25 fevereiro 2006

Não apaguem a memória... nem a democracia!

Segue o texto da conferência de imprensa do Movimento Não Apaguem a Memória! na sequência de um processo instaurado a dois dos seus membros, por terem participado numa manifestação.

Sim, leram bem: por terem participado numa manifestação onde houve um corte de estrada de um minuto certo. Um minuto contadinho. Eu estava lá e vi. Aliás, eu e muitas dezenas de pessoas, das quais duas foram escolhidas para ser processadas.

Claro que um maduro que estaciona o carro em segunda ou terceira fila e corta o trânsito e os transportes públicos durante horas é um chico-esperto que soube safar-se. Quanto muito é elogiado, e quantas vezes copiado pela própria polícia!
Um manifestante é perseguido e julgado.


Conferência de Imprensa – 24/02/2006
(na Sede da Associação 25 de Abril, em Lisboa)


EM DEFESA DA MEMÓRIA,
SOMOS TODOS ARGUIDOS !


Participantes em representação do Movimento Cívico:

Martins Guerreiro
Duran Clemente
João Almeida
Henrique Sousa



Dois membros do Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória!”, Coronel Duran Clemente e João Almeida, foram convocados pela PSP nos dias 20 e 21 de Fevereiro e constituídos arguidos a propósito duma concentração cívica junto às antigas instalações da sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso, em que estiveram presentes, no passado dia 5 de Outubro, tal como muitos outros cidadãos amantes da liberdade e preocupados com a preservação da nossa memória colectiva.

Este facto, causador de natural estupefacção e indignação, suscita a este Movimento Cívico o seguinte esclarecimento e tomada de posição:

- A concentração informal de cidadãos realizada em 5 de Outubro, para protestar contra a conversão das antigas instalações da PIDE/DGS, sinistra instituição do fascismo responsável pela prisão, tortura e mesmo assassinato de milhares de portugueses, em condomínio residencial fechado, revestiu-se de um carácter sereno, pacífico e em nada perturbador da ordem pública, como todos os presentes puderam testemunhar, incluindo os representantes da Comunicação Social que lá se deslocaram.

- A pretensão de autoridades policiais de converterem em crime uma legítima acção colectiva de cidadãos, que tranquila e serenamente exprimiram o seu ponto de vista, no uso das liberdades consagradas na Constituição, e de assim desperdiçarem recursos, tempo e meios tão necessários para o efectivo combate ao crime e à corrupção, é uma incompreensível acção intimidatória que importa denunciar para que suscite um generalizado, firme e mais vasto movimento de repúdio na sociedade portuguesa.
A tentativa de reprimir um acto de cidadania é tanto mais intolerável quanto a nossa sociedade democrática o que precisa é de mais participação e de mais iniciativa dos cidadãos e não o contrário!

- Aos nossos companheiros vítimas desta perseguição arbitrária, injustificada e sem fundamento, afirmamos publicamente a solidariedade activa de todos os membros do Movimento Cívico e a exigência de que seja posto termo a esta ridícula e injustificada perseguição policial.
E, com toda a clareza, afirmamos: fomos muitos, membros ou não deste Movimento Cívico depois constituído, os que estivemos na concentração informal de 5 de Outubro. Todos somos responsáveis por um acto de liberdade que deveria ser, não perseguido nem criminalizado, mas valorizado como um pacífico exercício de cidadania responsável!

O Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória!”, foi constituído em reunião plenária na Biblioteca-Museu da República e Resistência, prestigiada instituição devotada à investigação histórica e divulgação de valores democráticos, a partir de cidadãos que estiveram presentes na concentração de 5 de Outubro e que entenderam que era necessário prosseguir, de modo organizado e continuado, o esforço de mobilização cívica para a preservação da memória colectiva sobre a ditadura do chamado “Estado Novo” e sobre os combates pela liberdade travados nesse período por muitos portugueses.

