28 junho 2025

Black & White. Poesia, anti-racismo e a Revolução Russa pt. 2

 Fernando Ramalho 

greve geral dos escravos

Na sua obra maior, The Black Reconstruction in America 1860-1880, publicada em 1935, o sociólogo e historiador norte-americano W.E.B. Du Bois fornece-nos uma inovadora perspectiva sobre a Guerra Civil Americana (1861-1865), o seu desenrolar, desfecho e consequências. Na abertura do célebre quarto capítulo do livro, intitulado «Greve Geral», uma frase de resumo do capítulo dá o mote para uma verdadeira inversão no modo como tanto a historiografia quanto a militância política olhavam, na América pós-Depressão – como, na verdade, sempre olharam antes –, para a história da Guerra Civil: «De como a Guerra Civil significou emancipação e o trabalhador negro venceu o conflito através de uma greve geral que transferiu o seu trabalho do plantador confederado para o invasor do Norte, em cujas frentes de batalha começaram a ser organizados como uma nova força de trabalho.»

Ao definir a fuga em grande escala de escravos das plantações1 em direcção às linhas da frente do exército da União como uma greve geral, ou seja, como um movimento em que uma enorme massa de trabalhadores deserta do seu trabalho procurando com isso melhorar as suas condições, Du Bois baralha as contas a quase todos os seus leitores. Por um lado, aos académicos liberais, que sempre viam os escravos como uma massa amorfa, inferior e incapaz de qualquer agencialidade, formulando a história como uma grande obra do poder e das elites. Por outro, e com consequências políticas semelhantes, aos pensadores e militantes de esquerda e marxistas2, habituados a circunscrever esquematicamente a classe trabalhadora à condição do assalariamento, considerando os escravos numa posição fora dos limites do proletariado e, por conseguinte, da possibilidade de aquisição de uma consciência de si enquanto potência anticapitalista. Aos primeiros, a intelectualidade liberal, Du Bois inverte a tese de que a abolição da escravatura se devera ao progressismo dos líderes da União, ou mesmo que esse tivesse sido desde o início o tema central da guerra. Du Bois mostra como, pelo contrário, o tema da abolição da escravatura estava ausente dos propósitos da União na sua resposta à secessão dos Estados do Sul e como foi introduzido no conflito pela entrada em cena dos escravos enquanto sujeito, ou seja, pela sua greve geral que deslocou centenas de milhares das plantações para as linhas da União, quer como força militar quer, sobretudo, como força de trabalho. Ao mesmo tempo, a densificação que a tese de Du Bois empreende sobre o conceito de classe constitui um contributo inestimável para o pensamento marxista, ainda que, no contexto da hegemonização estalinista, se tenha mantido uma visão ultraminoritária, condição em que se manteria por muito tempo

Buala, continuar a ler  

13 junho 2025

Turismo-imobiliário e Chega: o nexo a desarmar na economia

 A extrema-direita cresceu nas eleições legislativas de 18 de maio ao ponto de se tornar a segunda força no Parlamento. A mudança estrutural ocorrida na economia portuguesa, centrada na sobreprodução de turismo e imobiliário, com salários baixos e habitação a custos elevados, tem degradado as condições de vida dos trabalhadores. O estreitamento das possibilidades da política económica de inverter esta mudança estrutural deixa um vazio que a extrema-direita ocupa — e que à esquerda não é criticado com a clareza necessária.

por Nuno Teles - Le Monde diplomatique - junho 2025

Crescimento económico, desemprego historicamente baixo, inflação de 2%, ganhos reais dos salários. Lendo estes indicadores, não parece muito surpreendente a vitória e reforço da votação da Aliança Democrática nas últimas eleições. Afinal, depois de um ano de governo, para quê mudar? Todavia, a surpresa foi o segundo lugar da extrema-direita no Parlamento, que se soma ao reforço da restante direita neoliberal. Corrupção, imigração, ciganofobia e racismo, ubiquidade mediática de André Ventura, ressurgimento internacional da extrema-direita são algumas das explicações já oferecidas há um ano, quase sempre elaboradas de forma isolada. Na verdade, na nova geografia do voto no Chega, embora o voto tenha concentrações nas regiões periurbanas, a homogeneidade geográfica mostra que, provavelmente, o voto obedece a várias motivações sobrepostas. Aqui chegados, importa explicar estes resultados num quadro de mudança estrutural da economia portuguesa, com várias contradições conjunturais, refletidas na degradação da vida dos trabalhadores.

