Hás-de voltar aqui, hás-de sentir
a estupidez do mundo como um pêndulo
batendo a horas certas
ao ritmo dos dias, das semanas,
dos meses ou dos anos que, sem dares por isso,
hão-de passar velozes até dissolverem
o céu e o inferno e os teus últimos
rastilhos do orgulho. Hás-de aprender
a amar os que te odeiam
e a afogar a tua bilís negra
no caudal desse rio a que chamas
perdão ou esquecimento.
Hás-de voltar aqui, hás-de envergar
essa coroa de espinhos que te assenta
tão bem, hás-de mentir
de novo a essa gente, obedecer
com um sorriso inócuo ao seu tráfico
de pequenos conluios burocráticos,
às rasteiras da inveja, aos mais iníquos
crimes humanos - tudo isso
a que mais tarde alguém há-de chamar
simplesmente injustiça.
Hás-de voltar aqui, hás-de saber
dar-lhes a outra face
Fernando Pinto do Amaral
27 dezembro 2010
23 dezembro 2010
"Mas pergunta a gente a cada passo se vale a pena! O Reino da Estupidez, o Reino Cadavernoso, o Nascer entre burros, morrer entre burros do Herculano, o Que tristeza, rapazes, ter nascido em Portugal! do Nobre - tudo de agrava. Desânimo e nojo, e às vezes desespero, quando se esgota o bom-humor, é quando fica disso tudo. Venham lá Duzentos Contos da Gulbenkian, da miséria do Petróleo, para iludir a gente, pagar o prémio da Estupidez suficiente!"
Rodrigues Miguéis em 1961 numa das cartas a Saramago, in Correspondência 1959-1971, Caminho, 2010, pp.125.126.
09 dezembro 2010
A desesperada esperança, por Valdemar Rodrigues
"(...) Punge ouvir homens como o Prof. Cavaco Silva dizerem ser necessário um "novo modelo económico". Especialmente homens que, como ele, tanto se empenharam em desenvolver o modelo económico que hoje temos e que nos esmaga, assente nos "mercados" financeiros sem rosto nem interesse pelo bem público, que afinal de contas nunca foi interesse a que estivessem por natureza obrigados. É certo que o Prof. Cavaco Silva, e tantos outros políticos da sua espécie, nunca seriam quem são ou ocupariam os lugares políticos que vieram a ocupar se não tivessem tomado as decisões que tomaram, e que foram largamente favoráveis ao estabelecimento desse modelo económico do qual agora - estranhamente - procuram demarcar-se. O facto de até ao momento ninguém ter sido politicamente responsabilizado pela onda de desastres financeiros iniciada em 2008 nos EUA, a qual ditou em Portugal a "nacionalização" de alguns bancos (um dia talvez percebamos com exactidão o quanto nos custaram tais "nacionalizações" amigas do sistema financeiro) deixa de ser misterioso se notarmos o quão importante é o sucesso da fase em que estamos a entrar, e que consiste na cobrança coerciva da dívida soberana - pois o objectivo sempre fora só e apenas esse: o de tomar posse do (muito) que ainda resta dos bens públicos nacionais, há tempo suficiente sob administração de políticos incapazes. A democracia, único sistema de governo capaz de comprometer o povo com os desastres da governação, foi usada como instrumento, sobre o lastro de uma classe média ascendente que lhe daria, segundo Max Weber, crescente consistência. Foi essa classe média alavancada pelo crédito que deu à banca argumentos para pensar que estava a agir "socialmente bem" em todo o processo. Teria toda a razão, não fossem os banqueiros também homens, e não propriamente deuses como alguns se devem achar. Mas é claro que a principal culpa foi e é política, como já se disse. Mantendo a permissa webberiana, o desaparecimento (súbito) dessa classe média representa uma incomum ameaça para a democracia. E não é por acaso que surgem agora coisas "inevitáveis", como sejam a recente aprovação do Orçamento de Estado para 2011, ou a reeleição, em Janeiro próximo, do Prof. Cavaco Silva: tudo é inevitável quando já não temos forças. (...)"
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