30 outubro 2004

Noite Escura



O Daniel Oliveira, do Barnabé, disse que é o melhor filme português que viu em muitos anos, acho que ele não viu muitos filmes portugueses nos últimos anos. Eu também não e tenho pena. Não vi o Rasganço, nem o Milagre Segundo Salomé nem o último do Fernando Lopes (lembrando-me de alguns que poderiam ser imperdíveis). Ainda assim Noite Escura de João Canijo, o autor do grande filme que foi Ganhar a Vida, fica a dever um bocado a este e a algumas proposições suas. O filme sacrifica-se ao objecto estético, a maneira como filma é excelente para nos intoduzir na noite e na vida de um bar mas é redutora e aborrecida a partir de certo momento.
Num documentário sobre Henri Cartier-Bresson que passou há pouco n tv ele dizia que, na fotografia (ou na arte) havia os trabalhos demasiado pensados, os conceptuais, os trabalhos demasiado sentidos, os panfletários e os demasiado preocupados com o valor estético da imagem, uma boa imagem devia ser uma mistura equilibrada destes três.
Noite Escura tem uma força avassaladora que se chama Beatriz Batarda. Quem se lembra da jovem assustada/arisca da Caixa de Manoel de Oliveira? A interpretação que faz de Carla, a filha mais velha que controla o bar é, sim, uma das melhores representações do cinema português. Nada ali se sente forçado como no resto das personagens, o Fernando Luís a forçar um linguarejar de chulo, a Rita Blanco a forçar o vernáculo de uma velha prostituta, a adolescente rebelde fez bem em não forçar nada porque assim não somos convidados ao artifício da verdade, ele fica connosco. Beatriz Batarda está melhor que o próprio filme.
Por não sentir em Noite Escura o rasgo de Ganhar a Vida (aí Rita Blanco está bem à altura) não quer dizer que o filme seja mau, sinto que não atingiu os objectivos propostos e que desperdiça aquilo que utiliza como pano de fundo para uma tragédia familiar sem grande consistência ou força.

25 outubro 2004

"PCP:o estado das coisas"

No site da Renovação Comunista alguém deixou uma reflexão elaborada e conhecedora do actual estado da questão PCP. Em vésperas de mais um Congresso Eucarístico aconselha-se.
Como quem busca notícias de uma pátria perdida, muitos de nós na diáspora comunista portuguesa mais ou menos acompanhamos o que se vai passando no PCP. É afinal o partido de Manuel Ribeiro, Carlos Rates, Bento Gonçalves, Rodrigues Miguéis, Pável, José de Sousa, Alex, Militão, Bento Caraça, Piteira Santos, Soeiro, Redol, Jofre Amaral Nogueira, Magalhães-Vilhena, António José Saraiva, Maria Lamas, Lopes-Graça, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira, de entre os já falecidos. Uma máquina de sonhos que amassou em sangue o melhor da esperança, vontade e inteligência de tantos e tantos dos nossos melhores homens e mulheres. Esse partido é naturalmente um património histórico e político que reclamo como meu e sobre o qual exijo contas. Não sendo eu, nessa matéria de património, animado por um espírito fetichista de conservacionismo estrito e puro, interessa-me apesar de tudo ir sabendo do estado da sua actual carcaça perimida. Sempre com uma secreta esperança (que não ouso já confessar a mim próprio) de ver despontar subitamente no “partido” algum lampejo de vida. Sempre com uma grande inquietação de que ele possa ter um fim catastrófico e pouco dignificante. Por qualquer razão, provavelmente uma razão não muito racional, suspeito que o mundo sem o PCP será muito mais árido e rarefeito, um vórtice de impulsos metalizados de uma indiferença lancinante, sem qualquer densidade especificamente humana. Um mundo em que homens e mulheres generosos vão andar perdidos em círculos, procurando desesperadamente o seu “contacto” sem o conseguirem encontrar. Eis algumas das razões que me levaram a ler as teses (projecto de resolução política) aprovadas pelo Comité Central com vista ao próximo 17º Congresso do PCP.

21 outubro 2004

O Fascismo é uma minhoca

Coimbra. Estudantes protestam contra a fixação do valor das propinas. Reitor(es)deviam ter devolvido essa responsabilidade para o governo (já que esta se transforma numa questão política e não meramente administrativa). Em vez disso reitor chama polícia. A polícia vem, temos as imagens na tv, a lembrança dos tempos do estertor final do cavaquismo com botas da polícia de intervenção em cima de rostos, um rapaz paraplégico depois dos confrontos na ponte. O gás pimenta ontem mais o cacete. À mesma hora em que a polícia descarregava nos estudantes e chegava o corpo de intervenção (para deter estes perigosos criminosos) o reitor fixava o valor máximo das propinas, condenava a atitude dos estudantes e apelava ao governo que criasse um regime disciplinar para casos como este. O Guterrismo também proibiu os cortes de estrada, este reitor quer ir mais longe, quando chegar a vez dele haverá alguém que proteste? Morte a Seabra Santos e ao Senado caquético. Esta Academia podre tem sido o alimento do país negro que todos os dias nos cai no colo.