Depois de um período de estagnação, desindustrialização e aumento do desemprego, Portugal tem beneficiado, desde 2015, de crescimento económico e do emprego só interrompidos pela pandemia de Covid-19. Refletindo o seu carácter semiperiférico na economia internacional, o sucesso foi assente na procura internacional por turismo e nos fluxos de capitais externos. Estes, em busca de rendibilidade, num contexto de baixas taxas de juro, aproveitaram os preços baratos dos ativos nacionais pós-Troika. O peso do turismo no produto interno bruto (PIB) quase duplicou no período entre 2013 (5,4%) e 2023 (9,5%). O emprego disparou 68% no setor de alojamento, restauração e similares no mesmo período. O crescimento do turismo conduziu à recuperação do setor do imobiliário e da construção. O emprego no setor da construção aumentou 40% e nas atividades imobiliárias cresceu 120%. Os preços da habitação mais do que duplicaram de 2015 até 2024. Criou-se, assim, um nexo turismo-imobiliário que comanda a acumulação de capital em Portugal. O dinamismo destes sectores, dependentes do acesso à terra, conduziu à criação de vários tipos de rendas fundiárias. A competição entre capitais faz-se pela captura destas, seja através da sua ampliação direta, investindo (por exemplo, na hotelaria, casinos ou habitação), seja pela aposta especulativa futura, por via de alterações regulatórias ou do investimento público e privado num determinado território.

Esta dinâmica de acumulação de capital não beneficia apenas o capital estrangeiro. Velhos e novos milionários viram as suas fortunas crescer. Segundo o ranking da revista Forbes, algumas das famílias portuguesas mais ricas do país, investidas no imobiliário e turismo, viram o seu património crescer no período de 2019 a 2024: de 4173 para 5400 milhões de euros na família Amorim; de 1192 para 1770 milhões na família Alves Ribeiro; e de 681 para 1750 milhões na família Pestana. Paralelamente, novos capitalistas, também eles lucrando com o nexo turismo-imobiliário, tornaram-se os principais proprietários de meios de comunicação social, como Mário Ferreira, principal acionista da Media Capital (TVI, CNN Portugal, Rádio Comercial) ou Marco Galinha, principal acionista da Global Media Group (TSF, Diário de Notícias, Jornal de Notícias). Em torno destas fortunas foi também dinamizado um conjunto de atividades «profissionais», desde os escritórios de advocacia até à consultoria, com o surgimento de um novo estrato de «profissionais» qualificados e bem remunerados. A estes somam-se os proprietários de habitação, agora valorizada em determinadas localizações, que também beneficiam deste nexo.

Se o capital e seus serviçais se recompuseram e reforçaram depois da crise de 2011-2013, o mesmo não aconteceu com a generalidade dos trabalhadores. O emprego cresceu muito nos últimos dez anos, mas, sendo o nexo turismo-imobiliário assente nos baixos salários, os ganhos salariais estiveram quase exclusivamente associados à elevação, em termos reais, do salário mínimo. As sucessivas reformas laborais e consequente progressivo desmantelamento de sindicatos e negociação coletiva impediram um aumento generalizado dos salários ou o reequilíbrio de poder entre trabalhador e patrão, naquilo que são os horários e condições do processo de trabalho. Embora o rendimento bruto nominal do trabalho médio tenha crescido 14% entre 2020 e 2023, puxado pelos aumentos de salário mínimo, o rendimento médio real, descontado da inflação, ficou estagnado, resultando na crescente compressão salarial entre o mínimo e o médio.

Rendimentos dos trabalhadores e custo da habitação

Ainda assim, os salários, mesmo descontados da inflação, são cada vez mais uma medida insuficiente para medir a evolução do rendimento dos trabalhadores nos aspetos básicos da reprodução social do trabalho, como a alimentação, habitação ou saúde. No setor da alimentação e bebidas não alcoólicas, o aumento de preços foi de 13% em 2022 e 10% em 2023, bem acima da inflação de 7,8% e 4,3%, respetivamente, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Na habitação, que é principal custo das famílias, a prestação do crédito à habitação não aparece no índice de preços. A prestação média do crédito à habitação chegou a mais de 400 euros, em 2024, quase o dobro do mínimo histórico de 2020. A falta de investimento e a degradação na saúde faz com que, em 2021, os pagamentos (privados) diretos tenham sido de 29% do total da despesa de saúde no país, contra uma média na União Europeia de 18,9%.

Esta é, pois, uma crise social diferente da de 2011-2014, mas comum à restante Europa. Os trabalhadores sofrem uma crise na sua reprodução social, assente numa economia em que os setores mais dinâmicos dependem dos preços baixos oferecidos à procura e capital externos. Como Karl Marx afirmou na sua análise da renda fundiária absoluta, os setores produtivos de onde as rendas fundiárias são extraídas dependem necessariamente de menor composição orgânica do capital, ou seja, de mais trabalhadores do que a média da restante economia. A análise continua verdadeira. A dependência da abundância de trabalho deu origem à onda migratória de centenas de milhares de trabalhadores que afluíram a Portugal, não competindo diretamente com os trabalhadores residentes no mercado de trabalho, mas modificando a dinâmica demográfica de várias cidades e pressionando o acesso a serviços públicos extenuados por anos de falta de investimento.

