30 janeiro 2012

Entrevista à presidente do ICOM Portugal, Ana Paula Amendoeira



O que pensa da barragem?

O que penso coincide exactamente com o conteúdodo relatório do ICOMOS. É fruto de um trabalho e de uma investigação longa, muitas vezes de décadas para chegar a conclusões sérias, técnicas e científicas, ancoradas em ideais e princípios construídos ao longo do tempo e não das conjunturas efémeras dos ciclos políticos. Por isso, não se trata aqui de opiniões ou de gosto, mas de conhecimento e de respeito pelo trabalho, estudo e reflexão.
Que impacto teria a desclassificação dessa zona?Os impactos seriam desde logo a má imagem do incumprimento a que o Estado Português está obrigado a partir da altura em que ratificou a Convenção do Património Mundial, no início dos anos 80. Esse seria, claro, um dos impactos imediatos e bastante penalizadores, sobretudo na vigência de um governo que preza tanto o cumprimento dos compromissos internacionais. Não é, repito uma questão de gosto ou de acordo, é uma questão de dever, de cumprimento de regras que se aceitaram livremente. Outro impacto seria obviamente para a paisagem do Douro vinhateiro e esse seria ainda o mais grave porque se trata de facto de uma “jóia da coroa” e já não temos muitas.

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O secretário de Estado já afirmou que o projecto terá de ser equacionado. Acha que a cultura neste governo e com a conjuntura actual de crise tem peso suficiente para impedir o projecto?

Não sei, mas a cultura nunca tem muito peso, não é só agora – houve muito poucas excepções na nossa História recente. Temos que aguardar para ver o que vai ser decidido e respondido à UNESCO e ao relatório do ICOMOS. Mas tenho dúvidas de que a contratação de um super-arquitecto de prestígio mundial (Souto Moura), consiga, como que por magia, resolver os graves problemas apontados no relatório do ICOMOS. Mais uma vez elege-se como solução, o projectista, em vez da adequação do programa!
O que pensa do desempenho deste governo e de Francisco José Viegas no que diz respeito ao património?Não conheço o suficiente para me pronunciar. Acho que o caso do Douro foi muito mal gerido pelo governo anterior apostando na política do facto consumado e este governo não inflectiu a atitude e o comportamento errados do anterior.
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Tendo em atenção o exemplo das gravuras rupestres de Vila Nova de Foz Côa. Visto à distância, valeu a pena impedir a construção da barragem?

Se medirmos tudo por dinheiro, penso que talvez sim, porque estão por demonstrar os lucros efectivos para a região se a barragem tivesse sido construída. Teria havido certamente muitos benefícios mas talvez não para o bem comum. Aliás a convicção de que o desenvolvimento e a qualidade de vida se conseguem com construção, é claramente uma ideia em contra ciclo. Se não medirmos tudo por dinheiro e se pensarmos, como penso, que nem tudo o que tem valor tem um preço, como bem diz o professor AdrianoMoreira, então a minha resposta é claramente afirmativa. Sim, valeu a pena a decisão política de impedir a construção da barragem porque temos um dos sítios de arte rupestre mais importantes do mundo que prestigia o nome de Portugal nos meios culturais e científicos internacionais. E depois, os alegados prejuízos desta decisão comparados com o prejuízo do caso BPN são, como se costuma dizer “uns trocos” e não estamos perante um crime público, apenas perante uma decisão política a favor da cultura, uma das poucas da nossa História recente. Além disso, Foz Côa não pode ser vista de forma isolada, pois integra um dos eixos (Porto, Douro, Côa, Salamanca) de maior densidade e valor patrimonial mundial, tenho a certeza de que se houver bom trabalho nesse sentido a região poderá beneficiar desse enorme potencial e por muito mais tempo do que o tempo de vida de uma barragem.

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