03 maio 2013

Já o amava antes de chegar aqui

"O meu humanisno é socialista, o que para mim significa que é o grau mais elevado, porque universal, do humanismo; se não aceito a alienação que necessita de manter o capitalismo para atingir os seus fins, muito menos aceito a alienação que resulta da obediência aos aparelhos burocráticos de qualquer sistema, por muito revolucionária que pretenda ser. Creio, com Roger Garaudy e Eduardo Golstücker, que o fim supremo do marximo não pode ser outro que não o de proporcionar à raça humana os instrumentos para alcançar a liberdade e a dignidade que lhe são consubstanciais; isto entranha uma visão optimista da história, como se vê, contrariamente ao pessimismo egoísta que justifica e defende o capitalismo, triste paraíso de uns poucos à custa de um purgatório, quando não de um inferno, de milhões e milhões de desfavorecidos.
Em todo o caso, o meu conceito de socialismo não se dilui num humanismo tíbio tingido de tolerância; se os homens valem para mim mais do que os sistemas, entendo que o sistema socialista é o único que alguma vez pode chegar a projectar o homem no sentido do seu destino autêntico; parafraseando o famoso verso de Mallarmé sobre Poe (regozijo-me o horror dos literatos que lerem isto), creio que o socialismo, e não a vaga eternidade anunciada pelo poeta e pelas igrejas, transformará o homem no próprio homem. Por isso rejeito qualquer solução baseada no sistema capitalista ou no chamado neocapitalismo e ao mesmo tempo rejeito a solução de qualquer comunismo esclerosado e dogmático; creio que o autêntico socialismo está ameaçado por ambas, que não só não representam soluções como também adiam, cada uma à sua maneira, e com fins diferentes, o acesso do homem autêntico à liberdade e à vida".

J.Cortázar (1969), Papéis Inesperados, pp.226-227, Cavalo de Ferro, 2o10


1 comentário:

Anónimo disse...
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