30 maio 2006

Il existe des murs d'importance,
abritant des palais imposants,
où s'engouffrent des vents immobiles,
où ne pénètre jamais le froid.

Il existe des gens sans conscience
qui signent des décrets malfaisants
et radotent des lois imbéciles
qui balaient la raison et le droit.

Il existe des lieux d'insolence,
à l'abri des gueux et des perdants,
où s'ébattent des princes futiles,
brûlant des fortunes dans la joie.

Il existe, dans la douce France,
de la mort au milieu des vivants,
du désert au mitan de la ville,
des hivers qui durent douze mois.

J'ai vu des regards sans existence,
des fantômes qui trompent le temps,
des humains aux gestes malhabiles
qui mendient devant les cinémas.

Tout un peuple garde le silence,
mais le vacarme est assourdissant;
la détresse, sans cesse, défile
et se blottit sous le moindre toit.

Il existe des murs d'importance,
abritant des palais imposants,
où s'engouffrent des vents immobiles,
où ne pénètre jamais le froid.

Il existe, dans la douce France,
de la mort au milieu des vivants,
du désert au mitan de la ville,
des hivers qui durent douze mois.

Frio, música, frio, BD, frio (em Junho), frio e SDF

Está frio. Está mais frio desde a última vez que o disse aqui. Tenho andado aqui em conversa com o S. António, para lhe dizer que o S. Pedro este ano arrisca-se a apanhar-me de muito mau humor. Se alguém tiver aí um globo terrestre, importam-se de verificar se passámos para o hemisfério sul? É que o tempo está a arrefecer.

Este disco tem livros. Ou estes livros traziam três discos... nem sei bem.
A colecção "Le Cri du Peuple", de Tardi, faz a adaptação do romance homónimo de Jean Vautrin, e conta em BD a história da Revolução Francesa e da Comuna de Paris.

No último volume que comprei, vinha um desconto para a compra de um CD duplo de Serge Utgé-Royo, "Contrechamps... de ma mémoire", com música de combate e resistência do mundo inteiro. Nestes, incluem-se do Zeca: "Cantar Alentejano" e "Grândola, Vila Morena", cantadas com uma muito boa dicção.
Mas a canção de hoje vem num outro CD promocional, do mesmo cantor, e que se chama "Serge Utgé-Royo en public...". A canção, essa, chama-se "Des hivers qui durent douze mois" - "Invernos que duram doze meses" - e fala dos SDF (Sans Domicile Fixe), a maneira afrancesada e politicamente correcta(?) de se referir a quem dorme/morre na rua, de frio.

É que em Paris, no meio dos desfiles de moda, dos restaurantes que nem têm tabuleta porque são fechados e exclusivos aos super-VIPs, há todos os invernos um sem-número de gente que morre nas noites de frio. Morre-se de frio, por falta de um tecto ou um cobertor. Não se morre de fome, porque os caixotes do lixo parisienses têm sempre algo com que sobreviver. Morre-se de doença e overdose (como em Lisboa, Madrid, Porto, etc.). Mas além disso, morre-se de frio, numa noite, em 5 horas pode entrar-se em hipotermia e morrer.

Este ano em Paris o frio continua. E eu tenho frio, queixo-me de ter que continuar com as mesmas horríveis (só porque já não as posso ver) camisolas de lã, só de pensar que é Junho ainda custa mais; mas tenho a minha casa e as tais camisolas, mantas de lã e um aquecimento suplementar. Há quem esteja na rua. Tal como o meu aquecimento central foi desligado, os centros de acolhimento de inverno e as horas suplementares do Metro acabaram em Abril. Agora está frio, e para muitas pessoas não há mesmo para onde ir. As temperaturas também não estão a níveis mortais, certo, mas está aquela mistura de frio, vento e chuva.

Não há bela sem sermão

Eu dizia que era bela, inteligente e talentosa e vai ela aparece a cantar no estádio nacional para aquele amontoado de mulheres imbecis que compuseram a mais obstrusa bandeira nacional que serve de lançamento a um cartão bancário do BES dirigido ao universo feminino (como se sabe as mulheres precisam de cartões bancários de diferente tipo).

Feira do Livro

É das coisas que mais me faz falta quando não estou em Lisboa: a Feira do Livro. Eu sei que está calor (aliás, se mandarem dez grauzitos para cá a malta agradece e arruma finalmente as camisolas de inverno), sei que os preços já não são muito abaixo do preço de livraria, e que este ano até há obras no Parque.


