só aceita viver assim quando não vê outra forma, quando já não tem uma vida a perder: sem família, sem emprego, sem perspectivas, sem poder recorrer a um médico, sem direitos, quantas vezes sem comida, com tudo isto já ali a dez metros, do outro lado do muro. Pergunte-se a um alemão como é viver assim, quantos deles preferiram matar-se a tentar atravessar o muro, porque o emprego ou a família tinham ficado do outro lado da rua (e as condições das Alemanhas não era sequer comparável). Pergunte-se a um irlandês quando cresceu o IRA: deixou de ser um grupúsculo afastado da população imediatamente depois dos grandes ataques ingleses a civis. E porque é que a ETA e o IRA desapareceram? Porque o terror inglês e espanhol acabaram e a população do País Basco e do Ulster deixaram de legitimar os grupos terroristas.

E pergunte-se ao governo israelita como era viver no ghetto de Varsóvia: não sei se estes governantes lá viveram eles próprios, mas sabem bem como era. Tão bem, que conseguem uma imitação pior que o original.


Eu cresci, a minha vida mudou completamente. Já sou da geração que tem filhos. Viajei, andei na escola, aprendi línguas, vi cinema, teatro, concertos... Se no mesmo dia nasceu alguém no Líbano ou na Palestina, muitos não estarão vivos; e se estão, a vida deles não mudou, nem fizeram nada destas coisas. Continuam a procurar sobreviver cada dia mais um dia só, e ter alguma coisa que comer.
Em Israel há uma ilusão de vida normal, há dinheiro, escolas, hospitais. Também há medo e mortes na rua no dia-a-dia, e é provavelmente esse medo que os leva a legitimar estes governantes, mas isso só provoca mais violência e mais medo.

1 comentário:

Rita Oliveira Dias disse...

Não acho que possas dizer que a população basca ou do ulster deixou de apoiar os movimentos independentistas violentos. No pais basco tens uma clara divisão entre a população de origem basca(que ainda é o reduto) e aqueles que emigraram para esta zona e que tambem são bascos(por escolha ou já 2a ou 3a geração). No norte da irlanda o movimento progrediu para uma crescente participação politica pela mão da elite. Se calhar muitos catolicos gostariam de continuar a explodir protestantes e vice-versa.Abraço Rita