"Marx dizia: o mérito de Lutero foi o ter determinado a essência da religião, definindo-a não a partir do objecto mas como religiosidade interior; o mérito de Adam Smith e de Ricardo foi o terem determinado a essência ou a natureza da riqueza, não como natureza objectiva mas como essência subjectiva abstracta e desterritorializada, actividade de produção em geral. Mas, como esta determinação se faz nas condições do capitalismo, eles objectivam de novo a essência, alienam-na e reterritorilizam-na, mas agora sob a forma de propriedade privada, dos meios de produção. De modo que o capitalimo é, sem dúvida, o universal de todas as sociedades, mas apenas na medida quem é capaz de levar até certo ponto a sua própria crítica, isto é, a crítica dos meios pelos quais ele re-encadeia o que, nele, procurava libertar-se ou aparecer livremente. É preciso dizer o mesmo de Freud: a sua grandeza foi a de ter determinado a essência ou a natureza do desejo, não em relação aos objectos, fins ou origens (territórios), mas como essência subjectiva abstracta, líbido ou sexualidade. Simplesmente, ele refere ainda esta essência à família, como última territorialidade do homem privado (donde a situação do Édipo, que no princípio, nos Três Ensaios, é marginal, e que depois se vai abatendo progressivamente sobre todo o desejo). Tudo se passa como se Freud se desculpasse por ter descoberto a sexualidade, dizendo-nos: garanto-lhes que isto não sairá da família. E assim temos o segredinho nojento em vez da imensidão entrevista; o rebatimento familiarista em vez da deriva do desejo; pequenos riachos recodificados no leito materno em vez dos grandes fluxos descodificados; a interioridade em vez de uma nova relação com o exterior".