30 junho 2010

Quem tem memória é imprescindível e perigoso- O caso de Helen Thomas


Helen Thomas

Memória de Elefante

Os sucessivos presidentes tinham-se habituado a resignar-se com as suas perguntas incómodas. Os colegas tentavam não levar demasiado a sério as críticas que lhes dirigira no livro Watchdogs of Democracy? The Waning Washingnton Press Corps and how it Has Failed the Public (...) Afinal, era a decana dos correspondentes da Casa Branca, há muito que ganhara direito a sentar-se na primeira fila e fizera a cobertura de todas as presidenciais desde Kennedy. (...) há poucos dias, um rabino e documentarista convidado a ir à Casa Branca, cruzou-se com ela e perguntou-lhe se tinha alguma mensagem para os israelitas. ."Saiam da Palestina. As pessoas de lá estão sob ocupação. A terra dos judeus é na Alemanha, Polónia e América", respondeu. O vídeo com o comentário foi posto no Youtube. (...) a Hearst Newspapers obrigou-a à reforma compulsiva"


Revista Visão, 17 de Junho de 2010, p.26

25 junho 2010

600 novos milionários em ano de crise

Tudo bate certo. A crise é indissociável do sistema económico vigente, e este sistema é o que permite as enormes descrepâncias, a democracia em Portugal permitiu alargar a percentagem dos ricos e milionários e permitiu também aumentar de forma incomparável os valores de riqueza daqueles que, antes do 25 de Abril, já viviam abastadamente à conta da pobreza da maioria. Por isso não resistiram muito à mudança do sistema político. Alguns souberam que a médio prazo iam ganhar ainda mais.



Devia ser claro que se há crise e se ela se mantém é porque existe quem tenha muito a ganhar com ela. Estes 5.5 % de portugueses ou c. de 5,5% da população mundial trata todos os dias, desde que se levanta até que se deita e enquanto dorme, de assegurar que o sistema não se altere. As formas que têm de o fazer não estão ao alcance dos outros 95%, quem não detêm acções em grupos económicos detentores de meios de comunicação social, de transportes, de empresas de construção, de energia, de editoras, etc.etc., não tem os mesmos instrumentos de que é detentora e força de forma sistémica os limites do controlo público sobre os mesmos. Para juntar a este "fascismo financeiro", como lhe chamou Boaventura Santos, os polítcos fazem-se eleger com programas que não correspondem ou são exactamente o oposto daquilo que vão fazer ao longo do mandato, não havendo no sistema político qualquer instrumento de penalização para este facto. Juntamos ao fascismo financeiro um sistema pólítico que está longe de corresponder à democracia de que nós, como os companheiros do continente europeu, gostam de se gabar (alguns mais papistas ou mais entusiastas do ultra-liberalismo ainda gostam de defendê-lo como oposição a países onde não se gozam os direitos, liberdades e garantias que sentem nos seus gabinetes onde escrevem e pensam, enquanto lá fora, pela janela ignoram a senhora da limpeza a ganhar menos de 2 euros à hora, sem acesso a saúde, os filhos sem acesso a educação, os primos dela espancados pela polícia, e por aí fora).



Tudo isto, de forma muito simplificada, não é nenhuma novidade mas aquilo que daqui naturalmente decorre não é compatível com o que grande parte da esquerda espera de mudança através das formas institucionais. Como se o sistema político não fizesse parte dos instrumentos de que dispõem para manter "um modo de vida". Como se, de forma expontânea e pacífica, com 300 mil pessoas ou mais na rua a gritar, os 5,5% tomasse parte de uma Contrição Colectiva e viessem " para a terra sujar as mãos".