16 outubro 2004

É preciso ter lata

O nosso presidente recebeu a semana passada um prémio importante em terras reais vizinhas. Quando questionado pela imprensa sobre o que pretendia fazer com os 90 mil euros respondeu que não fazia questão de os entregar a nenhuma instituição de solidariedade social, que os guardaria para si que os tempos estão difíceis (ipsis verbis). Faz bem sr. presidente, é bom acautelar a terceira idade e a dos seus filhos, afinal os tempos serem difíceis nada tem a ver consigo, afinal se os tempos estão difíceis para o Presidente da República, sem pejo nem vergonha de vir desta forma gozar com os pobres(ainda hà pouco tempo disse que a escola pública era muito importante por causa deles, dos pobres...) então para o resto da população não vai é nada mal, em particular para aqueles que vivem em instituições de solidariedade social que vivem de donativos, afinal o prémio de Sampaio nada tem a ver com o facto de desempenhar um cargo público e político de representação e eleição directa, cargo e cargos que ao longo da vida lhe puseram o pão na mesa.

Das últimas vezes que ouço o Sampaio dá-me a ideia de que ele pensa que uma vez que a sua dignidade já foi porque não tirar daí o proveito.

06 outubro 2004

Censuraram o professor

Como é que a opinião democrática vai tratar disto? E será que tem algum efeito? Por que é que o barnabé não convoca uma manif? E o Sampaio, não diz nada? E o povo das liberdades do 25 de Abril, onde anda? De duas uma: ou se está a cagar para as liberdades, ou se está a cagar para o Marcelo.

A última situação de censura feita em público teve por objecto O Evangelho segundo Jesus Cristo, e vítima o José Saramago.
Subsecretário de Estado da Cultura, o monárquico corrupto Sousa Lara. O chefe do Sousa Lara? Pedro Santana Lopes.

RANCOR

O Carvalhas vai-se embora. Talvez seja fácil para alguns encolher os ombros e dizer: quero lá saber. Mas eu não consigo.
Agora o PCP está pacificado, agora toda a gente pensa da mesma maneira. E quem não deixou de pensar decidiu abdicar definitivamente da cabeça em favor da carteira, da carreira ou do “Partido”. Agora o PCP entrou em ritmo de cruzeiro, perde umas dezenas (por vezes centenas) de milhar de votos em todas as eleições. Agora toda a gente lá dentro acha isto normal. E até acha bem.
O Carvalhas vai-se embora e nem na hora da saída consegue um mínimo de dignidade. De boca fechada até ao fim. Ficou para impedir uma cisão, e com isso só conseguiu salamizar o PCP e apressar a reforma política de centenas de comunistas (minha incluída). Se calhar ainda se vai chegar à conclusão que o homem se sacrificou pelo “Partido”, quando já não houver "Partido".
Por que é que isto tem alguma coisa a ver comigo?
A verdade a que sou obrigado traz-me uma palavra: rancor. Rancor por ter sido tratado como um bufo, como um pau-mandado, como um filho-da-puta. Rancor por ter sido acusado de incompetência. Rancor por nunca ter tido possibilidade de me defender. Finalmente, rancor pelo desprezo. Por ter perdido anos de trabalho e de vida em qualquer coisa de que fui afastado sem solução de continuidade, e sem uma palavra de...ia dizer apoio, sem me dar conta do ridículo.
O “Partido” limpou o rabinho no Carvalhas. Deve ter ficado em boa companhia.

51 dólares a subir

Para aqueles que compreendendo de forma lúcida os motivos da guerra e invasão do Iraque as defenderam de qualquer forma deve ser muito difícil neste momento entenderem o seu próprio raciocínio face à subida para valores nunca antes alcançados do barril de crude. Então não foram ao Médio Oriente garantir que a ocidental forma de vida -sobre rodas e avião- continuasse? Não foram garantir que o mundo deslizaria no ouro negro sem precalços?

05 outubro 2004

Maltese



Eu tinha 9 anos e apaixonei-me.
Corto nunca conseguiu esquecer.

Corto



O Público anda a fazer negócio com este homem. A Balada do Mar Salgado anda a ser vendida em três volumes de 4 Euro cada. A melhor edição (preto e branco) custa uns 12 Euro em qualquer livraria. Deviam ter vergonha.

04 outubro 2004

Viagem na pós-modernidade ou Paralelas convergentes?

Brumas da memória



"No referente ao aspecto repressivo da política fascista no campo do trabalho, valeu-me a pena falar com Carlos Carvalhas, secretário de Estado do Trabalho e um jovem enérgico e decidido, típico do sangue novo que foi injectado nas veias do aparelho ministerial depois do 25 de Abril."

