25 agosto 2015

Os errantes
os fugazes viajantes
que nós somos
buscando sempre a vibração perdida
diariamente caem
da árvore da memória
onde brilha o nome
o melancólico ansiado barco

...

E na busca heróica
do instante transfigurado
o activo martírio de prosseguir
faz de nós
eternos estrangeiros mal-amados
desamparados
peregrinos recém-chegados
ana hatherly
rilkeana
assírio & alvim
1999

23 julho 2015

Os pregos na erva


Escreve João Gaspar Simões no Diária de Notícias em 1962
"Desconexos, herméticos, meramente descritivos de situações ou de condições que ao mesmo tempo nos são mostrados por dentro e por fora ou ora por um lado ora pelo outro. "Os pregos na Erva" contam com o "estilo" para se personalizarem. Através dele pensa a autora imprimir na nossa sensibilidade uma dedada funda, graças à qual o lirismo que falta à narrativa e a secura que caracteriza a acção se nos comuniquem e fiquem a ressoar dentro de nós. E em verdade ficam, em verdade comunicam-se-nos  -não, porém, pelas razões que a autora supõe. Esse "estilo"é precisamente o oposto da técnica adoptada na estrutura dos "contos". Enquanto este aspira a uma objectividade integral, aquele perde-se numa subjectividade que por pouco o não malogra. Que espécie de subjectividade? A pior de todas, aquela em que o escritor português de todos os tempos sempre julgou encontrar a solução da sua própria vacuidade. De facto, o "estilo" de Maria Gabriela Llansol, na sua pretensa genuinidade, traduz o que de mais vazio e retórico subsiste nas nossas letras"
  
João Gaspar Simões, como diz abaixo Alzira Seixo, não se limita a não gostar dos primeiros textos da, porventura, maior escritora portuguesa do último século, ele destila ódio. Perante a incompreensão é o ódio que reverbera pelos interstícios dos humanos minimeus. 


"A crítica de Gaspar Simões era uma crítica de opinião, vagamente formulada segundo preceitos presencistas já de si difusos (que na obra de um Régio se salvaguardavam pela criatividade e argúcia estética) e condicionada pela observância das regras impostas pelo regime salazarista, em relação às quais nem metaforicamente nem em perífrases procurava demarcar-se.(...) Nunca li um escrito de Gaspar Simões no qual o crítico manifestasse a busca do entendimento do texto, a preocupação em detectar-lhe o significado, a indagação quanto ao que as formas da escrita podem pressupor. E, se dizia bem, por vezes, de livros que realmente eram bons, a qualidade do juízo não era acompanhada por uma finura de análise ou por uma justeza de enquadramento literário - o que fazia com que ler Gaspar Simões fosse sempre, no máximo, duas coisas: primeiro, saber se ele dizia bem ou mal do escritor (porque para ele era muito mais o escritor que estava em causa do que o texto, imbuído de um biografismo impressionista e de um historicismo periodicista já serôdios na época, sem ter, efectivamente, uma noção da subjectividade da escrita - que Régio, por exemplo, possuía - e uma consciência da historicidade, dominado por factos, por períodos e por esteticismos de corrente e não de efeito); segundo, saber-se que um livro existia, mas ficar-se sem saber rigorosamente nada a seu respeito, porque o crítico escrevia sobretudo as suas opiniões sobre a literatura, por vezes completamente marginais, sem qualquer preocupação em propor uma descrição ou uma introdução ao estudo do livro de que em princípio se ocupava (...) aceitar a importância crítica de Gaspar Simões só porque ele escreveu todas as semanas durante muitos anos e hoje em dia ninguém faz isso, só me leva a ter consideração pelas pessoas que hoje assumem a responsabilidade de não conseguir responder a exigências de honestidade intelectual e de rigor crítico em termos de uma maratona só possível com batota ou com atalhos de corta-mato.

16 julho 2015

Grécia

Viemos da sombra e do silêncio
levantámos as pedras da calçada
como as nossas mães e avós
as pedras das sepulturas
para virem juntar-se à força que temos nos braços.

Nada será em vão porque
nada será em vão.
Há homens em covas
a roer ossos de mil anos de humilhações.
A Terra conhece-os e
também ela
está do nosso lado.
As árvores, os pássaros
sinais da liberdade no mundo.
Ou da presença de deus
não o juiz supremo mas
o vento e a brisa que agita
as searas ao fim do dia
e refresca as testas tisnadas
daqueles que nos séculos
empunham o ferro que revolve e agita o mundo.

