19 outubro 2011

Cidadania e Receitas. Luís Raposo, de novo

Vejo que o meu bom amigo João Neto concorda com o senhor SEC em acabar com as gratuitidades nos museus e palácios do IMC,IP, em três domingos de manhã. Percebe-se até que o mais correcto, do seu ponto de vista, seria acabar com todas as gratuitidades. Tudo o que tem custo, deve ser pago, a custos reais, a custos reduzidos ou até a custos simbólicos. Claro que existe um pequeno problema jurídico: a Lei-Quadro dos Museus Portugueses obriga os museus públicos a estabelecerem períodos de gratuitidade. A SEC entende agora que quatro horas por mês é suficiente para cumprir a Lei. O João Neto iria mais longe e proporia a alteração de uma Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República. Coisa de somenos. Legislação à parte, existe aqui sobretudo um problema social e político. Logo depois dos domingos de manhã, o João Neto talvez apoiasse o fim das gratuidades para as escolas. Depois ainda para os reformados, etc. etc.Pela mesma ordem de razões, também o acesso a arquivos e bibliotecas deveria ser pago. Como há tempos alguém dizia, já não me lembro onde, as bibliotecas então são especialmente injustas porque dão (a palavra “dar” incomoda, de facto) livros a ler aos leitores, e até os deixam levar para casa, em flagrante concorrência desleal com as livrarias, onde os mesmo livros têm de ser comprados.Estamos neste Mundo de formas diferentes, dir-se-á, porque lá onde o João Neto vê contradições, eu vejo cidadania. O curioso é que vejo eu e vêm os políticos, de esquerda ou de direita, e responsáveis de museus, públicos e privados, que por esse Mundo fora têm feito aumentar, e não diminuir, as práticas controladas da gratuitidade em museus. Fazem-no uns por motivação cívica, como eu próprio; fazem-no outros por estratégia de mercado. Mas fazem-no.Em todo o caso, nem sequer seria aqui preciso invocar grandes debates e opções, porque falamos apenas do mínimo dos mínimos – os domingos de manhã – e estava eu convencido que a disposição constante de Lei-Quadro dos Museus Portugueses colhia a unanimidade entre os profissionais de museus. Afinal há excepções. Quanto aos ganhos financeiros da medida, que mantenho serem residuais, é claro que eu me referi a eles globalmente porque precisamente as receitas de bilheteira sempre foram, e tanto quanto se pode vislumbrar, sempre serão arrecadadas e geridas centralmente. Ou seja, o apoio que o João Neto dá agora à SEC, contrapõe uma realidade concreta, a que temos, a um desejo algo piedoso de um futuro em que os museus arrecadem 60% das suas receitas – medida que deveria, aliás, ser muito mais profundamente amadurecida e que eu pessoalmente teria hesitações em defender. A questão da sustentabilidade financeira dos museus é demasiado complexa e deve ser estuda em detalhe – por isso o ICOM.PT vai organizar uma jornada sobre o assunto, em 7 de Novembro, no Museu Nacional de Soares dos Reis, com oradores que sabemos defenderem os mais díspares pontos de vista, mas desejavelmente todos ancorados na realidade concreta. Ora, todos sabemos como é sempre mais cómodo defender princípios etéreos, sem aplicação real no presente, aproveitando de passagem para dares ares de sensatez e espírito dialogante.[Incidentalmente, não posso deixar de assinalar como a SEC compreendeu e valorizou bem o oportuno apoio que recebeu, a ponto de apressadamente ter concedido à APOM uma audiência aguardada há meses, fazendo-o na véspera de audição parlamentar onde haveria o risco de se dizer que o senhor SEC, apesar de ter afirmado o contrário, não tinha ainda efectivamente recebido nenhuma associação de museus, como não recebeu de arqueologia, do património arquitectónico, etc.]Diz o João Neto que em alguns museus da SEC estas verbas dos domingos de manhã poderão constituir receitas expressivas. Com excepção do Museu Nacional dos Coches, pergunto-me em quais ? Em alguns Palácios Nacionais admito que venham a ser significativas e que não haja até decréscimo dramático de visitantes quando se introduzir o pagamento. A situação existente nesses Palácios em relação ao aproveitamento ilegítimo que as agências de turismo fazem da gratuitidade aos domingos de manhã justificaria, aliás, uma revisão dos termos concretos desta prática. Mas em todos os demais museus, essas receitas não serão assim tão significativas e conduzirão a importante diminuição de visitantes. Basta comparar os números actuais de visitantes durante as manhãs e durante as tardes de domingo para perceber a dimensão do decréscimo expectável.De resto, os cálculos estão feitos e ninguém os desmentiu. Com o número de visitantes actuais as receitas de três domingos de manhã poderão ser na ordem dos 700 a 800 mil euros. Com o decréscimo inevitável que vai ocorrer, poderão diminuir para metade, ou seja, 350 a 400 mil euros. Estes valores representam 2%, ou menos, do orçamento de funcionamento, do IMC,IP. Se tivermos em conta as verbas totais do investimento público nos museus da SEC (verbas nacionais e verbas europeias), então os valores indicados situam-se na ordem das décimas percentuais.Dito tudo isto, subsiste o mais importante: a questão das gratuitidades aos domingos de manhã é um assunto tão, tão secundário que nos não deveria mobilizar e eventualmente dividir. E não o fará, nem institucional, nem pessoalmente. No caso concreto das minhas momentâneas diferenças de opinião com o João Neto então, atentos os laços de amizade que temos desde há anos, já décadas, seria preciso muitíssimo mais para que tal sucedesse.