Mas...
ainda tem livros e jardim, com sol à mistura; há calor, e barraquinhas de gelados; esplanadas rodeadas de mais livros; e o Tejo ao fundo, com cheiro de livros. E há os livros que já não se encontram nas livrarias, as surpresas, as descobertas, aquele livro que se procurou durante anos...

E há sempre aquele/a amigo/a que se encontra no meio dos livros e que já não se via há muito tempo, e a partilha de livros e de gostos.

28 maio 2006

A primeira recusa ao prémio Camões

Sei que foram íntimas e pessoais as razões para a recusa por isso só me resta ler o Luandino Vieira para ver se as entendo. Comigo funciona como marketing.

Centro Português de Fotografia

Um conjunto de fotógrafos organizou esta iniciativa contra os rumores que anunciam o fim do CPF. e como a página do blogger também está armada em câmara fotográfica rápida não poderei dizer mais.

27 maio 2006

A Resposta

Caetano e Gil
Tropicália 2
1993


A primeira música que pus chama-se "Rap popcreto" e é de Caetano Veloso.
A segunda chama-se "Cinema Novo" e tem letra e música de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

26 maio 2006

Décimo Livro à Quarta (atrasado)

Jogos da Noite
Stig Dagerman
Tradução:Miguel Serras Pereira (a partir da versão francesa)
Antígona : 1992

Descobri o Stig Dagerman por causa da Monica Calle e de uma peça que decidiu fazer a partir deste livro. Foi há mais de uma década na Casa Conveniente, espaço resgatado pela actriz para apresentar a sua versão da Virgem Louca de Rimbaud. A peça partiu de quatro contos escolhidos dos conjunto de contos em Jogos da Noite, ao lê-los descobri que tinha gostado mais da peça mas entretanto esta necessidade de consolo levou-me aos outros livros dele, também publicados pela Antígona, e que dizer? Talvez transcrever o texto da badana do meu favorito

"E então pensavas: em breve ficarei faminto, tornar-me-ei selvagem e sem escrúpulos, revoltar-me-ei, não abertamente mas de modo dissimulado, contra estes terroriistas. Com a cabeça fria, fazias projectos sobre a maneira como utilizarias a tua embriaguez, e é isso que é desprezível. Para que te serve o desejo de revolta se te recusas a revoltar-te quando estás saciado?"

A Ilha dos Condenados, Antígona, 1990.

Uma breve biografia e fortuna crítica (C.G. Bjurstrom) pode ser lida no Posfácio de A Serpente, Antígona, 2000.

Six Feet Under - Mães e cozinheiras

(não consegui resistir)
Mãe e filha estão a livrar-se dos seus homens, mas a ruiva filha apesar de ter ido buscar a fogosidade à ruiva mãe ainda não sabe como fazê-lo. A loucura de Billy pode despertá-la. A terceira mãe, Brenda, ocupa-se da cozinha há demasiados episódios deixando este travo de alguma consternação perante o modelo moderno de jovem casal americano. Já a mãe de todos ocupa esse lugar desde os primórdios da história mas seria o indicador razoável do gap geracional. Será que só em casa do casal gay veremos os dois às voltas na cozinha? Esperemos, em nome da heterogeneidade dos casais homossexuais e em nome do fim da homogeneidade dos casais hetero, que não.

25 maio 2006

A vida num país laico

Hoje foi feriado: dia da Ascensão.

Mais uma renovadora confessa

Isabel de Castro abandona os Verdes/PEV
"Quando há formas de trabalho, rotinas que se instalam, uma cristalização da forma de intervir que não são gratificantes, não faz sentido permanecer»

Gelado de Groselha

Uma vez publiquei aqui um desenho da Rita.
Entretanto ela decidiu mesmo mostrar as coisas que anda a fazer. Senhoras e senhores o Gelado de Groselha

21 maio 2006

E dura, e dura, e dura...


Até parece bonito... e tem o seu charme, sim. Três ou quatro meses por ano, em Dezembro ou Janeiro. Mas estamos quase em Junho! Já não há mais pachorra!
Parece que este ano se poupa em sandálias e t-shirts: a temperatura por aqui só desce.

