02 dezembro 2005

Um dia atrasado

Eu não tinha pensado fazer um post sobre a Independência. Mas depois de ter dado a minha voltinha bloguística de ontem, percebi que vai ter que ser. É que tanta espanholice aguda já irrita! Será que as pessoas não pensam no que escrevem, não medem as consequências?

O texto começou como uma resposta a estes rapazes, e tendo crescido muito, decidi publicá-lo cá em casa.

Muitas pessoas olham para Madrid, vêem riqueza e prosperidade, e acham que Lisboa seria, em caso de dependência, uma nova Madrid.

Isso é só falta de capacidade de entendimento e julgamento. Basta ver como lutam ainda hoje os bascos por uma coisa tão simples como falar a sua língua! Parece que as pessoas não se dão conta do que seria ter que dispensar dias, meses, anos da sua vida a lutar para poder falar português (que seria votado ao estatuto de dialectozeco, não esquecer...).

Mais, vale a pena olhar para algumas cidades, nomeadamente no país Basco e na Galiza. São pobres; estão cuidadas, mas apenas dentro das possibilidades. A população, nas ruas, tem um aspecto pobre; raras pessoas andam cheias de sacos de compras das grandes lojas como se vê em Madrid.

E depois, ainda nos sujeitaríamos ao que aconteceu na Galiza quando foi o desastre do Prestige, cada vez que precisássemos do governo central. Durante semanas, já com observadores internacionais nas praias a ver o crude, a filmá-lo e transmiti-lo para o Mundo, o sr. Aznar continuou a dizer que era tudo imaginação e que não desbloqueava nem um cêntimo.

Estes seriam os retratos de Portugal se pertencesse a Espanha. Eles capital já têm e não consta que pudessem ter duas. Lisboa seria apenas mais uma cidadezinha de província, e o resto do país seria a província da cidade provincial.

Portugal está mal, está pobre, mal gerido. Mas a culpa é nossa, dos eleitores e dos cidadãos, tanto quanto o remédio está nas nossas mãos. Em Espanha, os nossos votos contariam 1/5 do total. O futuro do país nunca dependeria de nós. Independentes, somos donos do nosso destino.
Não vale de nada queixarem-se que o país vai de mal a pior, se os eleitores continuam a não votar, ou votar para o manter exactamente nessa rota.
E pertencer a Espanha (ou a qualquer outro país) não seria solução, enquanto as pessoas não perceberem que as eleições fazem parte da cidadania (e até isso parece ser difícil de entender...), mas principalmente, que um cidadão é muito mais do que um eleitor.

8 comentários:

Anónimo disse...

Não podia estar mais de acordo!
Falta espírito de cidadãnia aos portugueses...:/
A visão que deste de portugal ser território espanhol, não é nada fictícia..seria o mais provável..:P

Viva Portugal, carago!:P

Ant.º das Neves Castanho disse...

Mas estão ambos enganados! Portugal já não tinha viabilidade como País em 1640 e muito menos a tem agora. As provas estão à vista, incontornáveis: na História, na Literatura e na Cultura dos nossos últimos 365 anos; e também na situação política actual...

Portugal não passa hoje, aliás, de uma pequena Região europeia, periférica e irrelevante em TUDO e mais alguma coisa.

Como Região Autónoma de Espanha, porém, teríamos muito mais do que apenas riqueza e desenvolvimento: teríamos seguramente muito mais civismo e educação, orgulho nacional, autonomia política, cultura e, acima de tudo, uma Língua defendida!

Lamento, mas a Língua Portuguesa parece-me estar muitíssimo mais em risco do que a Catalã, por exemplo (já nem falo da espanhola), apesar da nossa "independência".

Helena, o teu folhetim basco é poético, mas de uma ingenuidade atroz, que chocaria qualquer basco decente - cujo País tem muito mais independência política, na Espanha Constitucional actual, do que o nosso pobre e triste portugalito. Conheces bem o País Basco espanhol? Vale bem a pena. Apesar da ETA.

Por favor, ACORDAI!

Já dizia o Lopes-Graça. O Mundo real não se compadece com este tipo de patrioteirismo serôdio. Por amor a Portugal, por amor à Cultura e à Língua Portuguesas, eu tenho hoje sérias dúvidas sobre as vantagens da nossa Independência.

