29 março 2008

Rosa Luxemburgo três passos à frente



É desconcertante o confronto com um texto de Rosa Luxemburgo escrito em 1904 sobre questões de organização da social-democracia russa, em parte comentando textos de Lenine sistematizados em Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás. Desconcertante e esmagador porque a leitura de Rosa Luxemburgo sobre o centralismo democrático defendido então por Lenine, e dos perigos que essa defesa podia vir a constituir, seria uma leitura simples se feita após a implementação do Estalinismo, ou ainda mais fácil se estivessemos a 80 ou 90 anos da Revolução Russa. Mas não, estamos a mais de dez anos dela acontecer o que transforma a análise de Rosa Luxemburgo numa extraordinária clarividência.



"(...) O problema da qual a social-democracia russa trabalha há varios anos, consiste precisamente passar dum primeiro tipo de organização (organização dispersa, de carácter local, composta de círculos completamente independentes uns dos outros, e adaptados à fase preparatória, essencialmente propagandística, do movimento) a um novo tipo de organização, tal como o exige uma acção política de massa, homogénea, em todo o território. Mas, como o traço mais saliente das velhas formas organizacionais, tornadas insuportáveis e politicamente caducas, era a dispersão e a autonomia total,a soberania das organizações locais, era natural que o centralismo democrático se tornasse palavra de ordem da nova fase, do grande trabalho de organização em preparação.(...)

Mas em breve, no próprio Congresso e mais ainda depois do Congresso, se tiveram de convencer que o centralismo é apenas um termo bombástico que está longe de abarcar o conteúdo histórico e as características do tipo de organização social-democrata. Uma vez mais se provou que é impossível encerrar numa fórmula rígida as concepções marxistas do socialismo, seja em que domínio for, mesmo nos das questões de organização.(...)
Basta dizer que, segundo as teses de Lenine, o Comité central tem por exemplo o direito de organizar todos os comités locais do Partido e, por consequência, de nomear os membros efectivos de todas as organizações locais, de Genebra até Liège, Tomks e Irkoutsk, de impôr a cada uma delas estatutos particulares acabados, de decidir por um acto de autoridade a sua dissolução e a sua reconstituição, de modo que ao fim e ao cabo, o Comité central poderia influenciar indirectamente a composição da suprema instância do Partido, o congresso. [qualquer semelhança entre este parágrafo e a actual direcção no PCP não é mera coincidência]. Assim o Comité central é verdadeiramente o núcleo activo do Partido, e todos os outros grupos não passam de órgaos executivos.(...)
Do ponto de vista das tarefas formais da social-democracia como partido de combate, o centralismo na sua organização surge a priori como uma condição; da sua realização dependem em proporção directa a capacidade de luta e a energia do Partido. No entanto, bem mais importantes do que o ponto de vista das exigências formais de qualquer organização de combate são aqui as condições históricas especificas do combate proletário. O movimento socia-democrata, é, na história das sociedades fundadas no antagonismo das classes, o primeiro que conta, em todas as suas fases e em toda a sua marcha, com a organização e com a acção directa e autónoma das massas. Sob esta relação, a social-democracia cria um tipo de organização totalmente diferente da dos moviments socialistas anteriores, como por exemplo os de tipo jacoino-blanquista. (...)

Para Lenine, a diferença entre a social-democracia e o blanquismo limita-se ao facto de que há um proletariado organizadoe impregnado por uma consciência de classe em lugar de um punhado de conjurados. Esquece que isso implica uma revisão completa das ideias sobre a organização e consequentemente uma concepção completamente diferente da ideia do centralismo, assim como das relações recíprocas entre a organização e a luta.(...)




Em todos estes casos se pode dizer: no princípio foi a acção! (...) Nas suas grandes linhas, a táctica de luta da social democracia não pode, em geral, ser "inventada"; ela é o resultado duma série ininterrupta de grandes actos criadores da luta de classes muitas vezes elementar, que procura o seu caminho.O inconsciente precede o consciente e a lógica do processo histórico objectivo precede a lógica subjectiva dos seus protagonistas. Nisto o papel dos órgaos dirigentes do Partido socialista reveste numa larga medida um carácter conservador:como o demonstra a experiência, cada vez que o movimento operário conquista um novo terreno, esses órgãos trabalham-no até aos seus limites,mas transformam-no ao mesmo tempo num bastião contra progressos ulteriores de maior envergadura.(...)
Se a táctica do Partido povém não do Comité Central, mas do conjunto Partido ou-melhor ainda- do conjunto do movimento operário, é evidente que as secções e federações necessitem dessa liberdade de acção indispensável para permitir utilizar todos os recursos duma situação e desenvolver a iniciativa revolucionária. O ultra-centralismo defendido por Lenine aparece-nos como que impregnado, não por um espírito positivo e criador, mas pelo espírito estéril do guarda-nocturno. Toda a sua preocupação tende a controlar a actividade do Partido, e não a fecundá-la;a apertar o movimento mais que a desenvolvê-lo, a jugulá-lo, não a unificá-lo.(...)E, finalmente, digamo-lo claramente entre nós: os passos em falso dados por um movimento operário realmente revolucionário, são, historicamente falando, incomensuravelmente mais fecundos e mais preciosos do que a infalibilidade do melhor "Comité central".
artigo publicado em Die Neue Zeits (nº 42 e 42) Alemanha, 1904.
Centralismo Democrático, selecção e tradução de Rui Namorado, Temas, 1971.



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