19 maio 2006

Chama-se a isto um Senhor Conselheiro

Por onde passa, a comitiva de Sarkozy tem à espera manifestações de repúdio, entrevistas a figuras públicas locais que denunciam a lei sarkozyana da imigração escolhida. Todas as notícias sobre esta viagem são sobre os protestos.

Mas neste caso é o próprio conselheiro do Presidente do Benim, onde Sarkozy passou hoje o dia, que disse claramente ao francês Libé:

"Quer então dizer que esta lei tem uma conotação racial, ou mesmo racista?"
"Absolutamente. (...) É inaceitável. Querem eliminar a imigração africana."


Não posso esquecer que esta lei não existia há sessenta anos. Os imigrantes de há sessenta anos, fugidos aos nazis e à morte certa, entraram em França sem ser escolhidos, e salvaram assim a vida. Entre esses imigrantes estavam os pais deste ministro Sarkozy, que nasceu graças a um seu predecessor que não tinha leis de imigração escolhida.

E é a esta besta que os franceses parecem querer para Presidente...

Adivinha 2, ou de como as aparências enganam

Vem aí nova pista: a faixa número 2 do mesmo álbum.

Terá o touro um plano B?

Ontem foi um dia triste para a história da cidade de Lisboa. Regressaram as touradas à renovada praça de touros do campo pequeno. Eu, seguindo esta proposta, só vou ver a praça por fora.



Não nos bastava a Nª Srª de Fátima nos três canais em directo, o efeito futebol ao rubro, o país mais pobre da Europa, uma bandeira humana de mulheres totós a fazerem pior pelo seu género que os trolhas que cospem obscenidades às meninas dos liceus, temos a juntar à festa este espectáculo inominável que de facto demonstra ou explica a vocação de futuro que este país teima em não ter.

18 maio 2006

La loi de l'immigration choisie

A besta imperialista faz-se receber principescamente para explicar que o contrário nunca será possível.


Sarkozy (pois quem haveria de ser...?) desembarcou hoje em África para uma viagem por vários países, no dia em que a França aprova a lei da imigração escolhida.

A lei? A lei reinstaura os mercados de escravos, já não nos portos africanos, mas nos aeroportos e representações consulares. Dá-se-lhe um ar pretensamente "civilizado" para a ONU ver. Aí, voltam a escolher-se os negros a quem é dada a enorme honra de vir ser explorados em França e trabalhar nas condições que nós bem conhecemos.

A viagem? Na viagem, a besta imperialista faz-se receber com honras de estado no Mali, no Benin e na Libéria. Faz os estados africanos gastar na recepção o dinheiro que o FMI lhes vai chular, e que a população não tem. O propósito da viagem? O negreiro vai à sanzala explicar como funciona a nova lei e as novas formas de escolher a imigração.


E por onde anda Villepin? No Ultramar, pois então! Na ilha da Reunião, província ultramarina francesa, cujos cidadãos são tratados na metrópole como franceses de segunda, e cuja economia se vai mantendo, não graças à metrópole.



Do outro lado da Mancha
as notícias são as mesmas. Em França anuncia-se a política, em Inglaterra obtém-se o resultado.

Six Feet Under - The blue bird

Para a Ana Claúdia


Quando a família se junta é fucking explosivo. Retrato de todas as famílias verdadeiras. Há as outras, em que não há palavras fora do sítio.
Enquanto todos enlouquecem George, o louco verdadeiro, mantém-se lúcido. "Se ninguém nos estiver a ver onde é que nós estamos?". Nate mata o bebé de Brenda metaforicamente. O pássaro azul estava a pedi-las. Já não tinha havido a visita de um estranho pássaro a esta casa? Agora chegou a vez de Nate deitar tudo a perder. Haverá uma terceira vez para a redenção entre os dois?
Claire ficou presa ao estereótipo e não há argumentista que faça a actriz sair daquilo.
A família é constantemente visitada, não só por pássaros mas por todo o tipo de anjos, desta vez a filha de George; " a vida não é uma máquina onde ponhas a moeda virtude à espera que do outro lado saia felicidade".

17 maio 2006

Por outro lado

Está uma pessoa para escrever em como o país não funciona e vê uma entrevista com a Sara Tavares.