Neste contexto, o crescimento da extrema-direita deixa de ser uma surpresa. Num quadro mediático hegemonizado pela direita, os problemas dos trabalhadores com salários estagnados, num quadro de inflação e de aumento da prestação da casa, não são atribuíveis à intervenção direta do Estado, ao contrário do que aconteceu durante os anos de intervenção da Troika. O mal-estar individual é apresentado como resultado inevitável do «mercado», as mais das vezes com origem internacional. Não é entendido como problema que possa realmente ser resolvido pela política pública, mais ou menos tecnocrática, como parte da esquerda foi argumentando durante a campanha.

Com alvos muito concretos, dos políticos corruptos aos imigrantes, mas soluções difusas, as mais das vezes neoliberais autoritárias, a extrema-direita ocupa o vazio deixado pelo estreitamento das possibilidades da política, sobretudo económica. Deixa também de ser surpresa o concomitante sucesso da outra direita neoliberal, assente, não na retórica de proteção «nacional», associada à extrema-direita, mas na responsabilização individual e meritocrática, alimentado pelas redes sociais. A exceção a este quadro talvez seja o Serviço Nacional de Saúde (SNS), onde é o subinvestimento, enquanto escolha governamental, a origem da degradação dos cuidados de saúde. No entanto, com milhões de portugueses a recorrerem a esquemas privados ou semiprivados (como a ADSE) no acesso à saúde, a discussão sobre o SNS arrisca-se a ser, cada vez mais, uma discussão que deixa de fora boa parte da população.

O sucesso da extrema-direita e da restante direita neoliberal não é unicamente atribuível à conjuntura (e estrutura) difícil para a esquerda. A despolitização do discurso em muita esquerda é um facto que vai para lá de qualquer discussão sobre o Tiktok ou entrevistas no Youtube. Numa economia política externamente sobredeterminada, grande parte da esquerda parece ter aceitado as regras de um jogo político e mediático, viciadas à partida, oscilando entre o discurso casuístico e tecnocrático das políticas públicas que procuram minorar os problemas estruturais da relação trabalho e capital, o genérico «resolver os problemas das pessoas» ou simplesmente prometendo que poupará aos cidadãos a maçada de eleições futuras. A oposição política foi circunscrita ao cenário parlamentar nos partidos de direita. Não alcança o patrão ou o senhorio, substituídos pelos abstratos «mega ricos» e «especuladores». Privilegia-se a redistribuição, via impostos e benefícios sociais e/ou fiscais, desistindo-se da reflexão e crítica ao modelo económico e da distribuição primária de rendimento, entre salário e lucro.

Corrupção, imigração, racismo: que discurso à esquerda?

Igualmente preocupante é a incapacidade de muita esquerda de articular um discurso sobre temas onde a extrema-direita prospera, seja a corrupção, a imigração ou o racismo. A corrupção e o sistema de justiça foram objeto de silêncio, talvez entendidos como meros casos de polícia ou, como no caso de Luís Montenegro, como falha de carácter. Porém, um diagnóstico do papel das rendas fundiárias nos lucros do imobiliário e turismo conduz inevitavelmente à raiz do problema presente. Ganhos extraordinários podem ser conseguidos com o tráfico de influências e a corrupção, na viciação da regulação pública nos usos de imóveis, das classificações territoriais às licenças de turismo, hotelaria ou de jogo. O combate eficaz à corrupção implica, pois, a destruição destas rendas, pela regulação e propriedade pública.


Se a corrupção não chegou a ser assunto à esquerda, com o aumento da imigração, dois tipos de discurso à esquerda emergiram, ambos adaptando diferentes discursos da direita. No primeiro, a questão é colocada em termos utilitaristas ou culturalistas, seja ao considerar a imigração como essencial à economia ou à sustentabilidade da segurança social, seja na ideia de que existem trabalhos fora do interesse dos portugueses. No segundo discurso, procura-se esvaziar a extrema-direita, embarcando nos seus termos, mas de forma moderada ou «codificada», com generalidades sobre regulação da imigração ou um respeito de valores europeus ou ocidentais, implicitamente superiores (no momento em que União Europeia patrocina um genocídio). Tenta-se, assim, copiar o discurso político, no mínimo estigmatizante, dos sociais-democratas dinamarqueses, dos trabalhistas britânicos ou do recém-criado BSW (Aliança Sahra Wagenknecht) alemão. De ambas as discussões ficam ausentes os problemas de um modelo económico dependente de imigração, onde o trabalho barato e abundante é condição simultânea do seu sucesso e de crise da reprodução social do trabalho, traduzida em pressão sobre serviços públicos e habitação. Ausente do debate político está também a responsabilização política do Norte Global num modelo económico e político que destrói a paz e o ambiente, conduzindo ao desespero de quem abandona família e amigos pela tentativa de uma vida melhor.

