28 junho 2006

Décimo primeiro livro à Quarta

O Direito à Preguiça
Paul Lafargue
A necessidade de lutar por condições dignas de trabalho levou a que o movimento comunista, de uma forma geral, tenha contibuido para endeusar e mitificar aquilo que longe de libertar continuará a alienar o ser humano: o trabalho. Afinal, poderá haver algo mais humilhante do que ter de trocar a nossa força de trabalho, seja ela qual for, por uma sopa um sistema hi-fi ou um funeral digno? Enquanto tivermos de o fazer seremos, inevitavelmente, seres ridículos e dificilmente felizes.
Este senhor, ao que parece genro de Karl Marx e membro do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores e fundador, junto com Friederich Engels (1820-1895), da II Internacional., anteviu a problemática (ele e talvez Kropotkine na Conquista do Pão) e deixou-nos este texto.
Se, desenraizando do seu coração o vício que a domina e avilta a sua natureza, a classe operária se erguesse com a sua força terrível, não para reclamar os Direitos do Homem, que não são senão os direitos da exploração capitalista, não para reclamar o Direito ao Trabalho, que não é senão o direito à miséria, mas para forjar uma lei de bronze que proíba todos os homens de trabalhar mais de três horas por dia, a Terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria saltar nela um novo universo... Mas como pedir a um proletariado corrompido pela moral capitalista uma resolução viril?


Panfleto revolucionário escrito em 1880, publicado no jornal socialista L'Égalité, numa série de artigos entre 16 de junho e 4 de agosto do mesmo ano, editado como brochura em 1881, revisto e reeditado em 1883, voltando a ser impresso em 1898 e em 1900, "O direito à preguiça" teve um sucesso sem precedentes, comparável apenas ao do "Manifesto comunista", tendo sido traduzido para o russo antes mesmo deste último. Possivelmente um dos textos mais lidos na Espanha, antes, durante e depois da Guerra Civil, foi reeditado pela Resistência Francesa, em 1944, e recebeu novas edições sob o patrocínio do Partido Comunista Francês, nos anos 60 e 70. Em 1968, traduzido para quase todas as línguas, foi planfletado pelos movimentos esquerdistas de praticamente o mundo inteiro."
Sabe-se, hoje, que Lafargue pensara, inicialmente, em intitular seu panfleto como direito ao lazer e, depois, como direito ao ócio. A escolha da preguiça não foi casual. O título original do panfleto foi: O direito à preguiça. Refutação da religião de 1848. Ao escolher e propor como um direito um pecado capital, o autor visa diretamente ao que denomina "religião do trabalho", o credo da burguesia (não só francesa) para dominar as mãos, os corações e as mentes do proletariado, em nome da figura assumida de Deus, o Progresso. Essa escolha é duplamente consistente.

25 junho 2006

Tricampeã europeia de triatlo


De geração em geração, continuamos um país de bons desportistas, nomeadamente na área do atletismo. Com exemplos assim, quando é que deixamos de ser eufóricos só do futebol?

O fim da barbárie

Do outro lado do Mundo, as Filipinas juntam-se ao Mundo civilizado, ao abolir a pena de morte. A presidente Gloria Macapagal Arroyé assinou ontem o decreto de abolição.
É bom ver que apesar de tudo o Mundo avança.

O debate da barbárie

Nos EUA discute-se o "conforto": se dos que morrem ou dos vêem morrer. E falam de "conforto"! Depois de uma execução mal feita, começaram a questionar-se. Sobre o fim da barbárie? Não, nem tal lhes passa pela cabeça! Só não sabem bem como continuar a assassinar gente!

22 junho 2006

Futebolês versão gaulesa

As equipas lusófonas deste campeonato são cada vez mais internacionais, quando o relato é visto em França.
Portugal: dois espanhóis e um indeterminado, que a meu ver deve ser chinês. O Nuñó Gomêz, o Nuñó Válnté (não, não me esqueci de uma vogal) e um tal Tchi-ma-ó. Como se vê, é só nomes complicados com til em consoantes e acentos estranhos.
Brasil: há dois meio italianos meio chineses. O Tchi-tchi-nhó e o Lu-tchi-ó.