15 maio 2006

Os benefícios do Tabaco


Enclausurado numa divisão com dois por dois metros quadrados, sem janelas, a porta fechada, fumava na companhia de mais dez colegas de trabalho. A empresa tinha espaço para dar aos fumadores uma salinha bem maior e com uma janela, mas aqui o que lhes interessava era aproveitar a campanha que faz de um fumador um criminoso corrente para tornar as pausas de trabalho algo insuportável. Caramba, já a pausa era tão pequena, muito menor do que o código do trabalho impunha, o regresso ao trabalho sequenciado veloz e constante bem pediam que uma pessoa bebesse um belo café e fumasse um cigarro de ouro. Um cigarro daqueles, não substituível por mais dias de vida.
E os impostos que pavaga ao Estado de cada vez que comprava um maço será que eram menores daqueles que o Estado ia gastar com ele em saúde. Trabalhar naquele empresa e ser tratado daquela forma também lhe ia dar cabo da saúde, ainda mais rapidamente. E viver em Portugal também mata mas quando preenche a declaração de IRS todos os anos nunca lhe viu nenhum anúncio de prevenção. Ser Português mata, comece a falar outras línguas. Viver em Portugal mata emigre. O Estado português é nocivo ao desenvolvimento do feto, aborte.

13 maio 2006

Procura-se

Procura-se Prima perdida há um ano. Dá pelo nome de Vera e parece ter fugido do país (França), tendo deixado apenas raios, coriscos, trovões e frio. Até vento tem havido, que coisa que em Paris não existia até agora!

Se quiserem mandar daí um ou dois grauzinhos de temperatura, a malta agradece e até atura a chuva. E aí em baixo, que é um grauzito ou dois?

Acrescenta-se que não entendo a política de ligar e desligar os aquecimentos centrais a uma data determinada, independentemente do tempo que faça. O ano passado o aquecimento foi desnecessário durante cerca de um mês e continuava ligado. Agora é preciso, e népias!

12 maio 2006

Adivinha

Quem sabe dizer coisas sobre a música de hoje ali do cantinho?
Quem compôs, que tipo de música é... sei lá, coisas! Digam o que souberem. Quem sabe até pode gerar-se um debate bem giro.

Daqui a uma semana dou as informações todas, mas espero que alguém adivinhe antes!

09 maio 2006

A maldição de Midas

A maldição de Midas
A cultura do capitalismo tardio
Francisco Louçã

Os porquês do estado do Mundo explicados a todos num livro de leitura agradável: como viemos parar a esta situação em que no sul se morre de fome e no norte se deita comida fora? Em que os pequenos devedores do sul são obrigados a morrer de fome para pagar a dívida externa enquanto os grandes devedores do norte se limitam a acumular dívida?
Francisco Louçã, que é um economista reconhecido a nível mundial, explora a evolução da economia mundial ao longo dos últimos séculos para explicar como chegámos ao ponto em que nos encontramos. As "descobertas" e as colonizações, os diferentes modos como foram feitas pelos diversos países do norte, levaram por exemplo a que a situação africana seja diferente da situação na América latina, e ambas diferentes da situação asiática.


Tudo isto é explicado numa escrita corrida e agradável, sem qualquer exigência de conhecimentos específicos de economia ou história.

08 maio 2006

Mayday, Mayday - LIBERDADE!

Falei aqui do May Day, uma iniciativa de comemoração festiva do 1º de Maio, que visa chamar a atenção e unir esforços em volta dos prolemas de todos: trabalhadores, desempregados, precários, não-sindicalizados, sem-papéis, etc. Durante a manifestação, a polícia interveio e prendeu algumas pessoas. Parece que aqui em França não é raro. Vai tudo para a esquadra, faz-se a identificação, algumas humilhações, ofensas, e umas horas mais tarde volta tudo para a rua. Só que desta vez conseguiram encontrar acusações graves, ao que parece inventadas, contra dois jovens italianos que têm assim que aguardar julgamento na prisão.

Eu até acreditaria na versão da polícia, se não tivesse visto como agem, se não soubesse que há ainda vários presos do movimento anti-CPE, se não tivesse visto que a prisão de alguns verdadeiros arruaceiros foram antes uma bela desculpa para prender também vários manifestantes pacíficos (principalmente, e por acaso - claro, ninguém duvida dos CRS, claro que foi só um acaso - dirigentes sindicais). Também por acaso - claro que ninguém duvida do sistema judicial - os factos da acusação são mais ou menos investigados, e em tribunal as penas aplicadas são sempre as mais duras que a lei permite para cada acusação, como se os acusados fossem já criminosos profissionais.