Tem vindo a colher a adesão e o apoio de portugueses dos mais diversos quadrantes sociais e políticos, de prestigiados resistentes antifascistas, de sindicalistas, de historiadores, de escritores, de organizações sociais relevantes, como a prestigiada Associação 25 de Abril (cujas instalações nos foram cedidas para esta iniciativa e que tem sido incansável no seu continuado apoio), a Fundação Humberto Delgado, a FENPROF, o SPGL, o STML, a ATTAC, a Associação República e Laicidade, etc.

Este Movimento Cívico está a realizar contactos com diversas entidades públicas e organizações sociais, no sentido de dar corpo aos objectivos que orientaram a sua constituição e que estão expressos no abaixo-assinado sujeito à subscrição pública, o qual num curto espaço de tempo reuniu já mais de 1 500 assinaturas.

Queremos aqui destacar o frutuoso e positivo diálogo institucional estabelecido com o Ministério da Justiça e com representantes da magistratura judicial do Tribunal da Boa Hora, que conduziu já à autorização superior para ali ser instalada uma placa memorial que recorde o que foi o tristemente célebre Tribunal Plenário da ditadura. O diálogo agora estabelecido com a Câmara Municipal de Lisboa para que seja possível, pela cooperação de esforços e pelo diálogo com o promotor imobiliário, encontrar uma solução que preserve no local a memória e a lição, para as futuras gerações, do que foi a sinistra PIDE/DGS e de quem ali resistiu. Os contactos com deputados (vários dos quais, de diversos grupos políticos, subscritores do abaixo-assinado) e grupos parlamentares para a sensibilização da Assembleia da República no sentido de assumir também o seu indispensável papel na responsabilização do Estado pela salvaguarda, investigação e divulgação da memória do fascismo e da resistência, designadamente no que respeita aos seus espaços simbólicos mais importantes que sejam de carácter público. Os contactos em curso com a Câmara Municipal de Peniche e a preparação duma grande deslocação colectiva ao Forte de Peniche, no sentido de contribuir para a necessária mobilização e convergência de todas as boas vontades no sentido de serem assegurados os necessários apoios públicos à necessária e qualificada preservação daquele espaço, cuja história é inseparável da memória da repressão das liberdades, mas também de alguns dos momentos mais significativos da resistência.

Tudo isto, todo o activismo deste Movimento, queremos sublinhá-lo, assenta no voluntariado e na solidariedade e estímulo de organizações sociais e instituições que têm compreendido e valorizado a nobreza e interesse social e cívico dos seus propósitos.

Assim vamos continuar, não desistindo de combater para que espaços simbólicos como o Aljube, o Forte de Caxias, o Forte de Peniche, as instalações fundamentais da antiga PIDE/DGS, contenham espaços, elementos memoriais e históricos que preservem o significado e as lições dum período decisivo da História do século XX português.

Porque sem preservação da memória, não é possível construir um melhor futuro!


http://maismemoria.org/

24 fevereiro 2006

Para a menina de oiro:

Quando não conseguires dormir, a mamã ou o papá podem pôr-te esta música. É aquela de que tu gostas e com que adormeces mais calma.
Boa noite, e sonhos de todas as cores do arco-íris!

23 fevereiro 2006

As palavras do Zeca

Estas palavras foram repetidas em vários blogs ao longo do dia, mas não é demais repeti-las.
Além disso, o meu contacto consciente com a música do Zeca Afonso começou só na adolescência, já depois da morte dele. Em pequena lembro-me de cantarolar o "Vejam Bem", sem saber o que queria dizer, sem lhe conhecer a importância. Eu sou da geração do PREC, "do nunca desmentido PREC, do assumido, sempre assumido PREC" (disse o Zeca, quando apresentava o Fausto no concerto do Coliseu). Por isso não tenho testemunhos de concertos. Só da lenta descoberta da sua música ao longo da adolescência, até se tornar uma referência essencial, provavelmente igual à de muita gente da minha geração. Daí a importância que também tem para mim a canção "Os filhos da madrugada".