E atentem que não estou a falar de PIB's, impostos, desemprego, riquezas ou vitórias desportivas. Repito, hoje, no contexto democrático europeu actual, Portugal tal como é (e tende a ser) é cada vez mais uma vergonha para mim.

E sou profundamente patriota, dos quatro costados, acreditem-me. Mas isso não me impede de ser lúcido.

Porque o que eu não sou mesmo, seguramente, é nacionalista, isso não!

Helena Romão disse...

Bem, "cidadãnia" não sei que será, deve ser de outra língua.
Bem, Castanho, estou bem ACORDADA e não estou nada de acordo contigo.

"Como Região Autónoma de Espanha, porém, teríamos muito mais do que apenas riqueza e desenvolvimento: teríamos seguramente muito mais civismo e educação, orgulho nacional, autonomia política, cultura e, acima de tudo, uma Língua defendida!"

Hás-de me dizer onde viste isto, de onde tiraste esta ideia, porque eu estive este verão na Galiza e não vi nada, nadinha disto! Antes pelo contrário. Por detrás de uma defesa da língua que está legislada, há uma velada opressão da cultura e da língua.

E em França, se eu disser que falo português as pessoas sabem o que é. Se eu disser que falo Galego, tenho que explicar que é uma língua falada numa região de Espanha... "Ah, espanhol!"... e que sim, é uma língua espanhola, mas aquela a que se referem é o castelhano "Quê????", e que também falo castelhano, mas estava no momento a referir-me ao galego...

Não conheço bem o País Basco espanhol, mas sei que lutam pelo reconhecimento da língua (e não só). Lutam contra a ETA, contra o governo central e contra a ideia feita internacional de que todos os bascos patriotas são terroristas. Não têm nem de longe o mesmo reconhecimento que os catalães, tão simplesmente porque Barcelona é a cidade mais rica do país, e Bilbao não.

Basta ouvir os meus colegas castelhanos a "rugir" quando chamamos castelhano à língua deles (coisa naturalíssima para os sul-americanos) em vez de espanhol. Não são todos assim, mas lá que os há, há.

Quanto à nossa língua, aqui visto de França, não está em risco. Há uma predominância crescente do português do Brasil ao nível internacional, porque eles são muitos milhões e porque têm mais iniciativa de divulgação. Há gente no Metro a estudar português, brasileiro é certo, mas português.
E se o "nosso" português está em risco a culpa é só nossa. Porque concordamos em unanimidade e nunca levantamos a voz quando o governo retira mais e mais meios ao Instituto Camões e quando as cátedras de português desaparecem nas universidades estrangeiras.

E para mim, que vivo cá fora e conheço por dentro outras culturas, Portugal e os portugueses são cada vez mais um motivo de orgulho. Em coisas tão simples como o facto de em Portugal eu ser Helena. É a primeira coisa que digo, é a primeira coisa que se quer saber, e às vezes a única. Aqui em França a primeira pergunta é Mme ou Mlle? Casada ou solteira? No dia-a-dia, nas relações sociais e profissionais, nos formulários oficiais. Pouco importa como me chamo! Casada ou solteira é que é importante! E logo a seguir o nome do marido ou do pai. O meu? Ninguém sabe e ninguém quer saber. Aqui não é o meu nome que me define. A nossa é das poucas línguas da Europa em que o nosso nome é o que interessa.

Quanto a cultura não sei porque te queixas. Em França, por exemplo, não encontro novos valores na escrita. E na música posso dizer-te que não existe gente nova. Há o Boulez, com 70 e muitos e o Bayle da mesma geração. Depois deles, há uns quantos estrangeiros aqui radicados, mas ninguém com a mesma dimensão.

Em Portugal o que não falta são escritores que nos tornam conhecidos Europa fora. Em França oferecem-se traduções do Lobo Antunes ou do Pessoa como prenda de anos ou de Natal.

Quanto a teatro, em Lisboa há mais grupos de teatro com qualidade (relativamente à população) do que em Paris (ou Londres). Estas duas cidades estão cheias de "La Férias" garridos, tudo com muito "show" e uns poucos grupos muito bons para quem conhecer. Nós temos a Barraca, a CTC, a Cornucópia, a Comuna, o Novo Grupo (e estou a esquecer-me de vários outros), a funcionar às vezes com duas salas simultaneamente.

