04 outubro 2024

Diário da Bica

 I know my coffee, my mother’s coffee, and the coffee of my friends. I can tell them from afar and I know the differences among them. No coffee is like another, and my defense of coffee is a plea for difference itself. There’s no flavor we might label “the flavor of coffee” because coffee is not a concept, or even a single substance. And it’s not an absolute. Everyone’s coffee is special, so special that I can tell one’s taste and elegance of spirit by the flavor of the coffee. Coffee with the flavor of coriander means the woman’s kitchen is not organized. Coffee with the flavor of carob juice means the host is stingy. Coffee with the aroma of perfume means the lady is too concerned with appearances. Coffee that feels like moss in the mouth means its maker is an infantile leftist. Coffee that tastes stale from too much turning over in the hot water means its maker is an extreme rightist. And coffee with the overwhelming flavor of cardamom means the lady is newly rich.

No coffee is like another. Every house has its coffee, and every hand too, because no soul is like another. I can tell coffee from far away: it moves in a straight line at first, then zigzags, winds, bends, sighs, and turns on flat, rocky surfaces and slopes; it wraps itself around an oak, then loosens and drops into a wadi, looks back, and melts with longing to go up the mountain. It does go up the mountain as it disperses in the gossamer of a shepherd’s pipe taking it back to its first home.

The aroma of coffee is a return to and a bringing back of first things because it is the offspring of the primordial. It’s a journey, begun thousands of years ago, that still goes on. Coffee is a place. Coffee is pores that let the inside seep through to the outside. A separation that unites what can’t be united except through its aroma. Coffee is not for weaning. On the contrary, coffee is a breast that nourishes men deeply. A morning born of a bitter taste. The milk of manhood. Coffee is geography.


 Mahmoud Darwish,  Memory for Forgetfulness

August, Beirut, 1982


Segredos Oficiais - 2019

 


O filme de 2019 relata a história verídica de uma agente dos serviços de informação ingleses que em 2002 percebe que os EUA preparam a guerra no Iraque através da intimidação e assédio de outros países de forma a receberem destes apoio à sua iniciativa. Sozinha e colocando o seu trabalho e vida em risco (ainda não tinha acontecido a morte do cientista inglês que fez parte da equipa internacional que foi ao Iraque pesquisar as armas de destruição maciça, e denunciou a mentira dos EUA), vai denunciar o que considera que o Reino Unido devia recusar fazer, acreditando que isso pode evitar ou ajudar a evitar a guerra. Não evitou porque nessa altura como agora, os nossos (Europa e EUA) governos não estavam preocupados com a oposição maioritária das suas populações, que se manifestaram de forma expressiva nas ruas. 

Se uma ação corajosa não impediu a guerra pôs-nos a todos do lado do conhecimento. A verdade não vem sempre ao de cima, ela existe porque há seres humanos que dão consequência e significado à sua humanidade. 

"Porque os outros calam / mas tu não"

11 setembro 2024

Investigação NY Times

 Como Israel abate civis propositadamente desde o início, 


How a Single Family Was Shot Dead on a Street in Gaza

By Riley Mellen, Neil Collier, Natalie Reneau and Alexander CardiaSeptember 6, 202

 New York Times


20 junho 2024

Os problemas no texto de António Araújo e a arquitetura de Tomás Taveira

 

1.  O circo mediático que o autor critica e que faz derivar até ao presente, com as fake news e a produção de personas como Trump, serve a este texto de base de alimento, não deixando Araújo de chafurdar nalguns pormenores que escolhe em detrimento de outros para viver, ele também, no que chama circo. Um alimento feito assim farto e para todos.

2.     Não somos todos seviciados pela arquitetura de Tomás Taveira como faz decorrer Araújo, presumindo que o seu sentido de gosto reflete uma mundividência do “bom senso”, tique assaz costumeiro a quem pretende ou aceita narrativas hegemónicas e logo hierárquicas e de controlo, estilo “west is the best”. A arquitetura tem aqui, em vários aspectos, um papel importante. Nos espaços onde é discutida à produção e usufruto dentro do quadro do capitalismo tardio, da sua intensa financeirização nas últimas décadas e, na propensão a tudo abarcar, da gestão do território, urbanização, habitação, aos direitos, como o direito à cidade e as suas condições de habitabilidade e convivialidade.  

“Num primeiro plano, a Arquitectura é a construção de um cenário onde o jogo cultural se desenrola, pois, em determinado sentido enquadra, fixa e torna significativa a vida e as relações humanas. Acresce que esse sentido depende sempre de um sistema de valores “culturais”. Sem Arquitectura certamente poriamos em causa a nossa identidade como protagonistas de uma ficção a que chamamos Mundo. Aliás, a Cultura faz isso mesmo: inventa o mundo como cenário. E ao inventá-lo dita os termos em que estamos aptos para lidar com ele. É compreensível, pois, que ofereçamos sempre resistência a qualquer alteração que ponha em causa a nossa identidade”, (Lucinda Fonseca Correia, O património da memória e do esquecimento, JA, Jornal Arquitectos, 2017)

3.  Uma certa direita ressabiada com o processo revolucionário pós 25 abril, do apoiante sionista Moedas, elevando os calcanhares no púlpito da Câmara para que o ouvissem dizer que ia preparar as celebrações do 25 de novembro pretendendo assim, em jogos de secretaria, fazer equivaler a importância das duas datas, até a Araújos &quejandos. 