Uma análise de esquerda sobre imigração tem de colocar no seu centro a defesa do, vulnerável, trabalhador imigrante. Para isso, a questão não pode estar desligada de uma reflexão de esquerda sobre racismo, tão presente no discurso da extrema-direita. O antirracismo à esquerda é sobretudo proclamatório e performativo, baseado na experiência individual, ou, pior, negacionista (o racismo enquanto exceção). Partindo desta atitude liberal perante o racismo, este seria combatido pela educação e, eventualmente, pela lei. Ausentes, também, do debate estão as raízes históricas, as condições sociais e a presente economia política que promovem o racismo e a segregação racial dos trabalhadores, essenciais à permanência de uma mão-de-obra disciplinada no nexo de acumulação turismo-imobiliário. O trágico assassinato de Odair Moniz, enquanto reflexo do racismo estrutural que prolifera na economia política dos centros e periferias urbanas foi, salvo honrosas exceções, esquecido nesta campanha.

A esquerda não pode deixar a extrema-direita a falar sozinha, nem cair na armadilha de discutir nos termos definidos por esta. A construção de um discurso antifascista implica um diagnóstico cuidado da relação entre capital, nacional e internacional, e trabalho. Não por acaso, essa foi uma das marcas da estratégia política do antifascismo português antes do 25 de Abril. Nessa esteira, precisamos de alargar o debate político nas suas diferentes vertentes económicas, orçamental, monetário, industrial, de forma a responder, eficaz e sistemicamente, aos problemas do salário, das condições de trabalho, do endividamento, dos preços, dos serviços públicos. Hoje, tal resposta sistémica implica uma atitude antissistémica e socialista, desafiadora do capital nas suas contradições presentes, da crise de reprodução social à crise ambiental, passando pela ameaça armamentista. É neste campo que se faz o combate à extrema-direita, apontando, como tem sido feito neste jornal, o seu entrelaçamento com os interesses fundiários, corruptos, de exploração de mão-de-obra barata.

A alternativa é fácil de vislumbrar. Este modelo de crescimento económico, baseado no turismo e construção, especulativo e vulnerável aos apetites dos fluxos de capital internacional, no momento em que encontrar dificuldades à acumulação de capital, entrará em crise com estrondo. A sobreprodução no turismo e imobiliário será agravada pelo contágio à esfera financeira, que atualmente comanda o investimento nestes sectores, e por um exponencial aumento do desemprego, dada a sua natureza intensiva em trabalho. Num inevitável cenário de quebra de receitas públicas, um regresso da austeridade parece provável neste quadro europeu. Tudo o resto constante, estarão reunidas as condições para uma vitória eleitoral da extrema-direita.


17 janeiro 2025

Realismo Capitalista

Fisher destaca um sintoma social crucial para os tempos atuais, que difere do cinismo ou da apatia: a impotência reflexiva, que teria a estrutura de uma profecia autorrealizável. Na impotência reflexiva, sabemos que as coisas estão piorando, e “sabemos” que não podemos fazer nada a respeito, mas esse saber não é uma mera representação passiva de uma realidade objetiva. Na verdade, contribui ativamente para reforçá-la em uma espiral hipersticional implosiva, produzindo, em parte, o imobilismo que reproduz a condição. Esta experiência é estetizada em termos kafkianos, cada um em seu aprisionamento burocrático.

(...)

Por um lado, um Fisher cada vez mais pragmático e programático estava preocupado em pensar uma política que disputasse o centro do tabuleiro, o mainstream, que pudesse ter efeitos práticos institucionais e avançasse concretamente na direção de consolidar uma base de poder. Esse tipo particular de orientação, diz Fisher, não aposta todas as suas fichas numa transformação repentina e definitiva, e nem concede o terreno do que é “realista” ao inimigo. Trata-se de avaliar sobriamente os recursos que estão disponíveis para nós aqui e agora, e pensar sobre como podemos melhor usá-los e ampliá-los, para nos movermos – “talvez devagar, mas certamente com propósito” – de onde estamos para onde desejamos chegar.

(...)

É a combinação do utópico com o pragmático que tanto se faz necessária hoje: pragmatismo sem utopia leva à resignação rebaixada do neoliberalismo progressista, enquanto utopia sem pragmatismo nos deixa “na posição da bela alma: com as mãos limpas, mas inúteis”.