Definitivamente, estes gauleses são adeptos do "quando podemos complicar, porquê simplificar?" E nem sequer percebem que se engasgam a dizer Tchi-tchi-nhó sem razão nenhuma!

O pânico de ter que falar estrangeiro é tanto, que até com o nome do Petit eles são capazes de inventar versões em todas as línguas imaginárias, e só muito raramente em francês: Petit!

E agora que já falei das coisas importantes... futebol!

Ah... comentários ao jogo? Mas será que ainda há alguma coisa para dizer sobre esse assunto a esta hora?

O que acho giro é a discussão que anda acesa na Alemanha e que me dá uma sensação de déjà vu. Junto às páginas de futebol, os alemães debatem o significado da bandeira alemã, a origem, o seu sentido e significados hoje...
Mas o mais debatido é o hino, por causa de uma estrofe belicista, na onda de "às armas, às armas" ou "aux armes citoyents". O poema todo é oitocentista, o que se nota aliás nas referências geográficas da primeira estrofe, que deixou de ser cantada.

Nós tivemos a mesma discussão há dois anos, os alemães agora, como nós na altura, andam a ver e analizar os hinos dos vários países para ver o que dizem. Chegam à conclusão de que muitos países tiveram que conquistar a sua independência e/ou liberdade pelas armas e têm portanto estas referências nos hinos nacionais.
Por outro lado, os franceses com quem falei nem entendem esta polémica. A Marselhesa apela às armas e isso nem tem para eles discussão.

Será que estas discussões são o destino fatal dos organizadores destes eventos internacionais? E porque será que questões sérias como estas só são discutidas nestas alturas e por causa de futebóis?

Futebol, futebol, futebol... e a Grécia? As notícias?

O campeonato lá anda, mas cada jogo tem só duas horas e o Mundo gira durante 24h (e mais uns pozinhos) por dia.

Quem olha para as notícias de alguns dos principais jornais nacionais e europeus, não faz a mínima ideia de que na Grécia se passa algo. Fartei-me de procurar notícias, mas não há. Parece censura concertada, ou então andam todos a comprar as mesmas notícias às mesmas agências noticiosas, e a repetir as mesmas coisas que nem papagaios sem côr.

O governo grego está a aprovar uma lei de reforma do ensino superior que permite limitar o número de inscrições de cada estudante, privatizar e mercatilizar o ensino, destruir a assistência e apoio social. Até agora, os estudantes têm direito aos manuais, dado que o ensino é obrigatoriamente gratuito e os livros são necessários ao ensino. Os poderes sobre as faculdades vão ser tirados aos pedagogos e dados aos financeiros. São também abolidas as restrições à intervenção policial nas universidades. Até agora a intervenção da polícia dentro dos campus tinha que passar por diversos organismos e ter várias aprovações para poder avançar.

Estas são as medidas básicas, aqui podem encontrar-se mais detalhes.


Desde há três semanas os estudantes gregos têm levado a cabo um movimento de resistência, com a ocupação de diversas faculdades, manifestações e protestos, e que o governo se tem encarregue de reprimir, tendo a polícia já deixado um estudante em coma e levado vários presos.

A lei que existe na Grécia tem aspectos que deveriam ser um exemplo para a Europa. Em vez disso, é abolida/ profundamente reformada. E nós, que devíamos solidarizar-nos com os gregos, nem chegamos a saber da luta deles.

21 junho 2006

Fête de la musique

Hoje em França é a Festa da Música. Em todas as ruas, em todos os cantos, em todo o lado há música. Cada francês sai para a rua para ouvir música, dançar ou fazer música. Tanto o adolescente que toca umas coisas na guitarra como os alunos do conservatório de bairro, as festas organizadas por cada "mairie d'arrondissement" (junta de freguesia), grandes concertos pop... Há música clássica, étnica, electrónica, popular, tudo o que se quiser e para todos os gostos! E claro, se por acaso alguém não encontrar o género de que mais gosta, basta arranjar um cantinho e ocupá-lo com a sua música.

A chegada do Verão comemora-se com música e alegria. Ora aqui está uma efeméride fantástica para importar: nada de derivas comerciais e apelos ao consumismo, só diversão, música e espontaniedade!

