28 maio 2010

Prostesto Geral Amanhã





Dos motins de 2001 na Argélia e na Argentina, ao incêndio dos subúrbios de Paris, à revolta generalizada na Grécia, uma história secreta tem percorrido estes anos: a guerra social regressou. Algo novo tem marcado esta primeira década do século: a revolta popular, tão inesperada como descontrolada, que afronta o Poder. Afinal a história não acabou. A guerra e as suas barricadas, até há poucos anos limitadas às periferias do império, vêm brotando nas grandes metrópoles do capitalismo supostamente rico, democrata e feliz.

Da nossa barricada - a dos explorados e despojados - surgem de novo belas perguntas: Como ocupar a rua de forma persistente e o que fazer dela? Como auto-organizar as nossas vidas? Como bloquear a economia para começar a viver? Do outro lado estão polícias, governos, patrões e exércitos. E todos dependem dos trabalhadores para manter a máquina a funcionar.

Pressentimos tudo isto quando vemos a Acrópole, como aconteceu a 5 de Maio na greve geral grega, envolta por uma declaração simples e sensata: PEOPLES OF EUROPE, RISE UP.

O internacionalismo está de volta e recomenda-se. É preciso sair do isolamento e demolir todas as fronteiras, estabelecer afinidades, reinventar a luta. A Grécia é mesmo aqui ao lado. A Grécia está em todo o lado.

Aqui, nesta zona do território europeu subjugada pela crise, as lutas têm sido reféns da obsessão legalista da esquerda parlamentar e dos sindicatos, de uma solidariedade vaga e que raramente se manifesta. No presente estado de coisas, toda a inteligência será pouca. Inteligência para comunicar e organizar, bloquear e sabotar, ferir o poder dos poderosos.

PORQUE A ÚNICA RESPOSTA À CRISE É O COMBATE

PORQUE ESSE COMBATE NÃO SE TRAVA COM AS MEDIDAS PONTUAIS EXIGIDAS PELOS SINDICATOS E PELA ESQUERDA REFORMISTA

PORQUE TEM DE SE ELEVAR O TOM DA LUTA

PORQUE ESTAMOS FARTOS DE MENDIGAR POR MAIS TRABALHO

PORQUE EXIGIMOS A RUA COMO NOSSA

27 maio 2010

Bem prega S.Jerónimo


Jerónimo de Sousa fez um grande discurso na assembleia por ocasião da apresentação do PCP da moção de censura ao governo. "... Foram os mais de 700 mil desempregados ou os que já nem direito têm ao subsídio de desemprego? Foram os trabalhadores despedidos da indústria naval, da siderurgia, da Quimonda, da Rodhe, da Delphi do sector têxtil, os mais de um milhão de trabalhadores com vínculos precários os mais de 40 mil jovens diplomados sem emprego nem alternativas, os milhares de comerciantes sufocados e arruinados na concorrência desleal com as grandes superfícies, nas centenas de milhar de pequenos agricultores que viram arruinadas as suas explorações agrícolas, os pequenos empresários da indústria que entraram na falência devido aos custos dos factores de produção e a falta de firmeza do Governo nas negociações da OMC, foram os pescadores e os trabalhadores da Marinha Mercante que viram as respectivas frotas serem abatidas?..."

Ele e o PCP não têm poupado esforços na mobilização para a grande manifestação de sábado em Lisboa, convocada pela CGTP e apoiada por todos quantos se revejam na necessidade de aumentar o combate, acelerá-lo e elevá-lo para outros patamares, aqueles que vejam resultados. Eu vou estar na manifestação e estou ao lado de quase tudo o que diz Jerónimo de Sousa. Infelizmente o que diz Jerónimo de Sousa não corresponde com os resultados das práticas que o PCP tem tomado desde o congresso que preparou a consagração de uma certa ideia de luta para derrotar a direita (o mesmo que prepara a entrada de Jerónimo de Sousa como secretário-geral).