Queres mais motivos de orgulho? Olha, a nossa "canção nacional" é talvez a canção mais internacional e cosmopolita da Europa. Ao contrário dos franceses, por exemplo, que colonizaram, impuseram a sua cultura e não aprenderam nada, nós impusemos a nossa cultura, à força (e não quero aqui diminuir em nada o horror das nossas colonizações), mas trouxemos e integrámos o que vimos. As culturas do Mundo estão na nossa cultura, não como um exotismo, mas como parte integrante.

O Lopes Graça, no artigo que encontrei, diz isso em 1931, no início de uma ditadura castrante, que quis confundir nacionalismo com patriotismo. Aquilo a que ele talvez chame "patrioteirismo" é ao nacionalismo exacerbado, preconizado pela ditadura. É talvez isso que eu hoje chamaria aos folclores que se vêem aqui nas comunidades portuguesas, descendentes directos do salazarismo (os folclores, claro). Uma palermice festejada que nada tem a ver com a nossa cultura verdadeira.

Além disso não temos que olhar só para Espanha. Em França as culturas regionais são uma vaga lembrança de alguns avós. Houve em tempos línguas regionais (que não são dialectos, são línguas mesmo) que desapareceram: o alsaciano, o Occitan - língua dos trovadores e de importância maior na cultura europeia, e muitas outras. Acabaram todas. O francês nacional e a cultura nacional sobrepuseram-se a tudo isso, até ao próprio Occitan!
O Basco sobreviveu graças à protecção geográfica das montanhas, mas ao Gaélico, nem a separação marítima o salvou.

Como podes ter a certeza de que a nossa língua seria mais forte integrada noutro estado do que foi uma das línguas mais importantes da fundação da Europa, como o Occitan?

E último: eras capaz de responder à pergunta "de onde és?" com um "soy español"... "de Portugal"? Eu não.

Ant.º das Neves Castanho disse...

Lena, lamento imenso se te vou desiludir, mas a verdade é que concordo contigo em quase tudo o que escreves, por isso talvez me tenha exprimido mal, mas o certo é que este assunto é complexo e eu APENAS manifestei as minhas DÚVIDAS quanto àquilo que me parecem ser as vossas certezas - tuas e do primeiro comentador.

Como o tempo é sempre escasso, e é pena, vou tentar só esclarecer os pontos em que talvez tenha deixado uma ideia errada daquilo que penso, para uma discussão mais calma noutra ocasião.

A raíz de tudo está no facto de o nosso próprio carácter distintivo, enquanto povo, se ter sempre feito à custa da negação da nossa idiossincrasia ibérica. Como um filho que só consegue ter identidade renegando a própria Mãe. Mas agora, quanto a isso, não há nada a fazer!

Portugal foi um País. Até 1580. Essa memória e esse legado são tão sagrados e intocáveis como o de Castela, da Borgonha, ou de Aragão, para não irmos mais longe.

O problema começa em 1640. O que eu disse foi, apenas, que não tenho a certeza de que a Restauração da nossa Monarquia, decrépita e flácida, tenha sido um BEM PARA PORTUGAL!

OK, façamos um "faz-de-conta", a História do que poderia ter sido: a Catalunha não se sublevava em 1640 e a Espanha afogava (rapidamente) a nossa rebelião.

Se tudo tivesse sido assim (claro que isto é simplificar muito, mas serve para uma primeira abordagem), hoje seríamos certamente uma feliz Região Autónoma de Espanha, orgulhosos do nosso passado, mas também do nosso presente. Sim, porque só nós é que odiamos os espanhóis, eles nunca tiveram nada contra Portugal (ao contrário do que nos ensinou o massacre propagandístico salazarento). Até avisaram, atempadamente, o pobre do D. Sebastião para não se meter em loucuras perigosas no Norte de África!...

Mas adiante. Hoje o português NÃO seria talvez uma língua comunitária, mas teria um estatuto cultural sólido, como o Catalão, que nunca teve pretensões de ser a 5ª língua mais falada do Mundo (temos mesmo a mania das grandezas...), mas talvez daqui a cem anos ainda exista, ao contrário do Português. Exagero? Espero bem que não.