20 junho 2006

Camus - revisão

Vou voltar a um post da J., aquele sobre as "Cartas a um amigo alemão" de Albert Camus. Como disse no comentário que fiz na altura, fui ler, e li também um outro livro dele que tinha cá em casa há mais tempo, mas em que ainda não tinha pegado: "Actuelles. Écrits Politiques". Na verdade são complementares.

Este segundo tem duas partes: primeiro tem os editoriais que escreveu no jornal "Combat" durante a libertação de Paris (Agosto de 1944) enquanto o jornal saía da clandestinidade, e mais alguns editoriais de datas escolhidas (o Armistício a 8 de Maio de 1945 ou a bomba atómica a 8 de Agosto de 1945) ou temas importantes. A segunda parte são escritos políticos, a maior parte dos quais textos também publicados em jornais e que são respostas a diversas pessoas que escreviam sobre ele, criticando-o.

O que mais espanta é a clareza de espírito e o sangue frio, mesmo durante a guerra, de separar bem as armas e o ódio. Camus critica a barbárie nazi, a bomba atómica dos EUA, e a perpetuação da morte e da fome nos campos de concentração depois da libertação, enquanto os exilados de luxo eram repatriados com toda a rapidez e conforto. Separa com toda a clareza a acção dos grupos católicos da Resistência e o vergonhoso apoio do Papa ao regime nazi; não tem dúvidas em pôr a Espanha franquista ao lado da URSS estalinista, mesmo contra a opinião "bem-pensante" da época.
E no meio de todos os acontecimentos vertiginosos, uma teorização dos objectivos a atingir e dos valores e organização da sociedade a construir: a dualidade justiça/liberdade, o comunismo e o anti-comunismo, a ordem social/ unidade de governo/ ordem na conduta individual.

Ainda hoje existem os preconceitos que denuncia e ainda hoje a sociedade que ele preconiza está por cumprir. Estes editoriais dos anos 40 e 50, na verdade, podiam ser os desta manhã.

Musée du Quai Branly

É o novo grande museu de Paris, junto ao Sena e perto da Torre Eiffel, construído para ser a grande obra de Chirac, um pouco como o centre Pompidou do presidente homónimo.
Foi inaugurado hoje oficialmente e abre as portas ao público na sexta-feira. Vai acumular colecções de arte tradicional das mais recônditas regiões do Mundo: América Central e do Sul, Oceânia, África, Ásia. Les Arts Premiers é o que lhe chamam aqui, e não sei bem como se poderia dizer em português.

18 junho 2006

De György Ligeti...

...aqui ficam:

1- dos Nonsense Madrigals, V - The Lobster Quadrille.
Inspirado nas Aventuras de Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll. Cantado aqui pelos The King's Singers.


2- dos Estudos para Piano, o nº 9, do segundo livro: IX - Vertige.
Inspirado no paradoxo de Shepard das escalas infinitas, cujo equivalente visual são talvez os desenhos de Escher. A interpretação é de Pierre-Laurent Aimard.

György Ligeti


Só soube agora que morreu esta semana um dos meus compositores preferidos.

Ligeti nasceu na Transilvânia em 1923, numa pequena cidade que pertencia à Hungria, passou de mãos, e é agora romena. Sobreviveu a uma guerra mundial onde perdeu grande parte da família. Depois viu o país invadido por uma força totalitária e igualmente mortífera. Nesta altura, apenas ouvia e fazia publicamente música do regime, e cladestinamente ouvia outra música escondido numa cave e em condições que alteravam profundamente a transmissão do som.
Nos anos 50 ele e a mulher tiveram que fugir a pé durante muitos quilómetros até poder apanhar um comboio e chegou assim à Alemanha ocidental. Todos os laços com a terra natal, os amigos, a família, foram cortados até 1989.

Escreveu a música que Kubrik usou depois na Odisseia no Espaço (Lux Aeterna) e De olhos Bem Fechados (Musica Ricercata). Escreveu "Le Grand Macabre", uma ópera muito lúcida e muito bem escrita, que muito impressionou os "habitués vison" do S. Carlos há alguns anos.
Escreveu um "Estudo Sinfónico" para 100 metrónomos, 10 intérpretes e um maestro. Escreveu música cómica e bem-disposta, como os "Nonsense Madrigals".

