Vejo que o meu bom amigo João Neto concorda com o senhor SEC em acabar com as gratuitidades nos museus e palácios do IMC,IP, em três domingos de manhã. Percebe-se até que o mais correcto, do seu ponto de vista, seria acabar com todas as gratuitidades. Tudo o que tem custo, deve ser pago, a custos reais, a custos reduzidos ou até a custos simbólicos. Claro que existe um pequeno problema jurídico: a Lei-Quadro dos Museus Portugueses obriga os museus públicos a estabelecerem períodos de gratuitidade. A SEC entende agora que quatro horas por mês é suficiente para cumprir a Lei. O João Neto iria mais longe e proporia a alteração de uma Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República. Coisa de somenos. Legislação à parte, existe aqui sobretudo um problema social e político. Logo depois dos domingos de manhã, o João Neto talvez apoiasse o fim das gratuidades para as escolas. Depois ainda para os reformados, etc. etc.Pela mesma ordem de razões, também o acesso a arquivos e bibliotecas deveria ser pago. Como há tempos alguém dizia, já não me lembro onde, as bibliotecas então são especialmente injustas porque dão (a palavra “dar” incomoda, de facto) livros a ler aos leitores, e até os deixam levar para casa, em flagrante concorrência desleal com as livrarias, onde os mesmo livros têm de ser comprados.Estamos neste Mundo de formas diferentes, dir-se-á, porque lá onde o João Neto vê contradições, eu vejo cidadania. O curioso é que vejo eu e vêm os políticos, de esquerda ou de direita, e responsáveis de museus, públicos e privados, que por esse Mundo fora têm feito aumentar, e não diminuir, as práticas controladas da gratuitidade em museus. Fazem-no uns por motivação cívica, como eu próprio; fazem-no outros por estratégia de mercado. Mas fazem-no.Em todo o caso, nem sequer seria aqui preciso invocar grandes debates e opções, porque falamos apenas do mínimo dos mínimos – os domingos de manhã – e estava eu convencido que a disposição constante de Lei-Quadro dos Museus Portugueses colhia a unanimidade entre os profissionais de museus. Afinal há excepções. Quanto aos ganhos financeiros da medida, que mantenho serem residuais, é claro que eu me referi a eles globalmente porque precisamente as receitas de bilheteira sempre foram, e tanto quanto se pode vislumbrar, sempre serão arrecadadas e geridas centralmente. Ou seja, o apoio que o João Neto dá agora à SEC, contrapõe uma realidade concreta, a que temos, a um desejo algo piedoso de um futuro em que os museus arrecadem 60% das suas receitas – medida que deveria, aliás, ser muito mais profundamente amadurecida e que eu pessoalmente teria hesitações em defender. A questão da sustentabilidade financeira dos museus é demasiado complexa e deve ser estuda em detalhe – por isso o ICOM.PT vai organizar uma jornada sobre o assunto, em 7 de Novembro, no Museu Nacional de Soares dos Reis, com oradores que sabemos defenderem os mais díspares pontos de vista, mas desejavelmente todos ancorados na realidade concreta. Ora, todos sabemos como é sempre mais cómodo defender princípios etéreos, sem aplicação real no presente, aproveitando de passagem para dares ares de sensatez e espírito dialogante.[Incidentalmente, não posso deixar de assinalar como a SEC compreendeu e valorizou bem o oportuno apoio que recebeu, a ponto de apressadamente ter concedido à APOM uma audiência aguardada há meses, fazendo-o na véspera de audição parlamentar onde haveria o risco de se dizer que o senhor SEC, apesar de ter afirmado o contrário, não tinha ainda efectivamente recebido nenhuma associação de museus, como não recebeu de arqueologia, do património arquitectónico, etc.]Diz o João Neto que em alguns museus da SEC estas verbas dos domingos de manhã poderão constituir receitas expressivas. Com excepção do Museu Nacional dos Coches, pergunto-me em quais ? Em alguns Palácios Nacionais admito que venham a ser significativas e que não haja até decréscimo dramático de visitantes quando se introduzir o pagamento. A situação existente nesses Palácios em relação ao aproveitamento ilegítimo que as agências de turismo fazem da gratuitidade aos domingos de manhã justificaria, aliás, uma revisão dos termos concretos desta prática. Mas em todos os demais museus, essas receitas não serão assim tão significativas e conduzirão a importante diminuição de visitantes. Basta comparar os números actuais de visitantes durante as manhãs e durante as tardes de domingo para perceber a dimensão do decréscimo expectável.De resto, os cálculos estão feitos e ninguém os desmentiu. Com o número de visitantes actuais as receitas de três domingos de manhã poderão ser na ordem dos 700 a 800 mil euros. Com o decréscimo inevitável que vai ocorrer, poderão diminuir para metade, ou seja, 350 a 400 mil euros. Estes valores representam 2%, ou menos, do orçamento de funcionamento, do IMC,IP. Se tivermos em conta as verbas totais do investimento público nos museus da SEC (verbas nacionais e verbas europeias), então os valores indicados situam-se na ordem das décimas percentuais.Dito tudo isto, subsiste o mais importante: a questão das gratuitidades aos domingos de manhã é um assunto tão, tão secundário que nos não deveria mobilizar e eventualmente dividir. E não o fará, nem institucional, nem pessoalmente. No caso concreto das minhas momentâneas diferenças de opinião com o João Neto então, atentos os laços de amizade que temos desde há anos, já décadas, seria preciso muitíssimo mais para que tal sucedesse.
Luís RaposoPresidente do ICOM Portugal17.10.2011