24 outubro 2012

Estivadores de Portugal - A importância da nossa greve

Esclarecimento
Todos os dias os Portugueses são bombardeados com notícias sobre a greve nos portos cuja verdade fica perdida nos critérios editoriais da comunicação social.
Desde há largas semanas, os Estivadores estão em greve e durante este percurso têm desenvolvido variadas formas de luta. Actualmente, a “greve” dos Estivadores cinge-se aos sábados, domingos e feriados e dias úteis entre as 17 e as 08 do dia seguinte. Ou seja, cada estivador trabalha, afinal, o que trabalha cada português que ainda não está no desemprego: 8 horas por dia, 40 horas por semana.
Sabia que o ritmo de trabalho de um estivador chega a 16 e até 24 horas por dia?
Sabia que nos portos se trabalha 24 horas por dia, 362 dias por ano?
Sabia que Portugal é dos poucos países da Europa onde os profissionais da estiva não têm direito a reforma antecipada por profissão de desgaste rápido?
Sabia que o trabalho na estiva é hoje extremamente especializado requerendo uma formação profissional exigente e sofisticada?
Sabia que devido aos equipamentos pesados envolvidos nas operações a nossa actividade, actualmente, não suporta amadorismos que conduzem, frequentemente, a acidentes mortais ou incapacitantes?
As empresas em vez de exigirem uma requisição civil dos Estivadores deveriam exigir o cumprimento da Lei aprovada em 1993 por um governo Cavaco Silva.
Porque, se os Estivadores “merecem” uma requisição civil, então porque não exigir que essa requisição se estenda a todos os Portugueses que ainda conseguem trabalhar um turno normal de trabalho e transformamos este País num campo de trabalhos forçados?
Com os Estivadores a trabalhar um turno normal de trabalho interessa responder a outra pergunta. Como é que havendo, neste momento, portos mais ou menos amigos a trabalhar, esta nossa “greve” provoca o bloqueio económico do País e entope as exportações redentoras?
Pura e simplesmente porque as empresas do sector não querem admitir para os seus quadros as largas dezenas de jovens profissionais de que o mundo da estiva necessita. E o País jovem desempregado anseia.
Mas então é “só” por isto que os Estivadores estão em “greve” tão prolongada? Não. Ao longo dos anos as greves nos nossos portos têm-se sucedido por esta mesma razão. As empresas do sector apenas têm admitido novos Estivadores profissionais na sequência de greves de Estivadores.
Mas os Estivadores não se esquecem que já foram todos precários até 1979 e recusam voltar mais a esses tempos de escravatura, de indignidade e de miséria.
Acontece que as empresas monopolistas do sector portuário, estão a tentar aproveitar a passagem, esperamos que fugaz, de um governo com cartilha ultraliberal assumida, para lhes encomendar uma lei conveniente que acabe com a segurança no emprego, as nossas condições dignas e a organização sindical.
Para isso, este governo fez um acordo perverso com pseudo-organizações sindicais que representam, quando muito, 15% dos Estivadores nacionais — simulando um acordo nacional — e incendiando os portos onde trabalham os restantes 85% dos Estivadores. Com total menosprezo pelos prejuízos para a economia nacional que sabia ir provocar.
Em resumo, este governo assinou um acordo com os “amigos” de Leixões onde nas últimas duas décadas o sindicato aceitou, para os respectivos associados, uma diminuição salarial de cerca de um terço e o retalhamento do seu âmbito de actividade em clara violação da lei em vigor.
Assim, desde 1993, as empresas portuárias no porto de Lisboa admitiram cerca de 200 novos Estivadores efectivos enquanto, em Leixões, e no mesmo período, as empresas locais que pertencem aos mesmos grupos económicos das de Lisboa, admitiram o total de ZERO novos Estivadores efectivos.
Como se não bastasse a estes “sindicalistas” terem alienado o futuro dos seus sócios e respectivos filhos, bem como da restante juventude local, pretendiam agora, através deste acordo indigno, alienar as hipóteses de muitos jovens portugueses encontrarem no sector portuário uma alternativa para o desemprego, a precariedade, a miséria, a dependência e a emigração forçada.
Se aceitássemos o que nos querem impor, dois terços dos actuais Estivadores profissionais iriam engrossar as filas do desemprego. A que propósito, quando nos querem hoje a trabalhar 16 e mais horas por dia? É pela dignidade da nossa profissão que estamos em luta.
Os Estivadores de Lisboa, Setúbal, Figueira da Foz, Aveiro, Sines, Viana do Castelo, Caniçal — Estivadores do Portugal todo, porque não? — lutam por um futuro digno para os Portugueses. Por isso gritamos bem alto. E não nos calam!