Mas o essencial é saber se nós, como Povo, somos ou não uma Nação, ou se deveríamos apenas ser uma comunidade cultural e linguística, parte integtrante de uma entidade nacional IBÉRICA, o que é bem diferente de uma simples dissolução de Portugal na Espanha actual!

O que eu digo não é, portanto, vamos agora aderir à Espanha. Apenas continuo a pensar que celebrar a Independência, no mínimo, merece uma séria reflexão.

Porque tudo talvez tivesse sido diferente, para MELHOR, sem os arroubos patrióticos dos Conjurados.

Eu, pessoalmente, não me identifico EXCLUSIVAMENTE como Português. Sou também Alentejano, sem dúvida nenhuma, sou muito lisboeta, muitíssimo europeu e, tenho muita pena, também me sinto inquestionavelmente MEDITERRÂNICO e igualmente IBÉRICO, ou mesmo latino-americano!

Quanto à nossa portugalidade marialva, do Minho a Timor ou "luso-tropicalista" - e digam-me lá, sinceramente, há outra? -, não me interessa para nada!

Saramago? Sem dúvida. Mas quantos o saberão ler, sem ser traduzido (talvez em Inglês!), daqui a cem anos? Lopes-Graça? Certamente! Mas quantos portugueses conhecem o NOME dele que seja? Jorge de Sena? Quem é? Camões? Só quem estude literatura. Pessoa? Lobo Antunes? Modas actuais, que hão-de passar, como as do Garrett, do Eça, ou do Eugénio. Damásio? Magueijo? Emanuel Nunes? Oliveira? Serão eles ainda portugueses?!... Barraca? Cornucópia? Gulbenkian? São fenómenos culturais urbanos, não reproduzem necessariamente uma identidade nacional! Talvez, e isso é que me envergonha, a nossa identidade nacional seja muito mais, tanto cá dentro como na diáspora, o Camané, a Mariza, os Madredeus, o Herman, já para não falar do Tony Carreira e muitos outros, que enchem do dia para a noite as nossas maiores salas de espectáculos quase sem precisarem de publicidade...

Culpa nossa? Sem dúvida! Não me interessam os erros dos outros.A Galiza tem um Governo reaccionário? Pois sim, mas também a Madeira... Os bascos lutam pela independência? Pois é, mas têm Governo e a sua língua é obrigatória nas escolas, e Barcelona não é a cidade mais rica de Espanha. É Vitória/Gasteiz, Capital do País Basco espanhol, província mais rica de toda a Espanha! Qual foi a primeira auto-estrada espanhola? Bilbau-Barcelona (antes da própria Madrid-Barcelona!).

Viva Portugal? Claro que sim! Viva a Restauração? Olhem que não sei, não...

Ant.º das Neves Castanho disse...

Em contrapartida, há duas coisas de que me orgulho muito, mesmo muito, no nosso passado recente, só possíveis pelo facto de sermos um País independente: o 25 de Abril e a Independência de Timor Loro Sae!

Por isso remato: já que fatalmente somos um País independente, seja isso um bem ou um mal, é nossa obrigação MERECER esse estatuto e fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para, numa base de entendimento e solidariedade nacional,

1º) Preservar os motivos de orgulho como País: o nosso legado histórico e civilizacional e o nosso património cultural e natural;

2º) Combater convictamente tudo o que nos envergonha como País e como Povo e que é muito;

3º) Construir tudo aquilo que nos falta para podermos finalmente ombrear, de cabeça levantada, com os nossos parceiros europeus e mundiais.

E assim seremos, enfim, um País realmente independente! Como sonharam Gomes Freire de Andrade, António Vieira, Alexandre Herculano, Fontes Pereira de Melo, Jorge de Sena, Bento de Jesus Caraça e tantos, tantos outros patriotas lúcidos, anti-nacionalistas e amantes de Portugal, mas também dos portugueses e sem odiar nenhum outro Povo ou País...

Helena Romão disse...

Primeiro que tudo, antes de mais: eu não tenho nada contra Espanha ou os espanhóis. Nada. Nadinha mesmo, antes pelo contrário! Excepto como nacionalidade para mim.

