30 agosto 2010

Como numa década se destruiram décadas de direito internacional

"Os aviões telecomandados percorrem os céus do Iraque, do Afeganistão e, sobretudo, do Paquistão. Comandados a milhares de quilómetros de distância constituem os olhos e as orelhas do Exército e dos serviços de informação americanos. São, sobretudo, novas máquinas de matar que transformam a história militar.


A 5 de Agosto de 2009, à noite, Baitullah Mehsud, chefe dos talibans paquistaneses e presumível assassino de Benazir Bhutto, apanha fresco, com a mulher, no terraço de sua casa, numa aldeia do Vaziristão do Sul. A imagem capturada pela câmara de infravermelhos de um avião telecomandado Predator, que sobrevoa a região a mais de 3 mil metros de altitude, mostra distintamente o taliban a ser injectado para tratar a sua diabetes. Alguns segundos mais tarde, só restam de Mehsud alguns fragmentos do torso. Dois mísseis Hellfire disparados por um aparelho telecomandado dos Estados Unidos acabam com o chefe dos talibans, bem como com a sua mulher e sete dos seus guarda-costas. Depois de terem cumpido a sua missão, no Vaziristão, os agentes abandonam o quartel-general da CIA, em Langley, nos arredores de Washington, para regressarem a casa. O único risco que correram, nesse dia, foi o de se verem apanhados nos penosos engarrafamentos que paralisam a região à hora de ponta do encerramento dos escritórios...


Habitualmente, desta guerra telecomandada e secreta que os americanos travam nas zonas tribais do Paquistão só chegam aos media despachos lacónicos que, quase todos os dias, dão conta do número de paquistaneses mortos pelos drones. Porque, oficialmente, os Estados Unidos não fazem guerra no território do seu aliado de Islamabad.(...)"

A Guerra dos Drones, Sara Daniel, Revista Visão nº901, 10 a 16 de Junho de 2010.

Que 2001 irrompeu como uma sombra de insegurança para o mundo todos sentimos nesse dia de Setembro no início do século. Não sabíamos nem sabemos hoje onde nos levará a cavalgada sobre direitos conquistados com tanto esforço e sobre o sangue de tantos milhões. A Convenção de Genebra, actualizada em encontros recentes ao abrigo ds nações unidas, é clara: entre algumas coisas que estipula diz: é ilegal fazer uso indevido da bandeira branca, símbolo de rendição ou trégua (Haia IV); é ilegal matar ou ferir uma pessoa que se rendeu; é ilegal atacar uma pessoa ou um local indefeso; é ilegal atacar um edifício que esteja sendo utilizado como hospital, etc.

17 agosto 2010

Globalização

Que é bom ter acesso a mais opções de consumo é. Poder escolher entre 10 ou 100 alimentos é substancialmente diferente (se os 100 não forem qualitativamente piores que os 10). Agora perceber que há lisboetas que só identificam o local de voto quando lhes dizem "é onde fica o Lidl" e não quando se lhes diz "é no mercado do forno do tijolo" não tem tanta graça. Isso e a mesma cadeia de supermercados apresentar-nos os produtos natalícios no fim de Outubro. Para além de atacar as construções próprias da temporalidade (au) ameaça/transforma também a territorialidade (ui).

13 agosto 2010

o petróleo, a crise, a galp

"Uns gananciosos, estes trabalhadores
A Administração que suga quase três por cento dos lucros da Galp nos seus próprios salários e benefícios acusa os funcionários de falta de solidariedade por quererem um aumento


A Galp propôs aos seus funcionários um aumento de 1,5 por cento. Os trabalhadores vão fazer uma greve. O presidente do conselho de Administração, Ferreira de Oliveira, acusou os trabalhadores de "falta de solidariedade para com o futuro da empresa".

Alguns dados:

1 - Ferreira de Oliveira recebeu, em 2009 , quase 1,6 milhões de euros, dos quais mais de um milhão em salários, 267 mil em PPR, quase 237 mil euros de prémios de desempenho (mais de 600 mil em 2008) e 62 mil para as suas despesas de deslocação e renda de casa. É um dos gestores mais bem pagos deste país.

2 - Os sete administradores da empresa (ex-ministros Fernando Gomes e Murteira Nabo incluídos) receberam 4,148 milhões de euros. Mais subsídio de renda de casa ou de deslocação, no valor de três mil euros mensais. Os 13 administradores não executivos receberam 2,148 milhões de euros. Entre os administradores não executivos está José António Marques Gonçalves, antigo CEO da petrolífera, que levou para casa uma remuneração total de 626 mil euros, incluindo 106 mil de PPR e 94 mil de bónus. No total, os 20 gestores embolsaram 6,2 milhões de euros, 2,9% dos lucros da companhia.