14 abril 2015

Tratado das Omissões

Artigo de Cipriano Justo na revista da Ordem dos Médicos, sobre o recente livro da Almedina: 40 anos de Abril na Saúde Lançado em Junho de 2014 pela editora Almedina, 

40 anos de Abril na Saúde reúne um conjunto de contribuições de vários profissionais da saúde antecedidas de uma Introdução subscrita por António Correia de Campos (ACC) e Jorge Simões (JS). Ao longo de 45 páginas ACC e JS propõem-se traçar o percurso do que tem sido o sistema de saúde português desde a instauração da democracia, principalmente os desenvolvimentos que o serviço nacional de saúde foi sofrendo desde a sua criação, em 1979. Assinalar o acontecimento e fixar para a posteridade os principais marcos deste serviço público é um serviço que deve ser sinalizado, uma vez que não estão disponíveis, para quem se queira documentar, muitas obras que abordem, mesmo sinteticamente, a política de saúde deste período da história portuguesa. Ao longo de onze entradas, ACC e JS procuram dar conta dos factos mais significativos que sucessivamente, e considerando os ciclos político-partidários, foram marcando o sistema público de saúde. Porém, o trabalho destes autores, mau grado o suporte empírico com que procuram fundamentar os seus pontos de vista - embora não se perceba como é que, com os valores mais baixos de esperança de vida saudável aos 65 anos na UE15, só melhores do que os valores da Alemanha e Itália, nos homens[i], se possa afirmar que “quem atingir a meta dos 65 anos tem uma elevadíssima probabilidade de alcançar os 83 anos, com boa saúde”- dificilmente consegue ultrapassar o formato de um inventário das alterações que o sistema de saúde foi sofrendo desde os tempos da ditadura. Contudo, como a produção de um inventário deve obedecer a critérios de selecção dos materiais, o que acaba por ser particularmente significativo são as omissões que ao longo das 45 páginas vão sendo detectadas, configurando uma exclusão do material histórico que se considerava irrelevante para o fim em vista, e considerando o propósito do empreendimento. 

28 fevereiro 2015

RELAÇÕES EXTERIORES DOS ESTADOS UNIDOS, 1969-1976 VOLUME E-15, PARTE 2, DOCUMENTOS SOBRE A EUROPA OCIDENTAL, 1973-1976, DOCUMENTO 136

1 Resumo

 Esta é uma proposta de ação secreta destinada a manter um governo estável em Portugal, o que permitirá o uso continuado dos EUA da Base de Dados de Açores, e honrar a adesão de Portugal na NATO. É um programa de duas partes: uma fase exploratória será concluída antes de 31 de dezembro de 1974; a principal fase de implementação terá início no final de1974 e ser altamente concentrada durante os primeiros três meses de 1975, levando-se às eleições para a Assembleia Constituinte de março. Essas atividades secretas seriam complementares para um programa geral do Governo dos Estados Unidos com o mesmo objetivo básico. Este programa decorre de averiguação viagem Geral Walters 'para Portugal em Agosto de 1974 Durante esta viagem, o general Walters discutiu suas observações com funcionários da Embaixada do ranking, e, posteriormente, com os Secretários de Estado e da Defesa. Se todas as linhas de ação contempladas são necessárias, estima-se que este programa vai custar cerca de [ valor em dólar não desclassificados ]. Há indicações de que os soviéticos irá financiar a campanha comunista em Portugal. Estimamos que o PCP terá fundos maciços disponíveis e que as campanhas de candidatos comunistas, sob o PCP ou outras bandeiras, será altamente sofisticada e bem financiada. Um relatório dos projectos iniciados e outras recomendações com base em nossa avaliação no final da fase exploratória (31 de dezembro de 1974), será apresentado ao Comitê 40. Este relatório também vai incluir um plano completo para as eleições para a Assembleia Constituinte Março de 1975. 2. Proposta A. Durante os próximos três meses da fase exploratória deste programa, a Agência irá realizar atividades de inteligência tradicionais dirigidos principalmente contra os quatro elementos-chave do poder político em Portugal, o Movimento das Forças Armadas (MFA), o Governo, a política partes e do setor de trabalho.[Omitido aqui estão os detalhes da fase exploratória do programa.]

 D. Implementação
Etapa: Se, como resultado de nosso esforço exploratório, sentimos que um programa de ação política é necessária e seria eficaz, pode incluir os seguintes tipos de atividades:(1) Supondo-se que uma coalizão centrista parece que a melhor perspectiva para garantir o governo tipo o governo dos EUA gostariam de ver em Portugal, o apoio pode ser dado aos candidatos e / ou partidos políticos selecionados. Isso pode incluir a assistência financeira, e / ou formação de equipes de organização do partido. Isso pode ser feito diretamente ou indiretamente através dos partidos políticos da Europa Ocidental [ 1 linha não desclassificados ].
 (2) Incentivo e apoio poderia ser dado a esses oficiais do MFA que parecem favorecer um governo centrista (direita ou centro-esquerda ao centro) em Portugal, e tentar influenciar esses oficiais para trabalhar em conjunto com os líderes políticos centristas ou grupos.
 (3) [ menos de 1 linha não desclassificados ] para determinar e monitorar o apoio a candidatos ou grupos apropriados. [ 2 ½ linhas não desclassificados ] capacidades clandestinas também existem para dar conselho profissional para os partidos políticos e indivíduos em organizações eleitorais eficazes e campanhas.
 (4) [ 5 linhas não desclassificados ] E. Para ser eficaz, as atividades secretas acima devem ser realizadas em um programa mais amplo do Governo dos EUA. Isso pode incluir tais ac ostensivação como convites oficiais para visitar os Estados Unidos, estendido para os principais oficiais do governo português, como o general Costa Gomes, e outros, bem como líderes proeminentes ou altos cargos dos principais partidos políticos centristas.Algumas das ações acima, tais como [ menos de 1 linha não desclassificados ] conselho profissional em organizações eleitorais eficazes e campanhas e financiamento mais cedo começa a partidos políticos e indivíduos, [ menos de 1 linha não desclassificados ] trabalho, [ menos de 1 linha não desclassificados ] pode ter de ser implementadas em parte durante a fase exploratória desta proposta.Tendo em vista o pouco tempo disponível entre 31 dezembro de 1974 e as eleições de março de 1975, e para salvar os atrasos decisão relativa à aplicação de certas actividades directamente relacionadas com as eleições de março, a aprovação da política também é solicitado para financiamento cedo se começa, se a avaliação CIA sugere que eles são susceptíveis de ser produtivo. Um relatório após o fato será submetido ao Comitê 40 pormenorizadas dessas atividades implementadas antes de 31 de dezembro de 1974, juntamente com uma estimativa de custos.

