"(...)Dois factos são sistematicamente apagados nesta visão de celebração. Na África do Sul, a maioria pobre continua a viver praticamente como vivia nos tempos do apartheid, e a ‘conquista’ de direitos civis e políticos é contrabalançada por violência, insegurança e crime crescentes. A única mudança é que onde havia só a velha classe governante branca há agora também a nova elite negra. Em segundo lugar, as pessoas já quase nem se lembram que o velho Congresso Nacional Africano não prometera só o fim do apartheid; também prometeu mais justiça social e, até, um tipo de socialismo. Esse ANC muito mais radical do passado está a ser gradualmente varrido da lembrança. Não surpreende que a fúria esteja outra vez a crescer entre os sul-africanos pretos e pobres
A África do Sul, quanto a isso, é só a mesma versão repetida da esquerda contemporânea. Um líder ou partido é eleito com entusiasmo universal prometendo “um novo mundo” – mas então, mais cedo ou mais tarde, tropeçam no dilema chave: quem se atreve a tocar nos mecanismos capitalistas? Ou prevalecerá a decisão de “jogar o jogo”? Se alguém perturba esse mecanismo, é rapidamente “punido” com perturbações de mercado, caos económico e o resto todo. Por isso parece tão simples criticar Mandela por ter abandonado a perspetiva socialista depois do fim do apartheid. Mas ele chegou realmente a ter alguma escolha? Andar na direção do socialismo seria possibilidade real? (...)
Se quisermos permanecer fiéis ao legado de Mandela, temos de deixar de lado as lágrimas de crocodilo das celebrações e focar-nos em todas as promessas não cumpridas infladas sob a sua liderança e por causa dela. Assim se verá facilmente que, apesar da sua indiscutível grandeza política e moral, Mandela, no fim da vida, era também um velho triste, bem consciente de que o seu triunfo político e a sua consagração como herói universal não passavam de máscara para esconder uma derrota muito amarga. A glória universal de Mandela é também prova de que ele não perturbou a ordem global do poder".
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