Luís RaposoPresidente do ICOM Portugal17.10.2011

17 outubro 2011

Gratuitidade dos museus ao domingo - Luís Raposo

Entrevista, DN, 13 Outubro 2011

É presidente do Comité Nacional Português do ICOM. Como vê a proposta do dim da gratuitidade dos museus tutelados pelo Instituto dos Museus e da Conservação ao domingos, avançada pelo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas?
É uma medida periférica e residual, relativamente a uma política de museus dentro da Secretaria de Estado da Cultura. O seu impacto financeiro, e é essa a sua motivação, é de 2% ou 3% no funcionamento corrente dos museus. Gera 700 ou 800 mil euros (…). qualquer medidia que se tome tem de ter em conta custos e benefícios. E esta penaliza a classe média, média baixa e baixa. É financeiramenre irrelevante e é socialmente impactante. Não se ganhando em bilhetes pode ganhar-se com uma boa política de lojas e merchandising ou boas exposições temporárias pagas.

Pode contrapor-se que o cinema e o teatro são pagos.
Pois, mas as bibliotecas e os arquivos não. Também acho que as exposições temporárias dos museus podem ser pagas e também acho que existe a possibilidade de debate. (…) Defendo umas colecções permanentes gratuitas e temporárias pagas tal como o serviço de audioguias.

A sustentatibilidade dos museus depende de 80% de entradas pagas, disse Viegas.
Só podemos atingir os 80% de entradas pagas considerando que as escolas pagam e isso é uma situação sem paralelo. além disso, a esmagadora maioria dos museus, mesmo com 80% de pagantes, não são sustentáveis. A não ser que achemos que as escolas, as biblioretas e a Torre do Tombo têm de dar lucro, para que pagamos impostos? Não defendo a gratuitidade absoluta e acho que os museus devem fazer um esforço para gerar receitas, mas não se pode exigir a alguém que ande sem lhe dar os meios para andar.

Já falaram com o Secretário de Estado da Cultura?
Temos pedido audiências, já reiteramos o pedido e foi-nos dito que não era oportuno. (…) Além de que achamos que não faz parte da normalidade democrática sermos chamados depois das decisões tomadas.

Paga bilhete quanso visita museus?
Não pago porque tenho o cartão do ICOM que dá acesso a todos os museus do mundo, mas às vezes pago porque me esqueço de levar o cartão. Há de tudo, mas na maior parte da Europa paga-se. Tradicionalmente, nos países de natureza socialista, não se paga, na China ainda não se paga. Nos EUA, onde existem muitos museus privados. e quando não são privados têm uma gestão privada, em alguns paga-se, em outros não.