Bem pode pregar Jerónimo que temos de derrotar as políticas de direita quando o PCP não tem feito outra coisa que ajudar à construção da PAZ SOCIAL de que o capital gosta tanto de se gabar no nosso país. Quando não consegue estar em plataformas unitárias, quando não consegue estar em lutas que não controle ou domine, quando perseguiu centenas de militantes empurrando comunistas (muitas vezes com uma história e experiência de luta insubstituíveis) para fora das estruturas que eles ajudaram a construir. Afastou com as suas práticas fechadas centenas de pessoas da luta, ajudou ao desacreditar e ao afastamento de tantas pessoas da política. Falo a partir de factos concretos, não são considerações vagas construídas a ler as teses dos congressos ou as notícias nos jornais. O PCP, na última década, contribuiu activamente (não descartando a responsabilidade, ainda que menor, do BE) para a construção da paz social. Se as coisas chegaram ao Estado a que chegaram -no nosso país particularmente- foi com a ajuda de Jerónimo de Sousa, por muito bem que ele fale e por muitos boas intenções que possam estar nas centenas de militantes que, de forma abnegada, dão o seu tempo a procurar que o mundo possa ser de outra maneira.
A verdade é que o papa e o seu exército de religiosos também querem um mundo melhor, mas aquilo que ensinam na prática é a obediência e a conformação.

18 maio 2010

São José Almeida esta semana no Público



"(...) O Governo assumiu assim de forma clara que a sua autonomia é nenhuma e que apenas gere a sociedade de acordo com interesses que são externos à própria política e até ao país e que pertencem ao domínio da economia e do mercado. Aquilo que há 30 anos vem sendo apontado como uma crítica sem fundamento de meia dúzia de radicais e comunistas torna-se agora explícito. A adoração e a obediência aos interesses do mercado ditam regras que têm de ser seguidas por todos os países. E as medidas anunciadas esta semana mais não foram do que a imposição a Portugal das directivas da União Europeia para atalhar à crise e devolver a estabilidade ao mercado.

Ora o que é extraordinário não é que esta realidade tenha ficado claramente exposta pelo desenvolver da semana política. O que é extraordinário é a facilidade com que os dois principais líderes partidários portugueses mudam de discurso e defendem medidas opostas de um dia para o outro sem pestanejar, nem explicar sequer. Adoptando uma espécie de Bloco Central, não oficial mas apenas oficioso, os líderes do PS e do PSD, José Sócrates e Pedro Passos Coelho, acertaram entre si a forma como o Governo chefiado pelo primeiro concretizará as imposições europeias sobre como baixar o défice em Portugal. E com o maior à-vontade deitaram para o balde do lixo aquilo que até à semana passada afirmavam como convicções políticas profundas.

Não só Pedro Passos Coelho foi eleito há pouco mais de um mês e foi consagrado num congresso há um mês, precisamente garantindo que era o paladino da defesa dos interesses da classe média portuguesa e que em nome desta não aceitava aumentos de impostos. Mais: exigia mesmo que o Governo não onerasse a classe média ao diminuir os benefícios fiscais do IRS. Mas também José Sócrates foi eleito há sete meses e meio com a promessa programática de que não haveria aumento de impostos. Uma promessa que tem reafirmado amiúde, até à semana passada, e que foi para o lixo, repetimos, embrulhado no mesmo saco que foi a terceira ponte sobre o Tejo e outras obras públicas que eram consideradas, até há alguns dias, como vitais à modernização do país e ao desenvolvimento da economia.