 3. Alternativas
 Os EUA podem ficar de fora da política portuguesa e deixar o curso natural dos acontecimentos ocorrem. A ação indicado na fase de execução seria realizada apenas se a avaliação durante a fase exploratória indica que o comunista e / ou outros grupos hostis ao Governo dos EUA tendem a dominar o próximo governo. A possibilidade de estimular elementos de direita, quer isoladamente ou em combinação com grupos militares da mesma opinião dos indivíduos não é considerada nesta alternativa, uma vez que se assume que o Governo dos EUA não favorece um retorno a um governo autoritário do país neste momento.
 4. Riscos e planos de contingência
Esta proposta, como mencionado acima, é projetado para ser complementar a um programa do governo dos EUA mais amplo, com o objetivo de impedir uma aquisição Comunista do Governo Português. Esta proposta, portanto, deve se encaixar na posição aberta, pública dos EUA. O fato de que os EUA estariam abertamente jogando seu peso contra uma tentativa comunista para dominar o próximo governo vai gerar algumas críticas; no entanto, tal crítica seria aceitável em termos de nossos objetivos. As atividades secretas descritas neste documento são projetados para ocultar US envolvimento oficial, minimizando assim o risco de embaraço para os EUA e um governo amigável Português. Atividades secretas serão implementadas depois de ter desenvolvido a base para um julgamento até o final da fase exploratória (31 de dezembro de 1974) de se realizar os riscos das operações eleitorais é ditada pela situação.
 5. Coordenação
Esta proposta foi elaborada a pedido específico do Departamento de Estado. Foi coordenado e aprovado, em geral, pelo Embaixador e Chefe Adjunto da Missão, em Lisboa.
 6. Custos Estima-se que o nível de custo da proposta será de aproximadamente [ valor em dólar não desclassificados ] que será financiado pela CIA. A fase exploratória pode exigir alguns recursos adicionais que seriam gastos pela CIA sob esta aprovação política, se necessário. Com base em nossa avaliação no final da fase exploratória (31 de dezembro de 1974) e, dependendo da viabilidade e conveniência de um maior envolvimento em uma operação de eleição, também podem ser necessários recursos adicionais durante a fase de implementação, que será realizado durante os três primeiros meses de 1975, que antecedeu a eleição de março. Um relatório será elaborado até 31 de Dezembro e enviado para o Comitê 40 cobrindo os resultados de quaisquer atividades iniciadas durante a fase exploratória, juntamente com os planos e recomendações para futuras atividades completas e despesas projetadas para a eleição de março. A composição desses recursos por categorias gerais é a seguinte:[ gráfico (10 linhas) não tenham sido desclassificados ]
7 Recomendação
Recomenda-se que o Comitê 40 aprovação da proposta, incluindo o nível de financiamento.1 Resumo: O memorando esboçou uma proposta de ação secreta em Portugal.
Fonte: Arquivo Nacional do Conselho de Segurança, Ford Intelligence Files, Portugal-GRF.Segredo; Eyes Only. A notação escrita à mão, na parte superior da nota diz: "Votos solicitado 9-30-JCS-OK 02 de outubro, DOD-OK 08 de outubro" Não há indicação de como os outros 40 membros do Comitê votaram foi encontrado, mas a proposta foi aparentemente aprovado pela Comissão 40.

08 fevereiro 2015

"Talvez escrever signifique colmatar os espaços em branco da existência, esse nada que imprevistamente se abre nas horas e nos dias, entre os objectos do quarto, sorvendo-os numa desolação e numa insignificância infinita. O medo, escreveu Canetti, inventa nomes para se distrair; o viajante lê e anota nomes nas estações que deixa para trás com o seu comboio, nas voltas dos caminhos por onde o levam os seus passos, e continua um tanto aliviado, satisfeito com essa ordem e escandir do nada". 

 Claudio Magris, Danúbio, 29