02 julho 2013

Aqui tem gente - Leonor Areal -2013

"Portugal, Europa, 2011. Às portas de Lisboa, um bairro de lata está em vias de ser demolido. A Câmara Municipal de Loures parece firme na sua decisão, mas não apresenta soluções alternativas de alojamento. Enredo Na iminência de ficar sem tecto, os moradores do Bairro da Torre organizam-se para negociar com a Câmara e defender o seu direito à habitação, num processo com avanços e recuos, derrotas e vitórias. As mulheres assumem um papel central na defesa da casa e da família. No Bairro da Torre coexistem etnias sobretudo ciganas e africanas, e imigrantes que chegaram nos anos 90 para as grandes obras do regime. A crise atirou-os para o desemprego e a miséria. Agora batem-se pelos seus direitos e dignidade humana. Aqui Tem Gente acompanha o processo negocial, os problemas e conflitos desta população que, embora anarquicamente, consegue organizar-se e lutar pelos seus direitos. O documentário levanta ainda outras questões. Qual o papel dos activistas no apoio à organização da comunidade? Que política de habitação social para o actual momento de crise?"

Todo o activismo político que não vise diminuir ou suprimir a distância que existe entre governo e governados não passa de activismo que ajuda a manter, de muitas e enviesadas formas, a situação existente.
Este é o primeiro pensamento que suscita o filme de Leonor Areal. O segundo é o do valor em trazer para a luz do dia a vida daqueles que, pela sua condição, não só não têm acesso aos instrumentos políticos do governo das suas vidas, como destas se faz escuridão nos espaços onde o poder da comunicação nos entretém (ou menos ou mais do que isso). Esta visibilidade, ironia, é trazida pela activista realizadora que acompanha os activistas que se dedicam à causa dos moradores deste bairro de lata pelo seu direito à habitação.
[são 23h30 e começa na rtp2 um big brother do canal público de televisão, o canal da cultura, um programa em que algumas personagens são metidas numa casa com características que a casa da maioria dos telespectadores não tem e nunca terá e num momento em que o país atravessa um dos seus momentos de maior pobreza, com milhares de famílias falidas sem poder pagar as suas próprias casas, cujos créditos as instituiçõs bancárias autorizaram].
Sem o trabalho dos activistas, pessoas estranhas ao bairro entenda-se porque também os há dentro do bairro como no filme se descobre, a realizadora talvez não fosse filmar as reuniões dos moradores e o processo de resistência que a ordem de despejo origina. Dir-me-ão que sem o contributo dos activistas fora do bairro esse processo não acontecia. Mas o início da contestação marcado pela invasão da Câmara faz com que a edilidade receba cerca de oito membros representantes do bairro, são obrigados a negociar pela força da população, querem um ou dois interlocutores e as pessoas presentes na ocupação exigem mais, recebem oito, só uma é uma activista não moradora. Que acontece de seguida? Segunda reunião agendada e com quantos? Com uma pessoa, a activista não moradora que segue depois para o bairro para contar como foi a reunião. Se não é neste passe e neste momento que tudo se perde é quase porque a partir daqui só por artes mágicas podemos imaginar a força no prato da balança que nos interessa. O destes moradores. Segue-se um comunicado de imprensa que cai nas mãos dos moradores numa manif.para a qual foram convocados pelos activistas extra bairro, que não se esqueceram de colocar em contexto e explicar aos moradores como e o que fazer .
O bairro da Torre é uma lição, na voz e  papel das mulheres, as africanas principalmente, mas quando activistas e uma moradora tenaz tenta aproximar os ciganos, desconfiados desta bondade, são também as mulheres, na maioria, quem dialoga e quem aparece.
O filme de Leonor Areal não invade a vida da comunidade, não é demagógico, não nos explica ou tenta enquadrar no contexto do que é um bairro de barracas, a sua história particular, está ali como testemnha atenta do que se vai passando e ganhando a confiança das gentes. É um bom exercício, difícil, encontrar o ponto, subtil, onde se dá voz às pessoas e ao que vai acontecendo sem que a voz ou o olhar de quem olha se sobreponha. Ficamos a meio da história, como os próprios moradores que adiaram na maioria a destruição das suas casas mas que não vislumbram, muito menos agora, muito menos agora, o dia em que possam sair dali ou que ali seja melhor, em que a sua casa possa fazer parte da Cidade. Ou que a Cidade seja o seu bairro, o nosso.
(Cidade: na estreia deste filme estiveram presentes dois moradores que disseram que não veio mais gente porque é demasiado caro e dificil vir do bairro a Lisboa à noite para ver um filme) 

4 comentários:

Leonor Areal disse...

Esclarecimento talvez útil: a observação feita acima acerca da intervenção centralizadora dos activistas não é correcta em relação aos factos reais.

No filme parece que só os activistas foram à reunião na Câmara e que foram eles que fizeram o comunicado de imprensa, mas não foi assim, o filme é que elide esses passos por razões de economia narrativa.

De facto, as reuniões na Câmara tiveram sempre a presença de vários moradores (tal como da primeira vez) e os vários comunicados foram redigidos em colaboração com os moradores e após decisão colectiva em assembleia.

Portanto, como realizadora, só posso admitir que essa falta de clareza é minha responsabilidade. E agradeço as críticas, sempre :)

(o texto foi reproduzido em http://aquitemgente.blogspot.pt/2013/09/recepcao-critica.html)

J. disse...

olá Leonor Obrigada pelo comentário (que por lapso só hoje vi) e pelo esclarecimento. Recordo-me da invasão da câmara que conseguiu com que os moradores fossem recebidos numa reunião. A Câmara ou alguém quis impôr um nº de pessoas que podiam vir à reunião, acho que queriam dois ou três. E achei impresssionante que os moradores determinassem eles o número, e acho que foram oito. Do que se percebe do filme há a marcação de uma segunda reunião em que se dá a entender que só a Rita é convocada, depois há a imagem dela a chegar ao bairro para contar aos moradores o que se decidiu ou qual foi o conteúdo dessa segunda reunião. O comunicado de imprensa cai nas maos dos manifestantes reunidos à porta da câmara vindos das maos dos activistas não moradores que chegam, n sem antes terem dito aos moradores o que deviam fazer e como deviam estar na manif. A do comnicado caúdo foi flagranre, várias pessoas na sala do cinema se manifestaram de alguma forma perante isso. Se foi a economia narrativa do filme que elidiu estes dois factos são quanto mim demasiado importantes, ou dou demasiada atenção, ainda mais num pais onde é difícil o activismo social sem a presença, logo ou à posteriori dos partidos políticos que por vezes, não digo que de formas calculadas e oportunistas, mas acabam por encaminhar as formas de protesto.




J. disse...

Parabéns e obrigada pelo filme.

Leonor Areal disse...

Olá de novo, creio que no correr da projecção há pormenores que passam desapercebidos por serem breves: o tal "comunicado de imprensa" na verdade é uma cópia da carta que foi assinada por todo o bairro para ser entregue na Câmara e que aparece na cena anterior. Talvez um segundo visionamento possa esclarecer isso melhor...

A carta referida pode ser consultada a partir daqui (ver dias 10 e 13 de Julho 2011): http://aquitemgente.blogspot.pt/2013/05/historial_29.html

Até à proxima :)