3 - Os trabalhadores pedem um aumento de 2,8 por cento no mínimo de 55 euros. Perante estas exigências de aumento, a administração que recebe estes salários diz que, tendo sido estes dois últimos dois anos "de crise", elas são "impossíveis de satisfazer".

4 - A Galp não está em dificuldades. Os lucros ascenderam, no ano passado, a 213 milhões de euros. No ano anterior foram de 478 milhões de euros. A empresa vai distribuir dividendos pelos accionistas. Mas ao contrário do que tem acontecido nos últimos cinco anos os trabalhadores ficam de fora. "Não é possível distribuir resultados que não alcançámos", diz Ferreira de Oliveira, que, tal como o resto da administração, não deixou de receber o seu prémio pelos resultados que não alcançou.

Os factos comentam-se a si mesmos. Por isso, ficam apenas umas notas:

A administração que suga (com uma grande contribuição do seu CEO) quase três por cento dos lucros de uma das maiores empresas nacionais acusa os trabalhadores de falta de solidariedade por quererem um aumento de 2,8 por cento. E que a greve "não defende os interesses nem de curto nem de longo prazo dos que trabalham e muito menos dos que aspiram a vir a trabalhar" na Galp.

De facto, ex-ministros pensarão duas vezes em escolher aquela empresa para dar conforto à sua reforma se os trabalhadores receberem 2,8 por cento de aumento. De facto, um futuro CEO que precise de receber mais de sessenta mil euros para pagar a sua renda de casa e deslocações (que um milhão nem dá para as despesas) pensará duas vezes antes de aceitar o cargo se os funcionários que menos recebem tiverem um aumento de 55 euros mensais. De facto, gestores que recebem prémios por "resultados não alcançados" não aceitarão dirigir uma empresa que distribui dividendos quando os lucros baixam.

A ganância destes trabalhadores desmoraliza qualquer homem de negócios mais empenhado. Assim este País não vai para a frente. A ver se os trabalhadores da Galp percebem: todos temos de fazer sacrifícios. "
Daniel Oliveira
Expresso, 13 de Abril de 2010

11 agosto 2010

Direitos humanos versus tradições

"Tudo o que diz respeito aos direitos fundamentais - o direito de viver como cidadão de pleno direito na terra dos seus antepassados sem sofrer perseguições ou discriminações; o direito de viver com dignidade, onde quer que alguém se encontre; o direito de escolher livremente a sua vida, os seus amores, as suas crenças, no respeito da liberdade dos outros; o direito de aceder sem entraves ao saber, à saúde, a uma vida decente e honrada - nada disto, e a lista não é restritiva, pode ser negado aos nossos semelhantes sob o pretexto de preservar uma crença, uma prática ancestral ou uma tradição. Neste domínio, será necessário inclinarmo-nos em direcção à universalidade, e mesmo, se necessário, em direcção à uniformidade, porque a humanidade, mesmo sendo múltipla, é, em última análise, uma só."
pp. 120-121
Maalouf, Amin, Identidades Assassinas, Difel, 1998.

09 agosto 2010

"As sociedades seguras de si mesmas reflectem-se numa religião confiante, serena, aberta; as sociedades inseguras reflectem-se numa religião friorenta, beata e sobranceira. As sociedades dinâmicas reflectem-se num Islão dinâmico, inovador, criativo; as sociedades estagnadas reflectem-se num Islão imóvel, hostil à menor mudança. (...) Quando evoco a influência das sociedades sobre as religiões, penso, por exemplo, no facto de quando os muçulmanos atacam violentamente o Ocidente, não é só por serem muçulmanos e por o Ocidente ser Cristão, é também por serem pobres, dominados, ridicularizados e por o Ocidente ser rico e poderoso. Escrevi "também". Mas pensei "sobretudo". Porque, ao observar os movimentos islamitas militantes de hoje, adivinho facilmente a influência do terceiro-mundismo dos anos 60, tanto no discurso como nos métodos; em contrapartida, por mais que procure na história do Islão, não lhes encontro um antepassado evidente. Estes movimentos não são um puro produto da história muçulmana, são o produto da nossa época, das suas tensões, das suas distorções, das suas práticas, das suas desesperanças.(...)
Aquilo contra o qual me levanto, aqui, é esse hábito que se instalou -tanto no Norte como no Sul, quer entre os observadores distantes, quer entre os adeptos zelosos -de classificar cada acontecimento que se desenrola em cada país muçulmano na ribrica "Islão", quando estão em jogo muitos outros factores que explicam bem melhor o que acontece. Bem poderíeis ler dez grossos volumes sobre a história do Islãi desde as suas origens que nada compreenderíeis sobre o que se passa na Argélia., Lede 30 páginas sobre a colonização e a descolonização e compreeendereis bem melhor o que se passa. "