Este texto pode ser encontrado no site e tem sido distribuido na rua pelos próprios

23 outubro 2012

CARTA A MÁRIO CESARINY NO DIA DA SUA MORTE



Hoje soube-se uma coisa extraordinária,
que morreste. Talvez já to tenham dito,
embora o caso verdadeiramente não
te diga respeito, e seja assunto nossos (sic), vivo.


Algo, de facto, deve ter acontecido
porque nada acontece, a não ser o costume,
amor e estrume; quanto ao resto
tudo prossegue de acordo com o Plano.


Há apenas agora um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável.


Depois, de gato para baixo, mortos
(lembrei-me disto de repente
agora que voltaste malevolamente a ti)
estamos todos. A gente vê-se um dia destes por Aí.



Manuel António Pina

09 outubro 2012

Alex Tsipras fala sobre a situação do país e da Syriza

Creio que o modelo europeu deve ser reconstruído desde baixo. Não podemos ficar satisfeitos com o que hoje se chama Europa. A crise atual não é uma crise europeia, mas sim uma crise mundial. A Europa não conta hoje com mecanismos para enfrentar e controlar o ataque financeiro mundial contra os povos da Europa. Isso explica porque a Europa se converteu em um continente onde o ataque do sistema financeiro mundial é feroz. Estamos sem defesa.

O euro, a moeda única, não é uma moeda impossível, quer dizer, uma divisa que não representa a realidade dos 17 países que compõem a zona euro e que, por conseguinte, impõe sacrifícios a muitas nações que não estão à altura do que o euro necessita para existir?
O euro não é a única razão da crise, mas é parte dela sim. A mola propulsora da crise é a arquitetura do euro dentro da Europa. Precisamos de ter uma moeda única, mas não uma moeda controlada, cuja única função é fazer favores ao grande capital e aos ricos. Precisamos de uma moeda que responda às necessidades dos povos. Temos uma moeda única, mas faz-nos falta contar com a capacidade de ter políticas para todos os países, em especial para os países da periferia que estão a sofrer neste momento. O Euro é um fenómeno mundial único: temos uma moeda única, ou seja, uma união monetária, mas carecemos de união política e de um Banco Central Europeu capaz de oferecer ajuda a todos os países da Europa.

Não há uma contradição na sua postura: ser de esquerda e, ao mesmo tempo, defender o euro?

Essa contradição existiria se defendesse o atual modelo de funcionamento do euro, o que representa, a sua arquitetura e a hegemonia exercida dentro dessa moeda única. O problema não é a moeda única, mas sim as políticas que acompanham essa moeda. O euro converteu-se numa prisão para os povos da Europa, em especial para as economias mais débeis da periferia que estão a enfrentar a crise. A contradição está na base a partir da qual se construiu o euro. O euro é um barril de pólvora que vai explodir se seguirmos neste rumo. As políticas de ajuste que andam de mãos dadas com o modelo neoliberal dentro do euro vão conduzir-nos à destruição da moeda. Mas quem vai pagar por isso serão os povos e não os bancos que vão tratar de salvar-se. O sectarismo dogmático das elites europeias que defendem esse modelo está a provocar um retrocesso de muitas décadas na Europa.

O grau de diagnóstico que você e a esquerda fazem da problemática é brilhante. Mas não se encontra a mesma eficácia na forma de enfrentar o sistema liberal. Como sair então da poesia do diagnóstico e entrar de verdade num processo de reforma contundente?

Uma boa maneira consiste em começar a mudar as correlações de força na sociedade. Em maio e junho passados, o partido Syriza esteve muito perto de romper essa correlação de forças que existia. A Grécia converteu-se numa experiência ultra-liberal, num porquinho da índia. Aqui colocou-se à prova a política do choque para logo em seguida ampliá-la para o resto da Europa. Mas temos a reação da sociedade. As pessoas já não têm a vida cotidiana que tinham antes e são essas mesmas pessoas que reagiram para que as coisas mudassem. Com a sua mobilização a sociedade ameaçou as elites do nosso país. Isso significa que estamos a mudar a correlação de forças mediante o comportamento crítico das massas. Cabe recordar que depois da ocupação nazi-fascista de nosso país, poucos anos depois, em 1958, a esquerda esteve a ponto de chegar ao poder. Perdemos as últimas eleições por uma margem estreita. Mas é preciso levar em contra que, do outro lado, não tínhamos como adversários somente as forças políticas, mas também um sistema financeiro mundial e europeu muito poderoso, que nos combateu com todas as suas armas de maneira feroz.
Se tivéssemos vencido as eleições, talvez a Grécia se converteria no elo débil capaz de romper a cadeia que sujeita hoje a Europa. Talvez a Grécia pudesse ter passado, assim, da condição de um rato de laboratório para a de um futuro bebé, o embrião da esperança. Mas ainda não perdemos essa oportunidade histórica. Os povos ainda não deram a última palavra

ler a entrevista completa em esquerda.net