Com efeito, e por muito que nos custe a crê-lo, o presente extremismo político e as suas pulsões totalitárias são herdeiros directos da atmosfera feérica dos anos 80 e da sua divisa, mais tarde levada ao limite, nothing is true and everything is possible. Primeiro, destruíram-se as noções de verdade, de objectividade, de racionalidade e, a seguir, as distinções éticas entre o bem e o mal, o certo e o errado. E depois surgiu Trump” AA

Este ressabiamento e querer ajustar contas com os processos revolucionários que alteraram profundamente o país, está no preconceito de classe que creio existir nos olhos com que António Araújo vê algumas das personalidades sobre as quais decide fazer a Prova de Vida. No texto sobre Tomás Taveira torna-se mais evidente porque relaciona as  frustrações com as derivas dos anos 80, afinal a década em que os Zé-ninguéns começaram a chegar em grande número às universidades, à administração pública, e de repente uma gente sem pedigree (ver a preocupação em apurar a filogénese da personagem Castelo Branco em crónica anterior) está em todo o lado. Esta gente, para além de não saber estar à mesa, ainda vai dar aulas na faculdade, manda bocas ao presidente da república, mais um pouco e estão no foyer do São Carlos a largar gases sonoros junto à condessa de Vila Praia de Âncora&Caribe. O pós-modernismo pop foi longe demais, levou-nos ao niilismo, da arquitetura de Taveira ao Lux e logo depois das questões de género ao trumpismo. Tudo uma grande desgraça que não só explica o atraso económico como a feiura das nossas cidades antes certas e apolíneas. 

 “todos os arrivistas odeiam a memória, até porque ela lhes vem lembrar o lugar de onde vieram e as humilhações sofridas ao longo dos anos” AA

4.  Apesar das vítimas, sem sabermos exatamente de que forma e moldes, António Araújo não estranha o filme de Taveira estar disponível ao público. O único julgamento e acusação penal que resultou sobre o escândalo foi o da divulgação sem conhecimento e consentimento das mulheres envolvidas. Apesar desta condenação aí está a divulgação atual sem que a Justiça, apesar de uma ação em tribunal a condenar esse facto, nada faça para impedir o crime, pelo menos aquele ao que se chegou na altura. Hoje talvez esperássemos ou exigíssemos, enquanto sociedade, que a Faculdade de Arquitetura onde continuou a dar aulas assumisse uma posição diferente.  O arquiteto viria a ter aí um processo discipular por outros motivos que não o envolvimento com alunas relacionado com a avaliação das mesmas.

Perante esta suma indiferença, AA ainda se compara às vítimas do filme pela forma como a arquitetura de Taveira também o sevicia e abusa, uma analogia que prefigura o lugar e o respeito que Araújo dedica a quem foi a vítima do crime e sobre o qual se permite realizar toda uma série de juízos.

5.   O outro maior problema do texto de António Araújo é desqualificar a obra do arquiteto através da pessoa (como faz o romancista francês de “O Brutalista”). Seria o mesmo que desqualificarmos António Araújo  enquanto historiador  e investigador por ter sido apoiante de Cavaco Silva ou por manifestar estranhas fixações com a palavra sodomia.

6.  Provavelmente António Araújo não deve andar de metro e por isso desconhece a estação das Olaias, que, numa dimensão faraónica nas plataformas, tem a surpreendente característica de não deixar os corpos humanos que a habitam numa posição minúscula, antes jogando com as entradas de luz e as cores que atravessam nos vitrais ou transparências para o acesso aos pisos superiores ou para o exterior. Este jogo, alimentado pela distribuição de cor nos pavimentos, nas colunas, conseguindo ainda abrir espaço e dialogar com as muitas obras de arte de outros artistas presentes, faz desta estação um lugar de explosão de alegria e acolhimento que não encontram paralelo noutras estações do metropolitano, onde também arquitetos e artistas brincaram com as cores e o espaço. A estação de Chelas na mesma linha, por exemplo, com jogos de cores em volumes e reentrâncias muito interessantes, não consegue apesar disso libertar-se da sensação de um espaço escuro e fechado.