Foi talvez um dos primeiros compositores a não pertencer a um grupo, a um estilo. Ele tinha o seu estilo, que aliás mudou ao longo da vida e dos acontecimentos. Tinha as suas técnicas, sempre inovadoras, que ele próprio desenvolvia.

17 junho 2006

Solidariedade e desobediência civil

A Lei Sarkozy da Imigração Escolhida vai sendo aprovada passo a passo. O poder segue o seu caminho: esta semana passou no senado.
Desde há algumas semanas, famílias inteiras que vivem em França há vários anos, têm sido chamadas às esquadras para ser expulsas. Nalguns casos, há mesmo entradas aparatosas em escolas primárias para arrancar os miúdos das aulas. Aparentemente, a polícia não pode esperar pela hora de almoço para ir buscar estes "perigosos criminosos" calmamente, sem mais traumas do que a expulsão em si.

Nas escolas e nos bairros as famílias são conhecidas. As crianças são amigas das crianças francesas, estudam e brincam juntas, os pais frequentam as mercearias e os supermercados da rua, são a costureira ou o carpinteiro lá do bairro. Estão integrados, tanto quanto qualquer outra pessoa.
Por isso, a população tem-se reunido, pululam as pequenas associações de defesa de uma família ou outra em cada bairro. Esta mãe de família, que nunca se tinha "metido nas políticas", explica agora aos seus filhos que "deve respeitar-se a lei, mas não uma lei qualquer. Podemos ser levados a desobedecer a leis injustas." Ao esconder em casa uma criança ameaçada de expulsão, ela explica que não se sentiu nada como uma revolucionária, mas apenas como qualquer pessoa decente que ajuda alguém caído na rua.

16 junho 2006

Coesão Nacional



Há dois anos quando se descobria que Portugal estava prestes a ser o país mais pobre da União começou o Campeonato Europeu de Futebol. Ufa! Já que os ordenados não sobem ao menos esta alegria, o povo em delírio nesta festa nacional. E bem durou a festa. Agora os meus vizinhos retiraram as bandeiras debotadas e substituiram pelas cores novas da velha bandeira republicana. Desta vez já são made in Portugal e o merchandizing melhorou. Não há empresas nacionais de porte fora do evento. A Galp, a PT, a Tmn, a Carris, os Unidos da Curraleira, todos estão com a selecção. E como de lá para cá a crise aumentou é bom que o evento também suba de categoria.
O curioso neste papel aglutinador do futebol, e é por isso que funciona como agente de coesão social/nacional (aguenta as rupturas) é ver a maior parte das bandeiras estendidas às janelas dos bairros mais pobres. Num bairro social desta cidade, daqueles que nunca em manual algum terão direito a uma fotografia a não ser num processo de execução sumária dos seus autores, vi o maior número de bandeiras nacionais penduradas, quase todas as janelas e eram muitas janelas. Não pude deixar de pensar em como aquelas pessoas, atiradas para aquele sítio, com as vidas que imaginei terem, conseguem mostrar com orgulho a bandeira de um país em que vivem desta forma. Um país onde estão no último lugarzinho da fila e desse lugar acenam contentes o seu sentimento de pertença.

Os infinitos gozos do futebol

são ver a República Checa enfiar três secos aos Estados-Unidos.

Crónicas da Precaridade

A minha chefe diz que podemos ler no trabalho para não morrermos ignorantes. Mas só livros que jornais e revistas dão mau aspecto. Entretanto inicia-se a discussão sobre os Anjos e Demónios e a Fortaleza Digital do Dan Brown.

15 junho 2006

Como se fabricam os resultados eleitorais

Para mim as eleições francesas são mais fáceis de perceber. Tenho, obviamente, candidatos preferidos, mas estou de fora.