"Mark Fisher nos ajudou a pensar para além do realismo capitalista"


POR Victor Marques e Rodrigo Gonsalves

01 janeiro 2025

Hanukkah invites us to bring light into the world - JVP

Tragically, the Zionist movement chose to put its faith in human power and national territorial sovereignty, seeking to create a “Third Jewish Commonwealth” in historic Palestine. In so doing, it forged a wholly new Jewish identity: an internalization and inversion of European antisemitic themes of Jewish feebleness. This ideal prioritized physical strength and militarism, and was often exemplified by the revival of the Maccabees as Jewish heroes, forsaking the miracle of the oil for a focus on violent militarism. 

This reinterpretation has troubling implications today, as it echoes in the ongoing violence in Gaza, where militarism perpetuates suffering and destruction, often using ancient symbols of Jewish tradition as forms of psychological violence. The enduring message of Hanukkah — resilience through faith and light — has been overshadowed by this glorification of force.

 One of the most striking examples of this distortion is the sight of menorahs being lit amidst the rubble of Gaza by IDF soldiers. These acts, extensions of the militarization of Hanukkah through Zionism, desecrate the profound message of the holiday. The Hanukkiah, a beacon of hope and divine presence, has been reduced to a tool of domination. Such actions betray the ethical core of Jewish tradition, which calls for the pursuit of justice and collective human dignity


Jews Voice for Peace

1.01.2025

22 dezembro 2024

The lives they lived - NY Times

 





21. From Yusuf El-Mbayed
The Lives They Lived


Wafa Al-Udaini Captured the Experiences of Palestinians From Within

As a journalist, she was determined to tell a story of Gaza that was full of life. 21.12.24



The Mediterranean Sea traces the 25-mile-long stretch of coastal land that makes up Gaza; for many people there, it is a lifeline. The poet Mahmoud Darwish understood those waters as the sole possession of Palestinians, writing in his poem “The Strangers’ Picnic”: “I will embrace a wave and say: Take me to the sea again. This is what the fearful do: when a burning star torments them, they go to the sea.”

 Wafa Al-Udaini grew up entranced by that same sea. The waters offered relief for overheated bodies, a backdrop for gatherings, fish to grill for dinner. When the Israeli military destroyed clean-water wells and desalination plants, it became essential in a different way: It was a place to wash dishes, do laundry and, occasionally, under extreme duress, even drink.

 When Al-Udaini became a journalist, she traced the story of Israel’s occupation of Gaza by its impact on the water and, in turn, on the lives of those who depended on it. This was also her way of ensuring that the story of Palestinians was not told only by the number of civilians killed or bombs dropped.

 She wrote about the fishermen who relied on catching anchovies and sardines to sell and feed their families. It was a dangerous profession, she wrote, mainly because of the risk of being fired on by Israeli naval gunners. The men she interviewed told her that the Israeli blockade limited their access to equipment for their boats, leading them to replace their motors with truck engines, which can result in capsizing. And yet many of them returned despite the precarity. As one fisherman told her: “I love the sea and its smell. It’s an indescribable thing.” In another article, she wrote about the reduction of water pollution to the sea, which was caused by Israeli airstrikes on sewage networks. She interviewed a woman named Sabah who was elated to go surfing for the first time in years.

 Al-Udaini was raised in the city Deir al-Balah, in the middle of the Gaza Strip, by a large extended family. In 2007, she completed her English studies at Al Aqsa University. She quickly became frustrated by Western media’s coverage of Gaza as a place of violence, extremism and poverty. She resolved to be a voice from within, telling the stories of its pleasures alongside its hardships. She wrote for smaller outlets to start, eventually working her way up to regular bylines in The Guardian and The Middle East Monitor. In 2009, she founded an organization called 16th October to train young writers and activists in Gaza to work with English-language organizations. (The group was named for the day the U.N. began to review a report that found evidence that both the Israeli military and Hamas committed war crimes in the 2008-9 Gaza conflict.)

 Al-Udaini documented the way cultural traditions could become peaceful weapons of defiance. In 2018, she covered the Great March of Return, which started out as weekly demonstrations demanding the end of the Israeli blockade and the right of return for refugees and ended up stretching on for over a year. She marveled at the endurance of those who kept attending the protests despite losing limbs after being hit by rubber bullets and tear-gas canisters, describing them as “the image of sumoud,” Arabic for steadfastness. Once, she observed people in an exuberant folk dance called the dabka; another time, she was moved by the sight of elders holding the keys to their former homes that they were forced to leave in 1948.

 

Al-Udaini became a frequent commentator on Palestine Chronicle TV, which airs on YouTube. She always wore a niqab, even though she felt it risked impeding her ambitions to become a prominent voice in the West. Her eye shadow often matched the fabric of her head scarf, pale pink or shimmery opal, eyes flashing as she delivered her reports. Her voice was often raspy, carrying the strain of someone deprived of sleep and time.

