"(...) O Governo assumiu assim de forma clara que a sua autonomia é nenhuma e que apenas gere a sociedade de acordo com interesses que são externos à própria política e até ao país e que pertencem ao domínio da economia e do mercado. Aquilo que há 30 anos vem sendo apontado como uma crítica sem fundamento de meia dúzia de radicais e comunistas torna-se agora explícito. A adoração e a obediência aos interesses do mercado ditam regras que têm de ser seguidas por todos os países. E as medidas anunciadas esta semana mais não foram do que a imposição a Portugal das directivas da União Europeia para atalhar à crise e devolver a estabilidade ao mercado.
Ora o que é extraordinário não é que esta realidade tenha ficado claramente exposta pelo desenvolver da semana política. O que é extraordinário é a facilidade com que os dois principais líderes partidários portugueses mudam de discurso e defendem medidas opostas de um dia para o outro sem pestanejar, nem explicar sequer. Adoptando uma espécie de Bloco Central, não oficial mas apenas oficioso, os líderes do PS e do PSD, José Sócrates e Pedro Passos Coelho, acertaram entre si a forma como o Governo chefiado pelo primeiro concretizará as imposições europeias sobre como baixar o défice em Portugal. E com o maior à-vontade deitaram para o balde do lixo aquilo que até à semana passada afirmavam como convicções políticas profundas.
Não só Pedro Passos Coelho foi eleito há pouco mais de um mês e foi consagrado num congresso há um mês, precisamente garantindo que era o paladino da defesa dos interesses da classe média portuguesa e que em nome desta não aceitava aumentos de impostos. Mais: exigia mesmo que o Governo não onerasse a classe média ao diminuir os benefícios fiscais do IRS. Mas também José Sócrates foi eleito há sete meses e meio com a promessa programática de que não haveria aumento de impostos. Uma promessa que tem reafirmado amiúde, até à semana passada, e que foi para o lixo, repetimos, embrulhado no mesmo saco que foi a terceira ponte sobre o Tejo e outras obras públicas que eram consideradas, até há alguns dias, como vitais à modernização do país e ao desenvolvimento da economia.
É evidente que quando se questiona a facilidade com que os principais líderes políticos portugueses mudaram de ideias, não se está a defender uma manifestação de independência nacional e de soberania que se sabe que não existe, nem faz sentido no mundo globalizado de hoje. O Estado-Nação do século XIX e do século XX faz parte da história e representaria hoje um retrocesso histórico e um anacronismo. Portugal só beneficia em estar enquadrado numa comunidade alargada e nada perde até em seguir um caminho federador. O que se questiona é ao nível global e não passa apenas por Portugal. Ou seja, até que ponto é que os actuais líderes políticos ocidentais e os partidos políticos dos Estados democráticos são úteis às populações europeias e ocidentais (...)"
São José Almeida, "Ainda há partidos politicos", jornal Público, 15/05/10
Sem comentários:
Enviar um comentário