Entrevista retirada daqui


Actualização: João Neto, presidente da APOM (Associação Portuguesa de Museologia) diz que é favorável ao princípio do "utilizador pagador" nos museus

11 outubro 2011

Novo ataque à cultura

"Museus vão deixar de ser gratuitos aos domingos" diz o secretário de estado da Cultura F.J.Viegas. Nesta entevista à TSF consegue avançar a ideia estapafúrdia de que 80% das entradas dos museus deviam ser pagas para sustentabilidade do próprio museu (aqui até cabe perguntar por que razão então não são pagas as entradas na Fundação Berardo onde o Estado Português acabou de injectar a maior verba de todas dentro dos apoios do Fomento Cultural). Mas o que sabe sobre museus Francisco José Viegas? Ter-se-à perguntado porque é que subsiste ao longo dos anos a entrada gratuita aos domingos de manhã? Terão os agentes sido questionados sobre esta medida radical que implica, não só uma afronta a princípios constitucionais de acesso à cultura e ao património de todos (quem não tem dinheiro nenhum fica impossibilitado de entrar num museu), como é uma afronta à autonomia de um museu que se vê diminuido no objectivo de manter ou aumentar o número de visitantes, número indispensável à instituição para desenvolver projectos e obter apoios (não exclusivamente públicos, a lei do mecenato por exemplo).





Os domingos gratuitos permitem não só trazer visitantes novos (criação de novos públicos a que o programa deste ou de qualquer governo está obrigado pela lei de bases nacional para a cultura) como permitir a visitantes mais interessados em repetir a experiência da visita as vezes que entender. Há obras que não se vêm uma vez mas vêem-se a vida inteira. Fazer disto um luxo é acentuar aquilo que na nossa sociedade se vem tornado mais escandaloso e desavergonhado, o fosso entre os que podem e os que não podem. Uma manhã gratuita nos museus permite igualar no acesso situações tão escandalosamente díspares (garante de Igualdade como a escola pública que este governo tão diligentemente se ocupa também em desmantelar).







As receitas que um museu hoje gera estão ligadas muito mais a actividades protagonizadas na sequência da visita, ao serviço educativo, à oferta de hotelaria ou às recordações numa boa loja. Os museus sabem isto e devem ter apoios para poder investir nesta área onde podem ir financiar-se. A entrada do visitante é um fim-em-si de um Museu. Esta medida, como tantas outras (se não todas) do governo de Passos é demagógica e inútil porque favorece o decréscimo de visitantes do Museu (menos visitantes, menos pessoal necessário no museu, menos cultura, menos economia) não contribui em nada para aumentar receitas (menos visitantes conduz a cada vez menos visitantes, decréscimo de público, pagante e não pagante). Para além de inútil é perigosa, porque transporta este cheiro a júbilo pela oportunidade que FMI e troica deram a uma ideologia de avançar terreno ao ir insidiosamente destruindo o contrato que foi sendo possível construir entre cidadãos (o Estado) ao longo de séculos, para que fosse possível viver-se um pouco longe do salve-se quem puder.


Actualizações









08 outubro 2011

"Por egoísmo os homens são capazes de viver, mas pela ambição ideal são capazes de muito mais - são capazes de morrer e matar.
É por isso que o espírito liberal há-de necessariamente triunfar do espirito conservador: é que os homens acabam sempre por reconhecer que, à felicidade de viver e apodrecer em paz e passividade , é preferível a felicidade de lutar.
Já vê, pois, amigo, que é escusado dizer aos homens que para fazer cultura -é preciso sacrificar a felicidade. A felicidade que os homens sacrificam é uma felicidade inútil. Sempre.
Debruce-se sobre si mesmo e sonde o seu espírito e verá que a felicidade a que renunciou para saborear o fruto da ciência do bem e do mal, o fruto da verdade, era uma felicidade inútil e venenosa. V. é um espírito de luta: e, para um espírito sem paradoxo, a única paz possível -é a guerra. Eu, por mim, não trocava esta minha dolorosa infelicidade de saber alguma coisa e desejar saber mais ainda, pela felicidade estúpida de ignorar."

Carta de Manuel Laranjeira a Miguel de Unamuno, em 24 de Abril de 1909 in Cartas, de Manuel Laranjeira, Relógio de Água, 1990.