Eu sei que há quem aproveite as manifestações para roubar carteiras e telemóveis, e muitas vezes atacar manifestantes e polícia. Também os vi (e as razões são bem conhecidas de quem conhece as condições de vida - a leitura da nova lei de imigração também pode explicar muita coisa). De qualquer modo, esses comportamentos são inaceitáveis: não confundo as duas coisas, a polícia e os tribunais é que parece que não sabem distinguir.

Liberdade para os manifestantes presos!

Clearstream - Correntes obscuras

Em termos relativamente breves, a questão é a seguinte: em 1988 a Thomson (francesa) quis vender 6 fragatas a Taiwan. O Ministro dos Negócios Estrangeiros da época, Roland Dumas, preferiu manter as boas relações com o aliado Chinês, e não permitiu o negócio. Começa então uma gigantesca onda de pressões e pagamentos entre diversos grupos económicos e governantes (franceses e chineses) envolvidos. Em 1991 o negócio é finalmente concluído, e a existência da corrupção é conhecida pouco depois.

Em 2004, 13 anos depois, um anónimo entrega uma lista de nomes ao juíz encarregue do caso. Os pagamentos teriam sido depositados no Luxemburgo, numa sociedade de reputação muito duvidosa, a Clearstream. Nesta altura era Primeiro-Ministro Raffarin (que agora é Senador e está em Espanha numas férias fora de época, mas muito oportunas), Villepin estava nos Negócios Estrangeiros e Sarkozy estava nos Assuntos Internos. Sarkozy acusa então Villepin de ter escondido informações que o poderiam ilibar, o juíz faz saber que a lista resultava de manipulações. Começa então a caça ao anónimo.

Aparece agora o general Rondot, militar aparentemente fiável, que em diversas ocasiões esteve à frente das investigações mais sensíveis dos serviços secretos. Diz-se que Villepin lhe terá pedido uma investigação sobre Sarkozy, também há quem diga que a ordem terá vindo de Chirac. Villepin desmente, Chirac também. O agora Primeiro-Ministro Villepin diz-se vítima de um conluio mediático.


Que conclusões tirar de tudo isto?

1. O assunto data de 1988, estamos a descobri-lo 18 anos depois. O jovem Sarkozy teve entretanto tempo de chegar quase ao Eliseu, Chirac fez a sua presidência em descanso e está praticamente na reforma, e o então desconhecido Villepin é Primeiro-Ministro. Será que teremos que esperar até 2024 para saber o que estão a fazer hoje os nossos governantes?

2. Villepin tem nas sondagens uma taxa de aceitação ainda mais baixa do que durante as manifestações anti-CPE: 20%. A demissão seria a saída lógica num regime verdadeiramente democrático, mas a França tem antes um regime presidencial. O Presidente determina o governo, protege-o, nomeia-o, é ele o real Chefe de Governo, não o Primeiro-Ministro. Não há qualquer independência entre estes dois orgãos de soberania. A haver eleições antecipadas, seriam presidenciais e não legislativas. Dado que o Presidente não tem um orgão superior que o possa mandar embora e o Primeiro-Ministro é o seu protegido, aconteça o que acontecer, só há mudanças fora das eleições agendadas se o Eliseu vier abaixo. Já não sei se os franceses têm queda para as Revoluções, ou se têm antes queda para regimes para os quais não há outra saída...

3. O nazi Sarkozy, que nos últimos tempos se tem dedicado a ultrapassar Le Pen em bestialidade, é quem mais sobe nas sondagens para as presidenciais de 2007, e é também quem mais lucra com este papel de pobre vítima que lhe é atribuído no filme Clearstream. Vejamos, primeiro a reutilização da frase de Le Pen para efeitos de governação: "França: ama-a ou deixa-a". Parece que Sarkozy não se limitou a dizê-la tal e qual, desenvolveu-a. Segundo, a sua "lei da imigração escolhida", verdadeira tradução francesa da teoria nazi. E é este o Presidente que se adivinha para a França em 2007. E não é tudo: não está totalmente afastada a hipótese de Le Pen passar novamente à segunda volta.



