Um caso sórdido ao gosto de uma informação reles
Destaque: Que raio se ensina nos cursos de comunicação e de jornalismo?
Não se lhe conhecia qualquer actividade social, intelectual, científica, artística u política meritória ou, sequer, relevante. Era um personagem medíocre, de cujo perfil apenas pude recolher dois traços, que alguma comunicação social considerou merecedores de referência: era homossexual e era "cronista social". O primeiro traço deveria ser completamente irrelevante, já que emerge da
liberdade de orientação sexual, que apenas a cada um diz respeito. Todavia, considerada alguma prosa que a ocasião suscitou, terá tornado a vítima mais digna de dó – vá-se lá saber porquê!
O segundo, considero-o pouco menos que desprezível: significa que a criatura “ganhava” a “vida”a escrevinhar coscuvilhices e a debitar maledicências, chafurdando nos dejectos dos socialites. A viagem que o levou a Nova Iorque tinha um óbvio móbil “romântico”, que a
comunicação social preferiu apenas insinuar, não por pudor, mas porque a insinuação
vende melhor do que a afirmação: tratava-se, simplesmente, de seduzir um jovem de 21 anos.
Quanto a este, também os seus motivos parecem evidentes: “pendurou-se” no
idoso para, explorando as suas “inclinações”, beneficiar dos seus supostos contactos internacionais, iniciando uma carreira no mundo da moda.
Estavam, pois, bem um para o outro. Nada me interessam os pormenores abjectos que rodearam o assassinato. Deixo-os aos media, lambendo os beiços com a sordidez da história, muito melhor do que o criador de qualquer reality show poderia inventar. O que não posso deixar de lastimar é a falta de vergonha da nossa comunicação social, com destaque para as televisões: há uma semana que os noticiários das 8 abrem com dez ou quinze minutos da "tragédia". Não as imagens horríveis das cheias no Brasil – que ficaram sempre para depois – mas as imagens ridículas dos correspondentes em Nova Iorque, repetindo à exaustão o detalhe dos testículos cortados e a agressão com um televisor (?) – que deve ser um crime especialmente hediondo, aos olhos de quem trabalha para uma cadeia de televisão – e entrevistando em prime time advogados de sotaque extravagante e peritos forenses, para prognosticarem a acusação que irá ser feita ao homicida, ou recebendo no aeroporto os amigos, de ar compungido, do morto.
É para isto que serve a informação televisiva, incluindo a do canal público que
ós pagamos: para preencher o espaço deixado vago pelo desaparecimento do jornal O crime.
Desculpem o desabafo: a informação televisiva tem mesmo de ser esta espécie de teledifusor de lixo? Que raio se ensina nos cursos de comunicação e de jornalismo? E desculpem o excesso de aspas: servem para eu resistir à tentação do vernáculo menos próprio, chamando às coisas os nomes que às coisas são.
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – Campus de Campolide – 1099-032 LISBOA
Tel: 213847400 Fax: 213847471 e-mail jc@fd.unl.pt
Exmo Professor João Caupers
Tendo lido o texto que colocou a circular publicamente na internert não consigo deixar de lhe devolver esta resposta como protesto de indignação e repulsa.
Qualquer pessoa com o mínimo de senso e conhecimento compreende o popularismo e a forma como os media têm vindo a descer os seus níveis de qualidade e rigor, em especial as televisões (as de sinal aberto particularmente). Isso não é surpresa, o que surpreende é um professor catedrático descobrir esse facto em Dezembro de 2010. Onde andou estes últimos anos? Não o preocupou até aqui o tabloide na informação? Estranho esta surpresa e como o seu texto indignatório começa por chamar medíocre a alguém que acaba de morrer - facto de natureza subjectiva e irrelevante para o conteúdo das suas acusações (se a pessoa fosse o nobel da literatura podiamos dar mais atenção à sua morte? penso que não é isso que a sua disciplina ensina) como afirma coisas que não são verdade - era uma relação consumada e pública segundo todos os amigos que privavam com o casal - ninguém foi levado para ser seduzido, só posso concluir que o seu texto não é movido pela indignação em como a comunicação social não dá a devida atenção às coisas mais importantes, mas que isso lhe serve de pretexto para dirimir os seus preconceitos e ódios pessoais.
Carlos Castro não era só homossexual, foi um activista dos direitos dos homossexuais, porque foi -num país atávico e homofóbico -tomo o seu texto como um exemplo - alguém que deu a cara e assumiu a sua diferença num período em que raros ou muito poucos o faziam. Isso faz dele alguém de uma enorme coragem, coragem essa que a homofobia presente no seu texto e na comunicação social reles não apagará.
Melhores cumprimentos
O Professor Caupers teve a amabilidade de me responder. Aproveitou para me dizer que tinha recebido e-mailes de apoio ao seu texto e manda-me um de exemplo (um rico exemplo).
Exma. Senhora,
Recebi o seu texto, que me mereceu a melhor atenção, pese embora discordar de tudo quanto nele se escreve.
Rectifico apenas um ponto: não pus o texto a circular na internet. Foi escrito para uma coluna de opinião mantida pela página da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e destinada a provocar debate e polémica com os estudantes e outros membros da comunidade académica.
Terá sido posto a circular, provavelmente, por uma das pessoas – mais de uma dezena – que não conheço e que me escreveram a felicitar. Envio-lhe um texto bem mais violento do que o meu.
Com os meus cumprimentos.
Apoio na íntegra o texto.
O cronista social foi Fernão Lopes: Aquele a quem se refere, foi cronista marginal. Só uma franja da sociedade, muita estreita e marginal rastejava pelos seus textos infectos.
Não tenho pejo em revelar que, no dia que se soube da sua morte, tive a sensação de que a sociedade ficou mais limpa.
Pouco me importa se isto é bonito e correcto ou não; foi o que senti e sinto.
Quanto à outra parte – a das TV e especialmente a publica – deve-nos desculpas e pedidos de reparação por inundar as nossas vidas, vezes sem conta, com banhos de porcaria em que eles próprios se comprazem.
Parabéns
Cruz Fernandes
3 comentários:
Credo, que nojo!!!
E essa gente assina com nome e tudo, não têm vergonha...
Graças a isto fui ver a entrada wikipedia sobre o Kato. É incrível, até o relato do funeral.
Quanto ao Caupers, enfim...
A proposta de lei que ia proibir e penalizar com a morte a homossexualidade acabou por ser retirada hoje. Não vai sequer chegar a ser lei, graças à pressão internacional!
Enviar um comentário