 

After a 2023 interview with a particularly hostile British journalist was picked up by the Israeli media, Al-Udaini shared with friends and colleagues that she was receiving threats. Eventually she moved to a town outside Deir al-Balah, where she and her husband built a two-story house surrounded by fields and farms. They loved it, even though electricity and running water had been cut off.

 On Aug. 7, Al-Udaini published her last article, about outrage over the deaths of Ismael Alghoul and Rami Alrifi, two Al-Jazeera journalists who were killed by an Israeli drone strike while in a car marked “PRESS.” A little over a month later, Al-Udaini’s house was hit by an Israeli airstrike, killing her; her husband; their 5-year-old daughter, Balsam; and their 7-month-old son, Tamim. She is survived by her other two children, Malek and Siraj, who now live with her parents. Their whereabouts is unknown.

 Al-Udaini once wrote an article about the catastrophic loss of Gaza’s almond trees. The Israeli military forced farmers to uproot acres of trees — and the rest were damaged by the contaminated water supply. Almond blooms signify spring and form the basis of local dishes and even children’s games. “They grew so well in Palestine that when asked how they are, locals would reply, ‘Almond!’” she wrote. “It was a sign of goodness, health, greatness. No longer.”

 

Jenna (J) Wortham is a staff writer for the magazine who has written about wellness apps and how the pandemic changed the internet.

12 dezembro 2024

Solidarity in the Age of Digital Genocide

 “Whiteness” is the name for the elimination of all persons not designated “white.” That whiteness may or may not correlate to skin tone. It may eliminate by removal. It may be content to let the slow violences (as Rob Nixon has it) of environmental collapse, epidemics and poverty do its work. Or not, as now.

When genocide becomes “fast,” violent and deliberate, as it has since October 7th, whiteness mobilizes, catalyzes, and accelerates. In these past 14 months, it has been enabled by AI, the cloud, drones and “smart” bombs. Digital genocide is not virtual. 

(...)

In all cases, “they” (the non-white, non-straight, non-citizen) are to be denied in favor of “us” (the old and new white people). This “us” is the digitally-imagined exclusionary nation, whether in “France for the French,” “Make America Great Again,” or Brexit. Or, in its now exemplary form, the Zionist concept of Israel as a country where only Jews can be citizens."


Solidarity in the Age of Digital Genocide

04 outubro 2024

Diário da Bica

 I know my coffee, my mother’s coffee, and the coffee of my friends. I can tell them from afar and I know the differences among them. No coffee is like another, and my defense of coffee is a plea for difference itself. There’s no flavor we might label “the flavor of coffee” because coffee is not a concept, or even a single substance. And it’s not an absolute. Everyone’s coffee is special, so special that I can tell one’s taste and elegance of spirit by the flavor of the coffee. Coffee with the flavor of coriander means the woman’s kitchen is not organized. Coffee with the flavor of carob juice means the host is stingy. Coffee with the aroma of perfume means the lady is too concerned with appearances. Coffee that feels like moss in the mouth means its maker is an infantile leftist. Coffee that tastes stale from too much turning over in the hot water means its maker is an extreme rightist. And coffee with the overwhelming flavor of cardamom means the lady is newly rich.

No coffee is like another. Every house has its coffee, and every hand too, because no soul is like another. I can tell coffee from far away: it moves in a straight line at first, then zigzags, winds, bends, sighs, and turns on flat, rocky surfaces and slopes; it wraps itself around an oak, then loosens and drops into a wadi, looks back, and melts with longing to go up the mountain. It does go up the mountain as it disperses in the gossamer of a shepherd’s pipe taking it back to its first home.

The aroma of coffee is a return to and a bringing back of first things because it is the offspring of the primordial. It’s a journey, begun thousands of years ago, that still goes on. Coffee is a place. Coffee is pores that let the inside seep through to the outside. A separation that unites what can’t be united except through its aroma. Coffee is not for weaning. On the contrary, coffee is a breast that nourishes men deeply. A morning born of a bitter taste. The milk of manhood. Coffee is geography.


 Mahmoud Darwish,  Memory for Forgetfulness

August, Beirut, 1982


Segredos Oficiais - 2019

 


O filme de 2019 relata a história verídica de uma agente dos serviços de informação ingleses que em 2002 percebe que os EUA preparam a guerra no Iraque através da intimidação e assédio sobre outros países de forma a receberem destes apoio à sua iniciativa. Sozinha e colocando o seu trabalho e vida em risco (ainda não tinha acontecido a morte do cientista inglês que fez parte da equipa internacional que foi ao Iraque pesquisar as armas de destruição maciça, e denunciou a mentira dos EUA), vai denunciar o que considera que o Reino Unido devia recusar fazer, acreditando que isso pode evitar ou ajudar a evitar a guerra. Não evitou porque nessa altura como agora, os nossos  governos (Europa e EUA) não estavam preocupados com a oposição maioritária das suas populações, que se manifestaram de forma expressiva nas ruas. 