Liberdade para os manifestantes presos!
Porra, quando nasci em 75 não foi para andar a dizer esta frase! Pensei que esta ... tinha acabado!

Mais blogues

Três novos linkes para blogues de serviço público vieram juntar-se aos blogues de serviço privado e semi-privado. O 3R e Do meu jardim descobertos em torno da rubrica das Quartas. O Bloguítica, já antigo mas descoberto recentemente.

06 maio 2006

De volta à tolice

Who Should Paint You: Andy Warhol
You've got an interested edge that would be reflected in any portraitYou don't need any fancy paint techniques to stand out from the crowd!
What Artist Should Paint Your Portrait?

04 maio 2006

Lisboetas


É preciso ir ver Lisboetas. Este documentário podia fazer-se em qualquer cidade da Europa de Shengen. Os dramas seriam idênticos, mas estes passam-se aqui, na nossa rua. Não são uma novidade mesmo para quem não tenha um amigo que se vê todos os anos envolto no pior pesadelo kafkiano quando é obrigado a renovar o visto. Não sendo algo desconhecido é preciso ir ver como é preciso ver Auschwitz depois de o saber. Se isto é um Homem podia perguntar-se numa das cenas mais fortes em que Sérgio Trèfaut filma as caras de emigrantes que estão a ser atendidos no serviço de estrangeiros e fronteiras. Ali, perante o desenrolar de processos e carimbos e fotocópias e documentos e perguntas impossíveis estão pendurados, não só os vistos e as autorizações de residência ou de trabalho, está à mostra a resposta à questão de Primo Levi. E a resposta serve-nos a todos. Desde os campos de concentração até este guichet.

03 maio 2006

Nono livro à Quarta



Cartas a Um Amigo Alemão
Albert Camus
Livros do Brasil



O pequeno texto escrito enquanto colaborava com a Resistência Francesa e publicado nos seus jornais clandestinos, é um dos maiores libelos feitos à liberdade e à paz. Actual como a vida podia enviar-se esta carta, mudando sítios e lugares, ao(s) dirigente(s) do mundo livre. É também uma carta de amor à Europa, essa velha cortesã.


« […] Acontece-me, por vezes, ao voltar de uma dessas curtas tréguas que nos deixa a luta comum, pensar em todos os recantos da Europa que conheço bem. É uma terra magnífica, feita de sacrifícios e de história. Revejo as peregrinações que fiz com todos os homens do Ocidente. As rosas nos claustros de Florença, as tulipas douradas de Cracóvia, o Hradschin com os seus paços mortos, as estátuas contorcidas da ponte Karl sobre Ultava, os delicados jardins de Salzburgo. Todas essas flores, essas pedras, essas colinas e essas paisagens onde o tempo dos homens e o tempo da natureza confundiram velhas árvores e monumentos! A minha memória fundiu essas imagens sobrepostas para delas formar um rosto único: o da minha pátria maior. Algo me oprime quando penso, então, que sobre esse rosto enérgico e atormentado paira, desde alguns anos, a vossa sombra. E no entanto, há alguns desses lugares que você visitou comigo. Eu não imaginava, nessa altura, que fosse um dia necessário defendê-los contra os vossos. E agora ainda, em certos momentos de raiva e desespero, lamento que as rosas possam ainda crescer no claustro de São Marcos, os pombos lançar-se em bandos da catedral de Salzburgo e os gerânios vermelhos germinarem incessantemente nos pequenos cemitérios da Silésia.

Mas, noutros momentos, e são esses os verdadeiros, sinto-me feliz que assim seja. Porque todas as paisagens, todas as flores e todos os trabalhos, a mais antiga das terras, vos demonstram, em cada Primavera, que há coisas que não podereis abafar no sangue. […] Sei assim que tudo na Europa, a paisagem e a alma, vos rejeitam serenamente, sem ódios desordenados, mas com a força calma das vitórias. As armas de que dispõe o espírito europeu contra as vossas são as mesmas que nesta terra sempre renascente fazem crescer as searas e as corolas. O combate em que nos empenhamos possui a certeza da vitória, porque é teimoso como a Primavera. […] » - pp. 68-71
Albert Camus, Cartas a um Amigo Alemão, Carta Terceira (Abril de 1944), Livros do Brasil, Lisboa – pp. 68-71. in blogue Cadernos de Camus