23 junho 2010

O fenómeno "poliédrico e seminal" (à Canavilhas) da leitura

Ontem a televisão pública foi às livrarias assistir ao fenómeno de vendas dos livros de Saramago associado ao seu recente desaparecimento. Uma das compradoras deixou o seu testemunho: "Eu ainda não consegui ultrapassar a minha dificuldade em ler Saramago. Como não consigo lembrei-me de ir ler a tradução em inglês, como muitas vezes as traduções melhoram a nossa compreensão, aconteceu-me finalmente, conseguir ler José Saramago."
Uma compradora leitora de Saramago cheia daquilo a que se gosta de atribuir como qualidades nacionais: o forte espírito de improviso, a desfaçatez e a falta de embaraço ao assumir as suas dificuldades com a língua mãe, e a teimosia (provinciana? apesar da dificuldade em lê-lo não desistiu até "ler" o nobel).

17 junho 2010

Cidadãos Pobres da Europa, Uni-vos!

"Cortes atingem alunos mais pobres e despesas de saúde" in DN de hoje.

Quando sabemos que há tantas outras formas de aumentar a receita pública, quando sabemos que a causa da crise é a ganância desenfreada e sem controlo dos mercados (mercados que para além secarem as economias, aumentarem as desigualdades entre pessoas e entre zonas do globo, empurram o planeta para uma situação insustentável do ponto de vista do seu equilíbrio ambiental) quando sabemos isto tudo que nos faltará para deixar de pagar com a miséria, a moral e a outra, de pagar com vidas inteiras feitas de tanto trabalho para tão pouco, que nos faltará para dizermos basta e terminarmos com A infâmia (todos os dias maior)?



"Patrões querem contratar e despedir mais facilmente" in JN de hoje.

15 junho 2010

"A violência ilustrada" por Ricardo Noronha

"(...) A violência que esta e outras imagens ilustram não carece de qualquer manipulação ou instrumentalização. A semiótica prolonga o conflito, mas não o produz. E como uma das partes do conflito tem a seu favor os mais poderosos instrumentos para operar esse prolongamento, é inteiramente legítimo identificar aí um terreno de combate. Não foi um fotógrafo que produziu aquela imagem. Foi uma violência inteiramente desproporcionada e cinicamente empregue para reduzir um povo ocupado à capitulação. E é sobretudo isso nos deveria chocar. A nossa impotência face ao horror, o frágil suporte daquilo que nos habituámos a considerar normal apenas porque acontece todos os dias."

02 junho 2010

Cidadãos europeus, Uni-vos! por Boaventura de Sousa Santos

Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos. Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista.

Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de protecção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.




Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acumulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos laborais (facilitar despedimentos, reduzir indemnizações).

A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul. A Europa está a ser vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social.

O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 mil milhões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 mil milhões para salvar o sistema financeiro europeu? A luta de classes está a voltar sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho.

O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois factos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia.
A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.

Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.

Revista Visão, 2 de Junho de 2010

01 junho 2010

"A cidade são as pessoas"?

"As Assembleias Participativas realizam-se em 8 locais da cidade, até ao dia 24 de Junho. Com estas assembleias pretende-se dar início a um ciclo de reuniões onde os cidadãos poderão, presencialmente, apresentar as suas propostas para a cidade no âmbito do Orçamento Participativo 2010/2011. Com esta iniciativa promovemos de forma decisiva a participação de todos os cidadãos e o debate sobre a cidade de Lisboa"
A Câmara promove este ano um novo funcionamento de preparação do orçamento participativo. As intenções parecem ser para que este processo se torne mais participado e que se consiga dar cabimentos orçamentais a projectos ou ideias que, sem a ajuda de técnicos, dificilmente se materializa em custos de forma a ser considerada e aprovada. Tudo boas ideias. Talvez ainda falte (não sei se está previsto) alguma forma de dar o nó (sistematizar) as propostas particulares vindas de tantos locais. Para que no fim um lisboeta possa dizer por exemplo:apesar de ter apresentado uma prosposta para a melhoria do pavimento do meu bairro vou votar na proposta de apoiar o novos acessos ao Novo Museu da Resistência e Liberdade.