"Quando se comete um acto repreensível em nome de uma doutrina, qualquer que ela seja, essa doutrina não se torna por isso responsável; mesmo quando não se pode ser totalmente estranha a tal acto. Com que direito poderia eu afirmar , por exemplo, que os taliban do Afeganistão nada têm a ver com o Islão, que Pol Pot nada tem a ver com o marxismo, que o regime de Pinochet nada tem a ver com o cristianismo? Enquanto observador, sou forçado a constatar que se trata, em cada um destes casos, de uma utilização possível da doutrina em questão, obviamente não a única, nem a mais espalhada, mas que não pode, ainda assim, ser afastada com um gesto agastado. Quando ocorre uma derrapagem, é um pouco fácil de mais decretar que esta era inevitável; tal como é perfeitamente absurdo querer demonstrar que nunca deveria ter acontecido e que se tratou de um puro acidente. Se ele se produziu, é porque existia uma certa probabilidade de que tal acontecesse.
(...)
O século XX ter-nos-à ensinado que nenhuma doutrina é, por si mesma, necessariamente libertadora, que todas elas podem derrapar, todas elas podem ser pervertidas, todas elas têm as mãos sujas de sangue: o comunismo, o liberalismo, o nacionalismo, cada uma das grandes religiões e mesmo o laicismo. Ninguém possui o monopólio do fanatismo e ninguém, por outro lado, tem o monopólio do humano."
pp.60-63
1 comentário:
Um livro muito interessante, de um dos pensadores mais pertinentes do nosso tempo. Boas leituras!
bjs
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