05 abril 2008

Ainda o eterno retorno #2

"... A história secular repete-se a si mesma, e a única narração em que têm lugar acontecimentos únicos e irrepetíveis é aquela que começa com Adão e Eva e termina com o nascimento e a morte de Cristo. Assim sendo, os poderes seculares aparecerão e entrarão em declínio, tal como no passado, e assim sucederá até a fim do mundo; mas esses eventos mundanos não trarão consigo a revelação de nenhuma verdade fundamental, pelo que um cristão não deve atribuir-lhes especial significado. Em toda a filosofia verdadeiramente cristã o homem é "um peregrino sobre a terra", e este facto por si só é suficiente para o isolar da consciência histórica própria do nosso tempo. (...) Nós, hoje em dia consideramos, por outro lado, que a história tem por fundamento a consideração de que o processo, na sua própria secularidade, conta por si mesmo uma história, e que, as repetições, num sentido restrito, não são possíveis.
(...)
Aquilo que é decisivo no nosso sistema não é o facto de o nascimento de Cristo surgir agora como o ponto de viragem na história mundial, pois isso havia sido reconhecido séculos antes e com uma intensidade ainda maior, sem que daí tivesse resultado um efeito similar na nossa cronologia; decisivo é que agora, pela primeira vez, a história da humanidade se estende ao mesmo tempo por um passado infinito, no qual podemos investigar sempre mais longe, e por um futuro igualmente infinito. Esta dupla infinitude de passado e futuro elimina todos os conceitos de começo e de fim da história mundial estabelecendo a humanidade numa mortalidade terrestre potencial. Aquilo que à primeira vista parece ser uma cristianização da história mundial, na verdade, elimina da história secular todas as especulações religiosas sobre o tempo."
Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro -
Oito exercícios sobre o Pensamento Político
Lisboa, Relógio de Água, 2006

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