04 outubro 2011

Tapada das Necessidades

Um grupo de moradores e cidadãos está a dinamizar um abaixo-assinado online contra a construção de um restaurante de luxo e a favor do aproveitamento do mesmo espaço - sem adulterações arquitectónicas do mesmo - para usos socais da população. Num tempo em que a CM de Lisboa promove a votação do orçamento participativo e privilegia, com isso, o envolvimento da população, nas discussões sobre a sua cidade, importa dar atenção e divulgar as razões que se apresentam.










"A Cerca das Necessidades foi fundada por D.João V para jardim, pomar e horta do Convento das Necessidades. Durante o século XIX, D.Fernando II, introduziu alterações no Real Jardim com um desenho à inglesa e plantação de várias espécies florestais e mata mediterrânica. Entretanto foram construídos vários edifícios como a Estufa Circular, a Casa de Fresco, o Jardim Zoológico e o Picadeiro Real. No final do mesmo século, D.Carlos faz adaptar o Observatório Astronómico a Atelier de Pintura da Rainha, depois designado por Casa do Regalo.







No século XX, a Tapada das Necessidades passou a ser gerida pelo Ministério da Agricultura, com a instalação da Estação Florestal Nacional e a construção de edifícios de apoio dentro da Tapada. Em 1970, o Picadeiro Real foi totalmente destruído para aí edificar o Instituto de Defesa Nacional e um parque de estacionamento.
Já em pleno século XXI, a Casa do Regalo foi profundamente alterada para para gabinete do Dr.Jorge Sampaio, sendo construído ao lado um bloco em betão revestido a mármore.


Em 2008, o Ministério da Agricultura estabeleceu um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, transferindo a Gestão, Reabilitação, Manutenção e Utilização da Tapada das Necessidades.


A Câmara acaba de lançar um concurso público para entrega da exploração de um restaurante, no espaço do Jardim Zoológico, com ampliação do edifício central para o triplo da área, e ocupação dos torreões históricos existentes, para arrumos e depósitos. Isto apesar de ter sido apresentada à CM de Lisboa uma proposta da Junta de Freguesia dos Prazeres de aproveitamento do referido espaço, sem lugar a construções adicionais, e com funções sociais, nomeadamente apoio a visitantes da tapada, biblioteca sobre assuntos relativos à tapada, ocupação de tempos livres para crianças, jovens e idosos.



Através de petição pública e recolha de assinaturas queremos demonstrar à Câmara Municipal de Lisboa que existem outras formas de actuar sem destruir o meio ambiente e o real equilíbrio ambiental da tapada das necessidades."



Cidadãos e Moradores pela Tapada das Necessidades
email: pelatapada@sapo.pt


30 setembro 2011

Dia mundial da música em Lisboa

A programação para este sábado pode ser
consultada aqui.
É toda uma tarde de música para gostos vários.
Depois do Outjazz nos jardins a cidade
continua a dar-nos música ( mas da boa, não é
a que ouve Rui Rio nem a que canta o governo)

09 setembro 2011

O reaccionário e facínora Paiva Couceiro



O director da Torre do Tombo convida todos para a assinatura do acordo entre a família do Militar, responsável por campanhas de pacificação e avassalamento em Angola e Moçambique e por incursões monárquicas contra a 1ª República (o único militar a bombardear os soldados revoltosos em Lisboa no dia 5 de Outubro de 1910) sobre o seu arquivo passar aos cuidados do Estado (interessa ver os termos do acordo de doação). Interessante é o convite, emitido por um Instituto Público referir um familiar de Paiva Couceiro como D.Miguel. Como se entre a missa realizada na Alameda da Universidade para abençoar fitas (?!) e estas nomenclaturas não tivessem corrido entretanto os tais 100 anos da República nem os 37 de democracia e laicização do Estado. Tenho esperança que a praça em Lisboa com o nome desta abominável figura mude de nome para homenagear, por exemplo, aqueles que ele perseguiu e matou quando combatiam pela autonomia e liberdade.

01 setembro 2011

Carta às Esquerdas, por Boaventura de Sousa Santos

Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante.








Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação?

As respostas opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros actores e linguagens que as esquerdas não puderam entender.

Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias.

Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo.

Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.

Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas).

Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente.

Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito.
Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar).
Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um patrimônio das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar.
Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas.
Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca.
Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.

in Revista Visão, 25-08-2011