Wilfred Burchett, Portugal depois da Revolução dos Capitães

03 outubro 2004

Sarrabulho



Ia pelo norte em romaria laica com o estômago apertado pela imagem de um sarrabulho limiano a fumegar, cheio de sangue cozidinho. O que não sabia era que a cidade fecha para férias depois das Feiras Novas. O desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, estava farto de saber. Vai daí, perguntei
“- Boa noite!” (assertivo)
“- Vim cá de propósito para comer um sarrabulho mas tá tudo fechado…” (displicente)
“- A senhora sabe d’algum sítio onde se pode comer barato e bom um arroz a esta hora?” (humilde)
“ - Já procurámos mas…” (focinho de cachorro batido)
“ - Olhe, pode ir à …,… tá a ber aquela suvida? Pois bai por ali, bira à direita e bê logo o restauránte.” (evidentemente)
“ – Ah, muito obrigado!”

O arroz não deixou recordações mas ainda hoje penso naquela suvida.

Leviathan

Sempre fui leitor com amores literários passageiros, mas fortes. Com a idade foi sendo mais difícil manter a fidelidade aos autores. Mia Couto, por exemplo, já pertence à pré-história das minhas afinidades. Mas foi uma relação para alguns anos, entre as Vozes Anoitecidas e os Contos do Nascer da Terra. Depois o Mia parou naquela fórmula criativa, os livros começaram a repetir-se naquilo que os fazia mais singulares, uma aliança sábia de instrumentos para reimaginar a realidade, entre as fontes orais impregnadas dos mitos moçambicanos e o linguajar quotidiano do povo. Ou então talvez tenha sido eu a ir perdendo algumas referências que a nostalgia de África ainda fazia habitar cá dentro. Nos anos mais chegados tem sido mais complicado esgotar os autores antes dos autores me esgotarem a mim. Vamos ver se ainda vou a tempo do Leviathan.

Job Offer

Saí cedo da cama. Fui a uma entrevista de emprego. A ideia era trabalhar em part-time na caixa do Carrefour. Ofereceram-me trabalho para inserção de informação em bases de dados Acess a tempo inteiro. Nada como ser apreciado.

02 outubro 2004

Derivação



Trabalhar é um convite à brutificação, à coisificação do eu. Não é análise marxista ou situacionista, é vida de todos os dias. Depois, as ideologias hegemónicas e contra-hegemónicas dominantes justificam, explicam a necessidade do nosso trabalho para sermos viáveis como indivíduos, como corpo social e como entidade colectiva. Há até quem queira fundar a emancipação, a liberdade do homem, no trabalho.
Hoje trabalha-se mais do que alguma vez se trabalhou, excepto talvez no auge da primeira revolução industrial.
Uma das ilusões colectivas poderosas que nos guiam, ferrete do imaginário moderno, é a convicção de que uma conjunção de mérito, expectativas e sorte pode resultar numa redentora inclusão cósmica pelo trabalho.

Blogues

Não sou do género leitor de blogues. De vez em quando roubo alguns minutos ao tédio para dar uma volta por aí.

Irrita-me o tom contentinho, muito revolução de veludo, de coisas como o
blogue de esquerda.

Irritam-me aqueles gajos que vêm para os blogues descrever em tom barroco a "descoberta" de um livro excelente e muito raro debaixo de toneladas de papel, por tuta e meia, numa visita de acaso a uma livraria tradicional de Lisboa, como se não fossem uns vaidosos de merda.

Irritam-me os medíocres dos blogues de direita.

Irritam-me os medíocres dos blogues de esquerda que se sentem obrigados a criticar os medíocres dos blogues de direita.

Irritam-me os gajos que assinam com mais de dois nomes.

Irritam-me coisas como "Ar puro" e "Early Morning Blogs" por José Pereira.

Irrita-me escrever para uma coisa de que outros desertaram.

Mas gosto quando encontro alguém na rua que me diz ter lido o meu blogue.

Gosto do blogue do
Miguel Almeida.

E gosto de outras coisas mas estou cheio de sono e farto disto.

01 outubro 2004

O empresário, o argelino e o intérprete deles

O empresário tem máquinas agrícolas para vender. O argelino aterra na Portela como o FMI, vem cá ver para encomendar. O intérprete vai do português para o francês e vice-versa, a ver se se safa. Mas não está seguro do seu múnus e reza para as coisas não darem para o torto. Pelo caminho dá umas voltas por Rio Maior (as mocas, as mocas...) e Évora. O sol brilha e passa mais um dia. E pronto, é a vida.

Atmosfera interior

I'm all lost in the supermarket
I can no longer shop happily
I came in here for that special offer
A guaranteed personality

The Clash, London Calling