23 fevereiro 2011

Parados No Tempo Que Não Pára

Quando a crise cresce
nada cresce.
Quando a crise cresce
meninos e meninas continuam a crescer.

e os senhores da crise andam por aí... e os senhores da crise andam por aí ...

Quando a crise cresce
nada cresce.
quando a crise cresce,
meninos e meninas continuam a crescer.

e os senhores da crise andam por aí ...

nas telenovelas, não há crise:
sexo sem crise, dia após dia.
quando nada cresce,

para a crise, sexo sem crise,
pelo menos nas telenovelas paradas no tempo que não pára.
refresco para os desempredos,
resfresco para os parados na
crise que nao pára num tempo abandonado,
crise para uns, sexo para outros



Frederico Patasca
Porto, 14 de Fevereiro de 2011

16 fevereiro 2011

De Uganda a Cantanhede

Apesar do assassinato de Carlos de Castro ter sido tema explorado ab nauseam pelos piores motivos, penso que não será tarefa infrutífera deixarmos de pensar na dimensão do filão social que alimenta (e se alimenta) o sensacionalismo rasteiro. Se alguém andasse distraído com os juros da dívida soberana ou se por momentos esquecesse que país existe para eleger Cavaco Silva, a homofobia que veio à tona, espreitou ousada e criminosamente, à conta das notícias do assassinato em Nova Iorque, devia fazer-nos não só estremecer mas acordar e combatê-la em cada canto. Como disse Angélica Liddell, dramaturga presente em Portugal nas últimas semanas, o extermínio dos judeus na Alemanha não começou nos campos de concentração, começou nas anedotas de judeus nos salões das festas daquele país.


No dia 26 de Janeiro David Kato, um activista dos direitos LGBT no Uganda, foi assassinado. Estava envovido na denúncia do ódio destilado por um órgão de comunicação social daquele país contra os homossexuais, jornal que tinha iniciado uma rubrica de título "Enforquem-nos", rubrica onde se publicava a cara e o nome de homoessexuais no país.
Em Janeiro tive também o desprazer de conhecer um texto de um professor de Direiro da Faculdade Nova de Lisboa. Publico-o na íntegra, bem como os e-mailes que trocámos entretanto.



Um caso sórdido ao gosto de uma informação reles
Destaque: Que raio se ensina nos cursos de comunicação e de jornalismo?



Não se lhe conhecia qualquer actividade social, intelectual, científica, artística u política meritória ou, sequer, relevante. Era um personagem medíocre, de cujo perfil apenas pude recolher dois traços, que alguma comunicação social considerou merecedores de referência: era homossexual e era "cronista social". O primeiro traço deveria ser completamente irrelevante, já que emerge da
liberdade de orientação sexual, que apenas a cada um diz respeito. Todavia, considerada alguma prosa que a ocasião suscitou, terá tornado a vítima mais digna de dó – vá-se lá saber porquê!
O segundo, considero-o pouco menos que desprezível: significa que a criatura “ganhava” a “vida”a escrevinhar coscuvilhices e a debitar maledicências, chafurdando nos dejectos dos socialites. A viagem que o levou a Nova Iorque tinha um óbvio móbil “romântico”, que a
comunicação social preferiu apenas insinuar, não por pudor, mas porque a insinuação
vende melhor do que a afirmação: tratava-se, simplesmente, de seduzir um jovem de 21 anos.
Quanto a este, também os seus motivos parecem evidentes: “pendurou-se” no
idoso para, explorando as suas “inclinações”, beneficiar dos seus supostos contactos internacionais, iniciando uma carreira no mundo da moda.
Estavam, pois, bem um para o outro. Nada me interessam os pormenores abjectos que rodearam o assassinato. Deixo-os aos media, lambendo os beiços com a sordidez da história, muito melhor do que o criador de qualquer reality show poderia inventar.
O que não posso deixar de lastimar é a falta de vergonha da nossa comunicação social, com destaque para as televisões: há uma semana que os noticiários das 8 abrem com dez ou quinze minutos da "tragédia". Não as imagens horríveis das cheias no Brasil – que ficaram sempre para depois – mas as imagens ridículas dos correspondentes em Nova Iorque, repetindo à exaustão o detalhe dos testículos cortados e a agressão com um televisor (?) – que deve ser um crime especialmente hediondo, aos olhos de quem trabalha para uma cadeia de televisão – e entrevistando em prime time advogados de sotaque extravagante e peritos forenses, para prognosticarem a acusação que irá ser feita ao homicida, ou recebendo no aeroporto os amigos, de ar compungido, do morto.

É para isto que serve a informação televisiva, incluindo a do canal público que
ós pagamos: para preencher o espaço deixado vago pelo desaparecimento do jornal O crime.
Desculpem o desabafo: a informação televisiva tem mesmo de ser esta espécie de teledifusor de lixo? Que raio se ensina nos cursos de comunicação e de jornalismo? E desculpem o excesso de aspas: servem para eu resistir à tentação do vernáculo menos próprio, chamando às coisas os nomes que às coisas são.