Tenho amigos em Espanha e sinto-me em casa de amigos em Espanha, quase como se tivesse em casa do vizinho do lado que sentimos um pouco como a nossa casa. Ir a um restaurante espanhol em Paris é um cheirinho de casa. Precisamente porque também sou ibérica, como dizes. E lusófona.

Não disse isto no post e foi um erro. Devia ter sido a primeira linha: sem ódios, com todo o respeito por todos e até muito apreço pelos nossos vizinhos.


Ora bem, então parece que concordamos em quase tudo, excepto no facto de que para mim o dizer "sou portuguesa" é muito importante. E claro que também sou ibérica, lisboeta, meio ribatejana e meio algarvia, europeia, lusófona... sei lá!

Esse renegar da nossa identidade ibérica e sul-americana é verdade até um certo ponto. Vê lá que fui de Lisboa convencidíssima que o Luís Sepúlveda ou o Garcia Marquez estariam nos tops das livrarias em todo o Mundo. Engano. estão nos tops das livrarias portuguesas, mas em França são pouco conhecidos. As traduções existem e estão em qualquer livraria, mas o interesse deles pela américa latina é muito pouco. Ou seja, visto de fora, o nosso interesse e identificação com a Ibéria ainda é bastante grande.


Quanto à língua, já o Eça dizia o mesmo. Que o Português iria ser "engolido" pelo Francês. Passaram mais de cem anos, e então? O Francês voltou às fronteiras hexagonais, agora é o Inglês que domina, e o Português continua na mesmíssima. E aliás, relativamente ao domínio do Inglês, estamos de bem melhor saúde que os franceses. Aqui até a expressão "fin-de-semaine" acabou. Já ouviste alguém em Portugal desejar "então bom week-end"? Não, não lembra a ninguém.

Os linguistas franceses têm discutido tudo isso. Esforçam-se longamente por inventar palavras para o vocabulário recente, como "ordinateur" em vez de algo com a raiz de "computador" como no resto da Europa. Só lhes traz confusões, soa a pretensão e terá tendência a desaparecer. Enquanto isso, nas ruas, reina o "week-end" e outras preciosidades do mesmo género. Os linguistas desesperam e anunciam o fim da língua para daqui a 50 anos. E parecem ridículos! Se olhassem à volta, viam que na história do Mundo várias línguas dominaram e perderam depois influência, mas não morreram.

Além disso o Português não tem pretensões de... o Português, É a 6a (eu acho que é 6a e não 5a, mas sem certezas) língua mais falada do Mundo. E isso são números!!! Pode ser falada por Povos que não interessam na Europa, mas isso é um problema da Europa!

Helena Romão disse...

Quanto às culturas de elite e urbanas e a cultura dominante, é igual em todo o lado. É verdade que em Paris se lê mais no Metro do que em Lisboa, mas a maior parte são romances de cordel, Margaridas Rebelos Pintos à la française. Tem simplesmente a ver com o facto da cidade ser gigantesca e um percurso de Metro poder durar uma hora ou mais. Ler Literatura (arte literária e não entretenimento) é tão raro como em Lisboa. Julgas que os franceses lêem Zola ou Sartre, ou que os ingleses lêem Shakespeare, Dickens ou Joyce? Pura inocência, desculpa.


Não concordo com tudo o que pões aí no mesmo saco de música portuguesa a que atribuis má qualidade... Felizmente há gente muito boa e que tem fama. Mas tal como em toda a Europa, em França a Céline Dion é que é a grande estrela, o Boulez é só para elites.
E a elite dos concertos é tão ou mais pequena (proporcionalmente) do que em Lisboa. Eu costumo frequentar os concertos do GRM na Rádio France e são sempre as mesmíssimas pessoas.

Isso não tem a ver com Portugal, é um fenómeno europeu (talvez internacional). A cultura mais difundida é a popular. Tem a ver com a mercantilização da cultura, com a falta de educação para a inteligência e o conhecimento.

Quanto a teatro eu só quis referir grupos de Lisboa, mas se quiseres falamos no Bando, o Fatias de Cá, o Meridional... são grupos itinerantes e de altíssima qualidade.



