03 janeiro 2011

Funcionários

As medidas de austeridade, que vêm somar-se à austeridade social e política que vemos crescer nas ultimas décadas, com destaque esfusiante para a última, agudizam aquilo que os seres humanos transportam individualmente revelando, assim, os valores universais de que são ou não portadores. A paisagem não é animadora. Alguém escrevia, a propósito das reformas no ensino de Maria Lurdes Rodrigues que o mais admirável, heroico e estimável ser era aquele que face a tantos ataques às suas condições de trabalho, conseguia continuar a fazer dele motivo de orgulho para si e para os outros. É preciso dizê-lo, em cada repartição do Estado, desde a sala de um julgamento até ao bloco operatório, da direcção geral ao departamento municipal, há um funcionário a vingar-se do corte de 10% do seu salário naqueles a quem o seu serviço se dirige. E é capaz de fazê-lo na melhor das intenções, crendo que o utente, o beneficiário, o contribuinte, o público,fará a "revolução". Não a que repõe o acesso à justiça, à saúde, ao ensino, mas a que repõe os seus 10% de salário. Ainda que aceitássemos que esta é uma condição para aquelas (o que não é exactamente nem sempre verdadeiro) não é possível compactuar com o abstencionismo ou a má vontade que faz do pagador do costume mais uma vez a vítima da festa. Num mundo de desumanidade quem não o seria em circunstâncias sociais que condenariam ou não valorizariam o seu desinteresse pelos demais, encontra agora caminho aberto e incentivo a sê-lo porque, se por um lado se sente revoltado e injustiçado, por outro, há caminho a que socialmente se valide e compreenda um comportamento de abstencionismo (profissional, político, moral). A crise abre buracos onde não se esperava, como um cancro.

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