03 julho 2006

A nossa pátria será outra

"(...)O pior nem foi a enchente. É que havia uma turba que ria para mim e, que me desculpem a afronta, eu estava-me rigorosamente nas tintas. Pensava noutras coisas, incluindo que não havia pão em casa e já não havia tempo de ir a uma loja de conveniência. Pensava na "agenda". Pensava em mais dois ou três assuntos que eu cá sei, a anos--luz do Portugal-Holanda e não respondi a um sorriso. E a distância de toda aquela felicidade deixou-me esquisita, mas ainda não apátrida, o que veio a acontecer no metro.

Como a superfície, o subterrâneo estava atafulhado de gente revestida a verde e vermelho, que acenava bandeiras e gritava. Já passava das 11.00 da noite e, à excepção de mim e de dois "mitras", todos os ocupantes da plataforma (incluindo as criancinhas de colo) irradiavam a vitória.

A coisa piorou quando o circuito de TV da estação passou o hino nacional. E então os heróis do mar da plataforma e o nobre povo do subterrâneo desataram a cantar o imortal hino da nação valente. Todos (menos eu e os dois excluídos) pareciam levantar de novo o esplendor de Portugal. Quando o metro chegou, fiquei aliviada de fugir daquela pátria esquisita para dentro do túnel onde o ruído silencia qualquer acção épica."

Ana Sá Lopes,Apátrida, sim, um bocado, às vezes Diário de Notícias, 28/o6/o6

1 comentário:

Rita Oliveira Dias disse...

Senti o mesmo no fim-de-semana, no meio do transito a tentar ir jantar. Serei uma snob?
Rita