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – Campus de Campolide – 1099-032 LISBOA
Tel: 213847400 Fax: 213847471 e-mail jc@fd.unl.pt



Exmo Professor João Caupers

Tendo lido o texto que colocou a circular publicamente na internert não consigo deixar de lhe devolver esta resposta como protesto de indignação e repulsa.
Qualquer pessoa com o mínimo de senso e conhecimento compreende o popularismo e a forma como os media têm vindo a descer os seus níveis de qualidade e rigor, em especial as televisões (as de sinal aberto particularmente). Isso não é surpresa, o que surpreende é um professor catedrático descobrir esse facto em Dezembro de 2010. Onde andou estes últimos anos? Não o preocupou até aqui o tabloide na informação? Estranho esta surpresa e como o seu texto indignatório começa por chamar medíocre a alguém que acaba de morrer - facto de natureza subjectiva e irrelevante para o conteúdo das suas acusações (se a pessoa fosse o nobel da literatura podiamos dar mais atenção à sua morte? penso que não é isso que a sua disciplina ensina) como afirma coisas que não são verdade - era uma relação consumada e pública segundo todos os amigos que privavam com o casal - ninguém foi levado para ser seduzido, só posso concluir que o seu texto não é movido pela indignação em como a comunicação social não dá a devida atenção às coisas mais importantes, mas que isso lhe serve de pretexto para dirimir os seus preconceitos e ódios pessoais.
Carlos Castro não era só homossexual, foi um activista dos direitos dos homossexuais, porque foi -num país atávico e homofóbico -tomo o seu texto como um exemplo - alguém que deu a cara e assumiu a sua diferença num período em que raros ou muito poucos o faziam. Isso faz dele alguém de uma enorme coragem, coragem essa que a homofobia presente no seu texto e na comunicação social reles não apagará.

Melhores cumprimentos


O Professor Caupers teve a amabilidade de me responder. Aproveitou para me dizer que tinha recebido e-mailes de apoio ao seu texto e manda-me um de exemplo (um rico exemplo).


Exma. Senhora,

Recebi o seu texto, que me mereceu a melhor atenção, pese embora discordar de tudo quanto nele se escreve.
Rectifico apenas um ponto: não pus o texto a circular na internet. Foi escrito para uma coluna de opinião mantida pela página da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e destinada a provocar debate e polémica com os estudantes e outros membros da comunidade académica.
Terá sido posto a circular, provavelmente, por uma das pessoas – mais de uma dezena – que não conheço e que me escreveram a felicitar. Envio-lhe um texto bem mais violento do que o meu.
Com os meus cumprimentos
.

Apoio na íntegra o texto.
O cronista social foi Fernão Lopes: Aquele a quem se refere, foi cronista marginal. Só uma franja da sociedade, muita estreita e marginal rastejava pelos seus textos infectos.
Não tenho pejo em revelar que, no dia que se soube da sua morte, tive a sensação de que a sociedade ficou mais limpa.
Pouco me importa se isto é bonito e correcto ou não; foi o que senti e sinto.
Quanto à outra parte – a das TV e especialmente a publica – deve-nos desculpas e pedidos de reparação por inundar as nossas vidas, vezes sem conta, com banhos de porcaria em que eles próprios se comprazem.
Parabéns
Cruz Fernandes

01 fevereiro 2011

Despedir mais, despedir melhor


Quem é amigo?
Os patrões queriam despedimentos baratos, indemnizações de 21 ou 15 dias por cada ano de trabalho em vez dos 30 actuais e, mesmo assim, com um limite de 12 anos, isto é, 12 salários.
Por outras palavras: o patronato foi aos saldos do Estado Social abertos em Portugal desde 2005 a ver se comprava dois despedimentos pelo preço de um.
Coube a uma ministra ex-sindicalista de um governo socialista a duvidosa honra de entregar numa bandeja o direito ao trabalho dos portugueses à voracidade patronal com o generoso pretexto de, assim, "aliviar" os encargos das empresas com os trabalhadores despedidos (passando esses encargos para os contribuintes através do subsídio de desemprego, quem é amigo?).
O patronato queria 21 dias de indemnização por cada ano de trabalho em vez de 30? O Governo deu-lhe 20. Queria um limite máximo de 12 salários, que lhe permitisse despedir os trabalhadores mais antigos e substitui-los por precários (se não despedi-los e contratá-los depois "a recibo verde" de modo a livrar-se dos descontos para a Segurança Social)? O Governo deu-lhe os 12 salários.
Explicou a ministra que em Espanha também é assim. Com admirável honestidade intelectual, "esqueceu-se" de dizer qual é o salário mínimo em Espanha e que, em Espanha, os 12 salários de indemnização são 'brutos", isto é, com todos os suplementos e em Portugal incluem só o salário-base. Mas não podia lembrar-se de tudo, não é?


Manuel António Pina, JN, 25 de Janeiro de 2011.