pp.77-78

06 agosto 2010

Doutrina aqui também é ideologia



"Quando se comete um acto repreensível em nome de uma doutrina, qualquer que ela seja, essa doutrina não se torna por isso responsável; mesmo quando não se pode ser totalmente estranha a tal acto. Com que direito poderia eu afirmar , por exemplo, que os taliban do Afeganistão nada têm a ver com o Islão, que Pol Pot nada tem a ver com o marxismo, que o regime de Pinochet nada tem a ver com o cristianismo? Enquanto observador, sou forçado a constatar que se trata, em cada um destes casos, de uma utilização possível da doutrina em questão, obviamente não a única, nem a mais espalhada, mas que não pode, ainda assim, ser afastada com um gesto agastado. Quando ocorre uma derrapagem, é um pouco fácil de mais decretar que esta era inevitável; tal como é perfeitamente absurdo querer demonstrar que nunca deveria ter acontecido e que se tratou de um puro acidente. Se ele se produziu, é porque existia uma certa probabilidade de que tal acontecesse.

(...)

O século XX ter-nos-à ensinado que nenhuma doutrina é, por si mesma, necessariamente libertadora, que todas elas podem derrapar, todas elas podem ser pervertidas, todas elas têm as mãos sujas de sangue: o comunismo, o liberalismo, o nacionalismo, cada uma das grandes religiões e mesmo o laicismo. Ninguém possui o monopólio do fanatismo e ninguém, por outro lado, tem o monopólio do humano."
pp.60-63

04 agosto 2010

Ainda as Identidades Assassinas

"A esta forma de complacência acrescenta-se uma outra, também ela infeliz. A dos eternos cépticos que, a cada novo massacre identitário, se apressam a decretar que sempre os houve desde o começo da História e que seria ilusório e ingénuo esperar que as coisas mudem . Os massacres étnicos são, por vezes, tratados, conscientemente ou não, como crimes passionais colectivos, lamentáveis sem dúvida, mas compreensíveis e, em todo o caso, inevitáveis, porque "inerentes à condição humana"

p.44

03 agosto 2010

Bem visto

Votar em Cavaco é uma irresponsabilidade. O Presidente da República tem de ser uma figura elevada e respeitada para além das concordâncias e discordâncias, características pouco compagináveis com o uso ostensivo da intriga, as birras e os discursos escritos com os pés. O Presidente da República deve ser o palito e não a coisa verde entalada entre os dentes da frente. Votar num candidato claramente incompetente apenas por uma questão de serviço ideológico (que, pelo que se tem visto, nem sequer executa a contento dos seus apoiantes) não é sério.

Votar em Alegre é uma irresponsabilidade. Um mal menor é um candidato menor. Tentar trocar a mediocridade de um pela menoridade de outro é bater no fundo, partir o fundo e continuar por aí abaixo. Votar num candidato unicamente propulsionado pela sua vanitas, que se diz e desdiz ao sabor da distância percebida entre as palavras que tem de proferir para conquistar o eleitorado e o que os seus actos, presentes e passados, revelam, numa última tentativa de se resgatar à categoria de nota de rodapé, não é sério.


Votar em Nobre é uma irresponsabilidade. A pose do político-fora-da-política, não bastando a associação ao que de pior tem nascido no estrume das democracias ocidentais, mina o capital de honestidade que uma pessoa, qualquer pessoa, independentemente do brilho humanitário do seu passado, tem para ir a jogo. Um Presidente da República é um político, não um nadador-salvador, e é como tal que se deve comportar. Além do mais, votar num candidato monárquico para Presidente da República, mais que ser patético, não é sério.

Votar em comediantes, voluntários ou involuntários, é uma irresponsabilidade. Os tempos não estão para brincadeiras. Uma eleição tem sempre, mesmo que não pareça, o resultado em aberto e deixá-la à mercê de quem nem sequer pretende ser sério (ou, pretendendo, não o deveria fazer) não é sério.

Votar em branco ou anular o voto é uma irresponsabilidade. Uma vez que, de acordo com a Lei Eleitoral do Presidente da República, apenas são contabilizados os votos validamente expressos (ou seja, a soma dos votos nos vários candidatos dará cem por cento), votar em branco ou anular o voto equivale à abstenção. E a abstenção é deixar tudo nas mãos dos outros. E deixar tudo nas mãos dos outros não é sério.

Está bem lixadinha, a mulher de César.
No blogue Ágrafo