Olha, o nosso 25 de Abril faz "inveja" (no bom sentido) à esquerda espanhola. Ele têm pena de não ter tido a nossa Revolução, de nunca ter havido uma separação entre os "bons" e os "maus". Eu bem sei que em Portugal as coisas foram e são bem mais complexas do que bons e maus, mas houve uma Revolução e foram estabelecidas diferenças. Foram amigos meus espanhóis que me contaram desta nostalgia espanhola de terem tido aquela transição pacífica. No fundo, tiveram sorte o Rei Juan Carlos ser um democrata. E do 25 de Abril obviamente também me orgulho. Muito. Uma Revolução sem mortos e com flores no cano das armas. Nunca ouvi uma história comparável em parte nenhuma do Mundo!

Quanto à independência de Timor, eu tenho vergonha. Não da independência em si, mas vergonha de 500 anos de colonização, vergonha de quase 30 anos de silêncio face ao genocídio. Foram os indonésios que lá entraram de armas em punho, mas fomos nós que nos calámos e deixámos estar durante 30 anos. Foi preciso chegar àquele ponto para ganharmos vergonha na cara e sairmos para a rua. Eu incluída. Por isso tenho vergonha de Portugal só ter deixado de ser um país colonialista no fim do séc. XX.


A questão é que nós PODEMOS ombrear de cabeça levantada com todos os países! Os outros são diferentes de nós, têm qualidades que nós não temos, mas também têm defeitos que a nós não nos passam pela cabeça!
Para cada crítica que faço aqui a Portugal ou aos portugueses, encontro outra a apontar aos franceses (falo dos franceses porque é o caso que melhor conheço).

Este é que é o ponto que temos que combater. A mania de que Portugal não presta e que os outros são melhores, que temos muito que andar até podermos levantar a cabeça. É mentira. Pura ilusão. Este é o grande defeito que encontro nos portugueses e que me desgosta profundamente.
Nós estamos mal, precisamos de mais. Mas não tão mal como nos pintamos.


Para concluir, temos que melhorar o País? Sim! É uma luta diária o "ser português" e o construir Portugal? Óbvio! Tão verdade para nós como para qualquer outro país do Mundo. Aliás, a própria Humanidade é uma construção permanente e incompleta. Vamos desistir disso também?

Ant.º das Neves Castanho disse...

Chegámos então a uma síntese consensual? Seria esse o nosso objectivo? Bem, é óbvio que concordamos em muita coisa, mas já que não estamos numa "conversa de café" mas num «blogue» e eles servem para debater (e estão abertos à leitura de todos!), vale a pena continuar a argumentar sobre o assunto, até porque me parece que algo não resulta ainda claro para quem tiver a paciência de nos ler, nesta época de correrias loucas.

Sem grandes desvios, para evitar a dispersão, parece-me que estamos de acordo quanto às qualidades (e defeitos) dos portugueses e de Portugal e, mais do que isso, quanto à existência de uma Nação portuguesa individualizada (se bem que, para mim, isso não resulte de uma definição nacional inequívoca, mas mais de um acaso histórico...).

Deixando agora de lado a interessante questão do que "poderíamos (por uma unha negra) ter sido" - uma nacionalidade reconhecida e dotada de autonomia política regional numa eventual República Ibérica (Monarquia é que não...) - e aceitando a "fatalidade" de sermos hoje um País independente, julgo que falta apenas averiguar quais as nossas posições quanto à fundamental distinção entre os portugueses, tomados individualmente, e o "Povo Português", no seu "colectivo".

Penso que é aqui que vale a pena centrar o debate, pois muito pouco se fala e discute sobre esta questão!

Não tenho dúvidas de que os portugueses são, individual e colectivamente, um povo (ou nacionalidade) repleto de qualidades e virtudes, aliás internacionalmente reconhecidas.

Tive o privilégio de almoçar uma vez num quartel das forças de interposição europeias na República Sérvia da Bósnia, a cargo dos para-quedistas portugueses, e pude constatar como eram queridos das populações locais e exemplificavam uma atitude de compreensão, solidariedade genuína e eficácia, ao contrário de outros contingentes europeus (tidos às vezes por mais eficientes, teoricamente, mas que pela sua postura altiva não eram apreciados nem solicitados pelos locais), o que obviamente muito me orgulhou.