 



 








Araújo refere ainda como a arquitetura de Taveira é indiferente ao espaço ou pré-existências onde se implanta, também não deve conhecer Chelas, no bairro do Condado, que um punhado de arquitetos foi chamado a projetar. Os vários edifícios de Taveira, os únicos que não alpenduram torres altas no topo de colinas, espécie de pesadelo de marca das nossas periferias mais isoladas, numa solução de encher muito e desqualificar ao mesmo tempo espaço e pessoas. Aqui Taveira não construiu em altura, como nas Olaias, porta de entrada para o Vale de Chelas, ou noutros lugares, e mais ainda, desenha os seus edifícios com os mesmos pormenores, decorativos e cromáticos que coloca noutros projetos para habitação de classes altas ou para edifícios de serviços. Em Chelas adequa a paisagem, o topo de uma colina, com a qualidade construtiva. Outros exemplos de integração, mas em malha urbana consolidada, como na Av. D. João XXI, em frente à sede da CGD, onde num vértice da fachada desenha uma chaminé em homenagem à memória das altas chaminés da gigantesca Fábrica Lusitânia, que ocupava o lugar hoje ocupado em parte pelo bunker monolítico da Culturgest. Caído ali como podendo ter caído noutro lugar do universo,  num deserto ou no fim de um beco atrás da principal praça de uma vila qualquer. Ainda em integração ver nas traseiras deste edifício da João XXI, outro projeto de habitação de Tomás Taveira (Av. Óscar Monteiro Torres) que não está desintegrado, decorridas já algumas décadas, com os desenhos de fachadas ao longo do mesmo arruamento, edifícios do início do século passado, principalmente junto ao Campo Pequeno e das décadas seguintes a chegar à Av. Roma. 










 




Como para a maioria dos arquitetos há obras excelentes, outras que eram excelentes mas os projetos em torno de urbanização ou novas construções deixaram desadequadas ou com ar inacabado (o topo das Olaias por ex. com a construção do Hotel e com a falta de articulação com os bairros sociais - Portugal Novo), outras más ou de que gostamos menos ou que passámos a integrar como óleo de fígado de bacalhau (Torres das Amoreiras). 

As classes sociais raramente convergem, mas se puderem fazer alianças temporárias no projeto e construção de uma arquitetura comunitária de múltiplos valores, será preciso que todos tenham uma consciência do paradoxo e alguma ironia e agudeza de espírito.

Compreender o conteúdo das mensagens pop e o modo como ele é projetado não significa que seja preciso concordar com esse conteúdo, aprová-lo ou reproduzi-lo. (Venturi e Scott Brown, Aprendendo com Las Vegas)


Josina Almeida, junho 2024

04 junho 2024

Junho

 Desculpa lá oh Antero mas esqueceste-te do Sto.António nas causas para a decadência dos povos peninsulares. Ainda estamos a defumar os casacos de meia estação e as sardinhas assam ao som do és-a-linda-portuguesa-com-quem-eu- quero-casar, atirando-nos sem apelo para o lugar onde tem de se estar de papo para o ar. 

30 maio 2024

Diário da bica

É de manhã. Raios de sol batem-me no braço que segura o livro de poesia cujo esforço para ler não me conduz a sítio nenhum. Esta semana a máquina de café disse fora-de-serviço durante uns dias. Ainda se desorganizou mais o tempo. White problems. 

18 abril 2024

S o li da rie D a de

But I think what this understanding of solidarity misses is the ways that we are all affected by systems of domination. We are all created in and through those systems, and we are all worse off because they exist.

 

Let’s take white supremacy for instance. I’m a white Ashkenazi Jew, I inhabit and hold white-skin privilege and all that entails. Even though I am on a life-long journey of unlearning and opposing white supremacy, growing up in a white supremacist world has effects so foundational as to be nearly imperceptible to me. This is what it means, in a certain sense, to believe in a materialist account of the world – the organisation of the world shapes and makes us, even against our desires (and of course, it even makes and shapes our desires). Being made in and through a white supremacist world, no matter how committed I may be to undoing and unlearning it, still means that I have been damaged by white supremacy. Fanon, for example, was very clear about this: benefitting from systems of exploitation and oppression, being made in and through those systems, degrades our humanity. So when I think about undoing white supremacy, I am not committed to that fight only on behalf of others. I am not outside this fight or this system. I am also a part of it.

Marxism and Intersectionality: An Interview with Ashley Bohrer

by George Souvlis and Ashley Bohrer | May 28, 2020

13 março 2024

Diário da Bica

Tenho de escrever tudo em papelinhos. Sinto os tornozelos tão frios, tenho de vir aqui e ali escrever: comprar meias. A máquina de café em forma de pássaro acabou os seus préstimos mas não os seus dias porque ainda seguiu para peças através das plataformas de vendas onlie de coisas em segunda mão. Quatro euros. Chegou uma nova, também via online, de uma loja do norte. Não é de cápsulas pela consciência ecológia ou outra que devia ter um nome melhor, mais amplo, que incluisse os desejos de um café melhor, mais justo. 

19 janeiro 2024

os modernos


Lisboa passou a ser uma miragem: lá, os modernos só decidem o que querem à última hora. “É o Le Monde, um pastel de nata vegano e um carioca de lima, se fizer favor”, dizem à meia-noite, no bar da Cinemateca, antes de voltar a entrar para a Retrospectiva de Jim Jarmusch
MEC, 19.01.24