Se uma ação corajosa não impediu a guerra pôs-nos a todos do lado do conhecimento. A verdade não vem sempre ao de cima, ela existe porque há seres humanos que dão consequência e significado à sua humanidade. 

"Porque os outros calam / mas tu não"

11 setembro 2024

Investigação NY Times

 Como Israel abate civis propositadamente desde o início, 


How a Single Family Was Shot Dead on a Street in Gaza

By Riley Mellen, Neil Collier, Natalie Reneau and Alexander CardiaSeptember 6, 202

 New York Times


20 junho 2024

Os problemas no texto de António Araújo e a arquitetura de Tomás Taveira

 

1.  O circo mediático que o autor critica e que faz derivar até ao presente, com as fake news e a produção de personas como Trump, serve a este texto de base de alimento, não deixando Araújo de chafurdar nalguns pormenores que escolhe em detrimento de outros para viver, ele também, no que chama circo. Um alimento feito assim farto e para todos.

2.     Não somos todos seviciados pela arquitetura de Tomás Taveira como faz decorrer Araújo, presumindo que o seu sentido de gosto reflete uma mundividência do “bom senso”, tique assaz costumeiro a quem pretende ou aceita narrativas hegemónicas e logo hierárquicas e de controlo, estilo “west is the best”. A arquitetura tem aqui, em vários aspectos, um papel importante. Nos espaços onde é discutida à produção e usufruto dentro do quadro do capitalismo tardio, da sua intensa financeirização nas últimas décadas e, na propensão a tudo abarcar, da gestão do território, urbanização, habitação, aos direitos, como o direito à cidade e as suas condições de habitabilidade e convivialidade.  

“Num primeiro plano, a Arquitectura é a construção de um cenário onde o jogo cultural se desenrola, pois, em determinado sentido enquadra, fixa e torna significativa a vida e as relações humanas. Acresce que esse sentido depende sempre de um sistema de valores “culturais”. Sem Arquitectura certamente poriamos em causa a nossa identidade como protagonistas de uma ficção a que chamamos Mundo. Aliás, a Cultura faz isso mesmo: inventa o mundo como cenário. E ao inventá-lo dita os termos em que estamos aptos para lidar com ele. É compreensível, pois, que ofereçamos sempre resistência a qualquer alteração que ponha em causa a nossa identidade”, (Lucinda Fonseca Correia, O património da memória e do esquecimento, JA, Jornal Arquitectos, 2017)

3.  Uma certa direita ressabiada com o processo revolucionário pós 25 abril, do apoiante sionista Moedas, elevando os calcanhares no púlpito da Câmara para que o ouvissem dizer que ia preparar as celebrações do 25 de novembro pretendendo assim, em jogos de secretaria, fazer equivaler a importância das duas datas, até a Araújos &quejandos. 

Com efeito, e por muito que nos custe a crê-lo, o presente extremismo político e as suas pulsões totalitárias são herdeiros directos da atmosfera feérica dos anos 80 e da sua divisa, mais tarde levada ao limite, nothing is true and everything is possible. Primeiro, destruíram-se as noções de verdade, de objectividade, de racionalidade e, a seguir, as distinções éticas entre o bem e o mal, o certo e o errado. E depois surgiu Trump” AA

Este ressabiamento e querer ajustar contas com os processos revolucionários que alteraram profundamente o país, está no preconceito de classe que creio existir nos olhos com que António Araújo vê algumas das personalidades sobre as quais decide fazer a Prova de Vida. No texto sobre Tomás Taveira torna-se mais evidente porque relaciona as  frustrações com as derivas dos anos 80, afinal a década em que os Zé-ninguéns começaram a chegar em grande número às universidades, à administração pública, e de repente uma gente sem pedigree (ver a preocupação em apurar a filogénese da personagem Castelo Branco em crónica anterior) está em todo o lado. Esta gente, para além de não saber estar à mesa, ainda vai dar aulas na faculdade, manda bocas ao presidente da república, mais um pouco e estão no foyer do São Carlos a largar gases sonoros junto à condessa de Vila Praia de Âncora&Caribe. O pós-modernismo pop foi longe demais, levou-nos ao niilismo, da arquitetura de Taveira ao Lux e logo depois das questões de género ao trumpismo. Tudo uma grande desgraça que não só explica o atraso económico como a feiura das nossas cidades antes certas e apolíneas. 