Nessa viagem integrei o Coro português participante no Festival de Inverno de Sarajevo, em 2003, e pude ainda constatar o grande apreço em que eram tidos todos os cooperantes portugueses, Embaixador João Barreira de Sousa à cabeça, mas igualmente o sucesso que constituíu a nossa participação num Concerto único, gravado para a TV de Sarajevo, integralmente preenchido com música de Autores portugueses. Sucesso que foi amplamente reconhecido pelas maiores autoridades culturais da Cidade, a começar pelo insigne director do "British Council" local, que nos manifestava a sua estupefacção por nós não fazermos mais pela divulgação de um património musical tão valioso!

Isto tudo para dizer que não tenho quaisquer dúvidas quanto à capacidade de ombrearmos com outros povos e culturas do Mundo, quer em património, quer em qualidades intrínsecas.

A minha questão está naquilo que já os governadores romanos reconheciam nos velhos lusitanos: a incapacidade de se governarem a par da relutância em se deixarem civilizar!

Ou seja, há notoriamente uma importante capacidade que nos falta: a de nos organizarmos colectivamente como País!

É isto que eu acho importante debater, porque geralmente fica escondido atrás dos discursos quer nacionalistas e fascistas, quer nacional-porreiristas, quer progressistas ou "socialight": Portugal é um País social e politicamente atrofiado!

Recusamo-nos a olhar para as nossas deficiências, invocando as nossas qualidades, o nosso passado, ou o nossa proverbial laxismo e assim vamos deixando ficar o País por acabar, século após século!

Talvez ninguém se interesse, mas eu sinto-me revoltado! Leio "As Farpas", ou outros escritos dessa ou doutras épocas - Camões! Fernão Mendes Pinto! Bocage! o Judeu! - e constato o mal que nos fazemos a nós próprios por não querermos enfrentar as nossas lacunas enquanto País, enquanto Sociedade!

Não quero ir mais longe por agora, mas insisto neste ponto: há que distinguir, duma vez por todas, aquilo que são os portugueses do que é o nosso "tecido orgânico" colectivo! E há muito por onde começar! Em primeiro lugar, reflectindo e discutindo estes assuntos (nós, que nos julgamos uma élite cultural) e depois, urgentemente, reflectindo-nos colectivamente em ficção, em arte (aqueles que se considerem artisticamente vocacionados para tal)!

Quem nos retrata, quem nos caricatura, quem nos mostra quem somos, colectivamente, hoje? Teremos algum Ramalho Ortigão, algum Bordalo Pinheiro, algum Almodóvar (ou António Lopes Ribeiro), caramba, que possa perpetuar aquilo que será no futuro a memória do que somos actualmente?

O Herman, sim, e com génio, o César Monteiro, também, em parte, mais o realizador da série "Xailes Negros" (não me recordo do nome) e alguns outros. Mas serão suficientes para criar uma memória consistente do Portugal da viragem do Milénio? Do primeiro período pós-25 de Abril (que está prestes a encerrar-se, pressinto-o)? Receio bem que não.

Pelo menos quando comparados com a BBC e as suas excepcionais séries, com o cinema europeu (espanhol, britânico, italiano, francês, alemão, até finlandês, belga e sérvio!), com a música moderna que forjou a identificação das juventudes pré e pós-Queda do Muro de Berlim... E notem que não estou a falar de cultura erudita, mas popular, a que sustenta a identificação de um Povo, como antigamente as lendas, os contos, as modinhas, as tradições orais, os teatros de rua (bonecreiros, etc.), o circo, os folhetins de cordel... Tudo isso hoje assume, evidentemente, outras formas, desde a BD aos fanzines, das tele-novelas e «reality shows» às revistas sociais. Mas...

Estarei eu desatento? Desinformado, porventura? Alguém quer indicar-me pistas? Não nos podemos esquecer que hoje, como sempre, a identidade nacional tem que suportar-se em mitos, como são os "westerns" para a América, a "jihad" para os muçulmanos, os descobrimentos para Portugal...

E nesse campo, a Revolução de Abril teve o efeito (perverso, mas talvez inevitável) de minar (e bem) a nossa mitologia, que urge repor, com verdade histórica, sem complexos, mas assumidamente! Sem o "medo de existir" de que fala, com muita razão, o José Gil...