19 agosto 2012
Perto dos Cimérios, há uma caverna de profundos recessos,
uma montanha oca, residência e lar do preguiçoso Sono.
Nela, jamais ao nascer, ou a meio do seu curso, ou ao pôr-se,
logra Febo penetrar com os seus raios. Do chão exalam-se névoas
à mistura com brumas e crepúsculos de luminosidade dúbia.
Aí, ave alguma em vigília, crista na cabeça, canta a despertar
a Aurora, nem é o silêncio rompido pelo ladrar de cães
sobressatados, nem por ganso, mais perspicaz que os cães.
[Não há animal bravio, nem rebanhos nem ramos movidos
pela brisa, nem algazarra humana que solte um só som.]
Habita ali uma quietude muda; mas da base de uma rocha
brota um regato vindo do rio Letes, cuja água murmurante,
deslizando entre o crepitar dos seixos, convida ao sono.
Diante da entrada da gruta, florescem férteis papoilas
e incontáveis plantas, da seiva das quais a Noite húmida
colhe a sonolência que borrifa pelas terras da escuridão.
Não há porta alguma em toda a casa, para não soltar
um só rangido ao girar nos gonzos, nem guarda no umbral.
Ao centro da gruta, está um leito alto de ébano, de colchão
de penas, tudo de cor escura, coberto de uma colcha escura.
Nela se deita o deus em pessoa, o corpo relaxado, lânguido.
À sua roda, por todo o lado, jazem sonhos vazios imitanto
formas várias, tantos quantas as espigas que a seara produz,
as folhas que o bosque tem, grãos de areia atirados na praia.
Livro XI, Céix e Alcíone (o palácio do Sono), Metamorfoses, Ovídeo, p.284 (tradução Paulo Farmhouse Alberto, 2007)
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