É evidente que quando se questiona a facilidade com que os principais líderes políticos portugueses mudaram de ideias, não se está a defender uma manifestação de independência nacional e de soberania que se sabe que não existe, nem faz sentido no mundo globalizado de hoje. O Estado-Nação do século XIX e do século XX faz parte da história e representaria hoje um retrocesso histórico e um anacronismo. Portugal só beneficia em estar enquadrado numa comunidade alargada e nada perde até em seguir um caminho federador. O que se questiona é ao nível global e não passa apenas por Portugal. Ou seja, até que ponto é que os actuais líderes políticos ocidentais e os partidos políticos dos Estados democráticos são úteis às populações europeias e ocidentais (...)"
São José Almeida, "Ainda há partidos politicos", jornal Público, 15/05/10

14 maio 2010

O Fascismo Financeiro, por Boaventura de Sousa Sants

Há doze anos publiquei, a convite do Dr. Mário Soares, um pequeno texto (Reinventar a Democracia) que, pela sua extrema actualidade, não resisto à tentação de evocar aqui. Nele considero eu que um dos sinais da crise da democracia é a emergência do fascismo social. Não se trata do regresso ao fascismo do século passado. Não se trata de um regime político mas antes de um regime social. Em vez de sacrificar a democracia às exigências do capitalismo, promove uma versão empobrecida de democracia que torna desnecessário e mesmo inconveniente o sacrifício. Trata-se, pois, de um fascismo pluralista e, por isso, de uma forma de fascismo que nunca existiu. Identificava então cinco formas de sociabilidade fascista, uma das quais era o fascismo financeiro. E sobre este dizia o seguinte.”
O fascismo financeiro é talvez o mais virulento. Comanda os mercados financeiros de valores e de moedas, a especulação financeira global, um conjunto hoje designado por economia de casino. Esta forma de fascismo social é a mais pluralista na medida em que os movimentos financeiros são o produto de decisões de investidores individuais ou institucionais espalhados por todo o mundo e, aliás, sem nada em comum senão o desejo de rentabilizar os seus valores. Por ser o fascismo mais pluralista é também o mais agressivo porque o seu espaço-tempo é o mais refractário a qualquer intervenção democrática. Significativa, a este respeito, é a resposta do corrector da bolsa de valores quando lhe perguntavam o que era para ele o longo prazo: “longo prazo para mim são os próximos dez minutos”. Este espaço-tempo virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica de lucro especulativa que o sustenta, confere um imenso poder discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar de suficientemente poderoso para abalar, em segundos, a economia real ou a estabilidade política de qualquer país.
A virulência do fascismo financeiro reside em que ele, sendo de todos o mais internacional, está a servir de modelo a instituições de regulação global crescentemente importantes apesar de pouco conhecidas do público. Entre elas, as empresas de rating, as empresas internacionalmente acreditadas para avaliar a situação financeira dos Estados e os consequentes riscos e oportunidades que eles oferecem aos investidores internacionais. As notas atribuídas – que vão de AAA a D – são determinantes para as condições em que um país ou uma empresa de um país pode aceder ao crédito internacional. Quanto mais alta a nota, melhores as condições. Estas empresas têm um poder extraordinário. Segundo o colunista do New York Times, Thomas Friedman, «o mundo do pós-guerra fria tem duas superpotências, os EUA e a agência Moody’s». Moody’s é – uma dessas agências de rating, ao lado da Standard and Poor’s e Fitch Investors Services. Friedman justifica a sua afirmação acrescentando que «se é verdade que os EUA podem aniquilar um inimigo utilizando o seu arsenal militar, a agência de qualificação financeira Moody’s tem poder para estrangular financeiramente um país, atribuindo-lhe uma má nota».
Num momento em que os devedores públicos e privados entram numa batalha mundial para atrair capitais, uma má nota pode significar o colapso financeiro do país. Os critérios adoptados pelas empresas de rating são em grande medida arbitrários, reforçam as desigualdades no sistema mundial e dão origem a efeitos perversos: o simples rumor de uma próxima desqualificação pode provocar enorme convulsão no mercado de valores de um país. O poder discricionário destas empresas é tanto maior quanto lhes assiste a prerrogativa de atribuírem qualificações não solicitadas pelos países ou devedores visados. A virulência do fascismo financeiro reside no seu potencial de destruição, na sua capacidade para lançar no abismo da exclusão países pobres inteiros.
Escrevia isto a pensar nos países do chamado Terceiro Mundo. Não podia imaginar que o fosse recuperar a pensar em países da União Europeia.
Revista Visão, 6 de Maio de 2010