“Devemos concordar com Gellner que o aparente domínio ideológico universal do nacionalismo actual é uma espécie de ilusão óptica. Um mundo de nações não pode existir, apenas um mundo onde alguns potenciais grupos nacionais, ao reivindicarem este estatuto, excluam outros de fazerem reivindicações similares, o que, como acontece, poucos fazem.”[1] De facto, analisando as pretensões actuais do PKK e do seu programa político podemos afirmar como Hobsbawm que o nacionalismo pela “ sua própria ambiguidade e falta de conteúdo programático dá-lhe apoio potencialmente universal na sua própria comunidade”.[2] Ou seja, não é de nações que estamos a falar, já que esse mundo não existe mas sim de circunstâncias propiciadoras ou favoráveis ao aparecimento da ideia nacional. O que é um facto é que a ideia ou reivindicação nacional está no caso dos curdos aliada à existência de uma comunidade, que, se não está unida pela língua, ou religião ou politicamente, está, genericamente, unida pelo sentimento de pertença a uma comunidade e pela vontade de fazer coincidir essa identidade com um território político. Não existe como nação porque não cumpriu, no fundamental, um dos critérios, que é a força militar e imperialista, usados ainda hoje (não de forma absoluta) para a legitimação ou reconhecimento de países, independentemente do facto de serem ou não uma nação.
Cabia-nos fazer a análise desse universo abstracto que é a nacionalidade e averiguar, para este caso, o seu conteúdo concreto. Não podemos incluir este movimento, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ( PKK, fundado oficialmente em 1978, embora as suas origens remontem a 1973) no mesmo saco daquilo que Hobsbawm considera nacionalismos mascarados de roupagem social e se confinam realmente à luta pela independência do país. Como é o caso de alguns países chamados do Terceiro Mundo, especialmente após a Descolonização. e o fim da II Grande Guerra. Era uma boa forma de arranjar apoios internacionais junto do Komintern, por exemplo; fazer aderir as pessoas a uma causa que consideravam imediata, os problemas sociais reais da sua vida, identificando o problema com opressor, invasor, ocupante, o que for. “ Até que ponto podem os novos movimentos anti-imperialistas ser considerados nacionalistas, é uma questão que está longe de estar esclarecida (...) ampla sobreposição dos apelos de descontentamento nacional e social, que Lenine, com a sua habitual rápida percepção das realidades políticas, transformaria num dos alicerces da política comunista no mundo colonial (...) A combinação das exigências sociais e nacionais, em geral, provou ser muitíssimo mais eficaz como mobilizadora da independência”.[3]
O movimento nacional, qualquer que seja, existe na identificação de um Outro. Neste caso, o(s) outro(s) é responsável por uma ocupação violenta, e pela exploração económica dos curdos. Tanto que no programa do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, partido de raiz marxista-leninista, são apontados dois objectivos: a revolução democrática e a independência do Curdistão. Reconhecem que isto não será possível sem a mudança de regime na Turquia e defendem, por isso, a mesma revolução democrática na Turquia como condição indispensável para a sua independência. “The Kurdish national liberation movement uses the term “nation” to represent a people with a shared language, culture, history, and territory. In this sense the term is closely tied to social relations and must be looked at in its historical context, in contrast to burgeois concept of “nation”, in wich the nation is separeted from the social relations and is not judged according to its historical creation and development.”[4]
Na Síria, quando os árabes tomaram o poder depois da breve permanência francesa, não reconheceram como cidadãos daquele país os curdos que viviam na região. Tentaram depois estabelecer na mesma região sírios, política que foram obrigados a abandonar. No sul do Curdistão, o Iraque segue a mesma política de ocupação da Turquia. Uma revolta do KDP, Partido Democrata Curdo em 1974 foi derrotada. E o Iraque prossegue a sua política de ocupação, sendo noticiado em 1980 uma campanha genocida que levou à morte cerca de 200 mil curdos e ao deslocamento forçado de cerca de meio milhão. Estes mesmos curdos foram utilizados barbaramente durante a Guerra do Golfo por ambas as partes, tanto os Aliados, ao criarem a zona aérea de segurança que depois usaram não para proteger os curdos refugiados mas para ocupar militarmente a área, como pelo regime de Hussein que os utilizou como escudos contra os ataques aéreos. No meio desta situação os curdos dividiram-se , o KDP pensou estar a independência assegurada se apoiasse os americanos, depois recuou e apoiou o Iraque para conseguir obter apoio contra o PUK, União Patriótica do Curdistão, partido rival com quem se degladiam em intermináveis guerras civis.
No Irão, aquando da invasão durante a II Guerra Mundial pelo exército vermelho pelo norte e britânicos pelo sul, os curdos, e habitantes do Azerbaijão declararam as suas próprias repúblicas, com o apoio do exército soviético. Quando este exército retira, as duas repúblicas são destruídas pelo xá. Actualmente os curdos que vivem no Irão não têm qualquer vínculo ou semelhança com a sociedade iraniana.
O PKK diz ter aparecido na Turquia porque o KDP não representava senão os interesses de uma pequena burguesia, pautava-se por uma resistência regional e localizada sem noção do conjunto que representava o Curdistão. Desde 1938, com a derrota curda na revolta de Dersim, a ocupação turca ficou completa, iniciando-se um período de construção de estradas pelo governo turco direccionadas essencialmente para os locais curdos ricos em minérios. A formação do grupo do futuro PKK remonta a 1973, quando o seu líder estudava Ciências Políticas na Universidade de Ancara. A ele se juntaram outros estudantes de origem curda, estudantes que militavam em partidos turcos, e em associações orientais. Este grupo iniciou as suas actividades junto do núcleo de estudantes AYOD, Ancara University Student Union, que se transformou no local de reunião dos estudantes anti-regime. Dos grupo de debate saiu a resolução de tomada de acção em torno da questão curda; Abdullah Ocalan, Cemil Bavyk, Kemal Pir, Hakki Karer e Ali Haydar Kaytan seriam os primeiros do movimento e dirigiram-se cada um a vários pontos do Curdistão a fim de se aproximarem, numa primeira abordagem aos estudantes, da população curda. Em 1977 estas jornadas de propaganda pessoal deram os frutos num encontro que reuniu 100 representações de grupos profissionais que fizeram o balanço das actividades até ali desenvolvidas e estabeleceram os objectivos futuros daquele grupo político. Durante este período a polícia secreta no Curdistão (MIT) preparou a eliminação deste grupo assassinando Kemal Pir e Hakki Karer. Este tipo de acção por parte da polícia turca demonstrou que seria impossível a revisão da questão curda dentro de um quadro legal e reformador. Em 1977 Abdullah Ocalan escreve o manifesto “ The National Road to the Kurdish Revolution”, que se transformou na base ideológica do futuro PKK.
[1] Ibidem, p.171.
[2] Ibidem, p.168.
[3] Hobsbawm, Eric, Ibidem, p. 117.
[4] Nationalism And The Kurdish National Liberation Movement, Kurdish Information Bureau, Cologne, Março de 1995.
[2] Ibidem, p.168.
[3] Hobsbawm, Eric, Ibidem, p. 117.
[4] Nationalism And The Kurdish National Liberation Movement, Kurdish Information Bureau, Cologne, Março de 1995.
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