 “todos os arrivistas odeiam a memória, até porque ela lhes vem lembrar o lugar de onde vieram e as humilhações sofridas ao longo dos anos” AA

4.  Apesar das vítimas, sem sabermos exatamente de que forma e moldes, António Araújo não estranha o filme de Taveira estar disponível ao público. O único julgamento e acusação penal que resultou sobre o escândalo foi o da divulgação sem conhecimento e consentimento das mulheres envolvidas. Apesar desta condenação aí está a divulgação atual sem que a Justiça, apesar de uma ação em tribunal a condenar esse facto, nada faça para impedir o crime, pelo menos aquele ao que se chegou na altura. Hoje talvez esperássemos ou exigíssemos, enquanto sociedade, que a Faculdade de Arquitetura onde continuou a dar aulas assumisse uma posição diferente.  O arquiteto viria a ter aí um processo discipular por outros motivos que não o envolvimento com alunas relacionado com a avaliação das mesmas.

Perante esta suma indiferença, AA ainda se compara às vítimas do filme pela forma como a arquitetura de Taveira também o sevicia e abusa, uma analogia que prefigura o lugar e o respeito que Araújo dedica a quem foi a vítima do crime e sobre o qual se permite realizar toda uma série de juízos.

5.   O outro maior problema do texto de António Araújo é desqualificar a obra do arquiteto através da pessoa (como faz o romancista francês de “O Brutalista”). Seria o mesmo que desqualificarmos António Araújo  enquanto historiador  e investigador por ter sido apoiante de Cavaco Silva ou por manifestar estranhas fixações com a palavra sodomia.

6.  Provavelmente António Araújo não deve andar de metro e por isso desconhece a estação das Olaias, que, numa dimensão faraónica nas plataformas, tem a surpreendente característica de não deixar os corpos humanos que a habitam numa posição minúscula, antes jogando com as entradas de luz e as cores que atravessam nos vitrais ou transparências para o acesso aos pisos superiores ou para o exterior. Este jogo, alimentado pela distribuição de cor nos pavimentos, nas colunas, conseguindo ainda abrir espaço e dialogar com as muitas obras de arte de outros artistas presentes, faz desta estação um lugar de explosão de alegria e acolhimento que não encontram paralelo noutras estações do metropolitano, onde também arquitetos e artistas brincaram com as cores e o espaço. A estação de Chelas na mesma linha, por exemplo, com jogos de cores em volumes e reentrâncias muito interessantes, não consegue apesar disso libertar-se da sensação de um espaço escuro e fechado.

 



 








Araújo refere ainda como a arquitetura de Taveira é indiferente ao espaço ou pré-existências onde se implanta, também não deve conhecer Chelas, no bairro do Condado, que um punhado de arquitetos foi chamado a projetar. Os vários edifícios de Taveira, os únicos que não alpenduram torres altas no topo de colinas, espécie de pesadelo de marca das nossas periferias mais isoladas, numa solução de encher muito e desqualificar ao mesmo tempo espaço e pessoas. Aqui Taveira não construiu em altura, como nas Olaias, porta de entrada para o Vale de Chelas, ou noutros lugares, e mais ainda, desenha os seus edifícios com os mesmos pormenores, decorativos e cromáticos que coloca noutros projetos para habitação de classes altas ou para edifícios de serviços. Em Chelas adequa a paisagem, o topo de uma colina, com a qualidade construtiva. Outros exemplos de integração, mas em malha urbana consolidada, como na Av. D. João XXI, em frente à sede da CGD, onde num vértice da fachada desenha uma chaminé em homenagem à memória das altas chaminés da gigantesca Fábrica Lusitânia, que ocupava o lugar hoje ocupado em parte pelo bunker monolítico da Culturgest. Caído ali como podendo ter caído noutro lugar do universo,  num deserto ou no fim de um beco atrás da principal praça de uma vila qualquer. Ainda em integração ver nas traseiras deste edifício da João XXI, outro projeto de habitação de Tomás Taveira (Av. Óscar Monteiro Torres) que não está desintegrado, decorridas já algumas décadas, com os desenhos de fachadas ao longo do mesmo arruamento, edifícios do início do século passado, principalmente junto ao Campo Pequeno e das décadas seguintes a chegar à Av. Roma. 










 




Como para a maioria dos arquitetos há obras excelentes, outras que eram excelentes mas os projetos em torno de urbanização ou novas construções deixaram desadequadas ou com ar inacabado (o topo das Olaias por ex. com a construção do Hotel e com a falta de articulação com os bairros sociais - Portugal Novo), outras más ou de que gostamos menos ou que passámos a integrar como óleo de fígado de bacalhau (Torres das Amoreiras). 

As classes sociais raramente convergem, mas se puderem fazer alianças temporárias no projeto e construção de uma arquitetura comunitária de múltiplos valores, será preciso que todos tenham uma consciência do paradoxo e alguma ironia e agudeza de espírito.

Compreender o conteúdo das mensagens pop e o modo como ele é projetado não significa que seja preciso concordar com esse conteúdo, aprová-lo ou reproduzi-lo. (Venturi e Scott Brown, Aprendendo com Las Vegas)


Josina Almeida, junho 2024