Por estas razões, a homenagem que posso prestar-lhe é relembrar as suas palavras, copiadas da página da Associação José Afonso, e tentar pouco a pouco viver à altura dessa luta pela utopia:

"Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é o que fica. Quando as pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os alibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta."


"Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for."

Utopia

Que bela maneira de inaugurar a música cá no blog, não é?

A 29 de Janeiro de 1983 no Coliseu dos Recreios em Lisboa, o Zeca Afonso deu o seu último concerto. Ao apresentar a Utopia, disse:

"Esta canção chama-se Utopia, e é um pouco aquilo que eu imaginei que pudesse ser uma sociedade sem, como se costuma dizer, sem oprimidos nem opressores, não é? Mas eu creio que efectivamente essa Utopia pode efectivamente concretizar-se."

Eu também penso assim, e por isso escolhi esta canção hoje.


Nota: haverá música mais vezes aqui no Assédio. Hoje fica no automático, podem desligar se quiserem. Nas próximas vezes será ao contrário: quem quiser ouvir carrega no play.

Zeca Afonso

Faz hoje 19 anos que perdemos o Zeca Afonso.
Há pessoas assim, que, sem serem da nossa família ou de um círculo de amigos muito próximos, continuam a fazer-nos falta todos os dias. Pela esperança que nos transmitia, e pelas análises muito frontais da realidade, pela coragem.

zeca.jpg

E como disseram tempos depois alguns dos amigos dele:
"Nunca mais te hás-de calar, ó Zeca, para nós."

E para nós também não.
Obrigada.

22 fevereiro 2006

Quarto livro à Quarta

Nós
Ivgueniv Ziamiatine
Edições Antígona, 2004



Aqui há umas quarta feiras passadas descobri no blogue do piano da floresta uma distopia anterior a 1984 do Orwell que não conhecia, a Casa dos Mil Andares de J. Weiss, por causa dela lembrei-me deste livro que antecede nalguns anos um tipo de obra que teve no século passado uma pujança invulgar, talvez porque o século tenha sido rico não só a imaginar como a precipitar a aplicação de modelos de sociedade que muitos acreditaram poder ser perfeita. Deste Nos até ao Fahreinheit 454 muitos autores calcularam que isto das perfeições podia trazer problemas. Anteciparam-nos em ficção criando assim uma espécie de prognóstico a evitar a todo o custo. Estas visões continuam hoje todas válidas, tanto quanto hoje também vivemos em modelos de sociedade com as suas cartilhas e modelos económicos feitos manifestos. Mantêm-se actuais porquanto nos depertam para os sinais poucas vezes evidentes do(s) totalitarismo(s).

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Menos divulgada do que «Admirável Mundo Novo» e «Mil Novecentos e Oitenta e Quatro», esta “contra-utopia” – como lhe chama o tradutor – terá no entanto inspirado Huxley e Orwell. O romance do russo Zamiatine (1884-1937) foi publicado primeiro numa tradução inglesa em 1924, em Nova Iorque, e só depois da “perestroika” saiu na Rússia. É uma parábola irónica e trágica que decorre no ano 3000 num “Estado Único” que decide sujeitar «ao benéfico jugo da razão todos os (…) que porventura vivam ainda no estado selvagem de liberdade».
in «Mil Folhas» (Público) em 11/12/2004, em 16-12-2004

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«Nós» – escrito em 1920 – a primeira grande distopia visionária do século passado – que inspirou as ficções congéneres de Huxley, Orwell e Bradbury – que tem como cenário uma civilização futura matematicamente perfeita, em que a felicidade é induzida e em que tudo é transparente, desde as habitações aos pensamentos e às emoções – ali não se pode pensar ou amar sem autorização. Enfim, uma sociedade “ideal” em que o livre arbítrio, a liberdade e a imaginação se tornaram prescindíveis. Crítico óbvio do regime soviético em construção e de todos os totalitarismos – o «Nós» é disso uma metáfora – exilou-se em Paris em 1931, onde morreu sete anos depois.
Vítor Quelhas in revista «Actual» (Expresso) em 30/10/2004, em 15-11-2004

Um dia com o Zeca - é já amanhã!

zeca.jpg

Esta é uma ideia da Isabel, para celebrar a vida e a música do Zeca Afonso no dia em que passam 19 anos da sua morte, e agradecer-lhe tudo o que nos ensinou.

E também a partir de amanhã, teremos música no Assédio! Um grande obrigado à Isabel e ao Farpas, que nos deram os códigos para a música de amanhã, e a partir dos quais eu finalmente percebi como isto se faz! Vejam bem a foto de hoje... já foi cá posta por esse processo!

20 fevereiro 2006

Uma exposição num dia qualquer



Helena Almeida, Intus, 2005
A obra que representou o país na Bienal de Veneza.
Em exibição no CAM da Gulbenkian.

Esta radicalização da experiência-do-corpo-enquanto-experiência-do-mundo-enquanto-experiência-da-arte fá-la atravessar todos os domínios plásticos que podem representar um corpo. Não é pintora, não é fotógrafa, não é escultora, não é performer, não é videoasta. E no entanto é tudo isso, ora simultaneamente, ora alternadamente (...)

Paulo Cunha e Silva, Director do Instituto das Artes

18 fevereiro 2006

Que dizer...?

...de um país onde um vereador que recusa ser corrupto é notícia de primeira página?

Descubra as diferenças




E agora, será que alguém ainda consegue chamar socialistas a estes senhores?
Depois das privatizações em massa, da permissão da concentração das telecomunicações, favorecendo o monopólio e mais despedimentos, vem agora o aniquilamento da Constituição.

Foi há pouco mais de dez anos que fizeram o mesmo na educação. Apesar de "tendencialmente gratuita" na Constituição, o sr. "Presidente recauchetado de Primeiro-Ministro" aumentou as propinas com a desculpa da actualização da moeda. Os estudantes revoltaram-se, e ouviram tudo: que deviam era trabalhar, que queriam era ter dinheiro para sair à noite, que vida de estudante é não fazer nada e ainda queriam ensino gratuito, que cortassem na cerveja e nos arraiais, que eram uns exagerados, que as propinas estavam mais do que correctas. Agora é a mesmíssima coisa, mas para todos, na saúde.
Pensando bem, talvez o governo tenha razão... se as pessoas são favoráveis a esta medida quando se trata de educação, só podem gritar "vivas" quando se trata da saúde.


Há menos pancadaria nas manifestações e dão desculpas diferentes para fazer o mesmo que o PSD defende em relação ao aborto e ao casamento de homossexuais. À parte isso, não vejo absolutamente diferença nenhuma entre este PS e o PSD. E bem que procuro... mas nada, nadinha!

17 fevereiro 2006

Canções populares e uma sinfonia

Luciano Berio
Formazioni, Folk Songs, Sinfonia
pelo Electric Phoenix, Jard van Nes e a Royal Concertgebouw Orchestra, dirigida por Riccardo Chailly


Luciano Berio é um dos meus compositores favoritos, e a Sinfonia é sem dúvida uma das grandes obras do século passado. Ainda me lembro de ver Michael Zilm dirigir esta obra. Estivemos mais ou menos a segurar-nos uns aos outros para não desatarmos a valsar em pleno auditório Gulbenkian! E daí, talvez tivesse tido piada ver as caras incrédulas das senhoras dos visons, que já de si não costumavam estar nada concertadas durantre os encontros de música contemporânea...

Ah, a Gulbenkian da cultura, antes dos gestores e das poupanças... Até havia encontros de música contemporânea, jornadas de música antiga e imagine-se: uma companhia de bailado conhecida mundialmente!


E as Folk Songs são uma pequena maravilha, uma espécie de bonbom. Uma visita da música de Berio às canções tradicionais do mundo inteiro. Também vi ao vivo, no anfiteatro da ópera de Lyon, pelo soprano Luisa Castellani. Só apetece cantar!