Até há poucos meses, o pré-vencedor das Presidenciais francesas de 2007 era Sarkozy. Ele eram capas de jornais, revistas, grandes cartazes de publicidade a televisões ou jornais, mas em que só se via a cara e o nome do pré-vencedor ainda não oficialmente candidato. As sondagens davam todas o mesmo resultado, e nem sequer se falava de mais ninguém. Aliás, até beneficiou com os motins de novembro e o movimento anti-CPE: dava-lhe aquele ar de protector/vingador que põe toda a gente na ordem. Depois começou a aparecer a questão da Clearstream.

Ao mesmo tempo e muito a jeito, apareceu a Royal, candidata do PS, e desde então todo o discurso da imprensa mudou. A máquina é a mesma, a cara da senhora é omnipresente, todos os trocadilhos possíveis com o nome dela enchem as parangonas dos jornais. Deve dar imenso jeito: é mulher, o que dá uma imagem de país civilizado e de lição à Europa (coisa que os franceses adoram), tem um discurso às vezes ainda mais direitista que o próprio Sarkozy que copia os discursos do Le Pen, sai de um partido chamado socialista. Os principais títulos consistem em explicar calmamente ao público que os campos de reeducação militares são uma reivindicação perfeitamente natural da esquerda, e que a grande preocupação da verdadeira esquerda é a histeria securitária. Resumindo, importa fazer saber que a Royal é de direita, ensinando que afinal aquilo é que é a esquerda. E com uma pré-vencedora (ainda nenhum é sequer oficialmente candidato) de direita que explica ser de esquerda, todos os votos são poucos, e as sondagens viraram.

O bom de tantos candidatos de direita, é que os da extrema-direita têm andado desaparecidos.


E nem o José Bové é deixado em paz. Ao público, a rádio explicava hoje que este pré-vencido (e este ainda nem decidiu se vai mesmo candidatar-se, só falou no assunto) não terá o acordo dos partidos da esquerda, e que sem meios para a candidatura, não era possível levá-la adiante. Declarações dos tais partidos da esquerda? Não! Assim, de chofre, sem uma reflexão, sem dúvidas, como se tudo isto fossem verdades absolutas e indesmentíveis. Ignoram, obviamente, o facto de o José Bové estar ligado a várias associações não políticas e que têm meios para o ajudar a financiar a campanha, mesmo que os partidos decidam não se meter. A Cofédération Paysane e a ATTAC.
Era também explicado, assim à laia de aula ao menino Tonecas, que ele só tem a perder com esta candidatura, porque nós ouvintes temos a obrigação de achar que o José Bové é exterior à política e ficar desiludidos por esta candidatura a um cargo político.

Fiquei logo descansada. É muito mais fácil ter alguém a dizer-nos o que havemos de pensar. Imaginem o que era começar a sair fumo da cabeça de cada um que lesse um jornal ou ouvisse um noticiário!

12 junho 2006

António Vitorino em três Tempos

"Eu ainda sou dos ingénuos que acreditam poder melhorar a sociedade". A habilidade em dizer algo e o seu contrário

10 junho 2006

Luiz Vaz de Camões

Não se sabe em que dia nasceu, mas morreu há 426 anos. E deve ter sido um tipo extraordinário... Deixo dois poemas: um já aqui a seguir e outro cantado pela Uxía.


No mundo quis um tempo que se achasse

No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por experimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se experimentasse.

Mas por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tão longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.

Mas (segundo o que o Céu me tem mostrado)
já sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho já, que não a tenho.

Dia das Mentiras

1 de Abril - dia das mentiras mais ou menos óbvias e disparatadas em que ninguém acredita e toda a gente se ri.

10 de Junho (desde o desarrastão de 2005) - dia das mentiras estupidamente óbvias, completamente disparatadas, mas em que toda a gente acredita e que não têm graça nenhuma.

06 junho 2006

Escritoras, médicas, pintoras, directoras...

"(...) réformes qui prétendent féminiser la langue jusqu’à l’absurde :
« Puisque vous dites que cette soldate est écrivaine, dites donc aussi que le sentinel est un nouveau recru. Car la première est une personne et le second est un person. »"

(...) reformas que pretendem feminizar a língua ao absurdo: "Já que diz que esta soldada é escritora, diga também que o sentinelo é um recruto. Porque a primeira é uma pessoa e o segundo é um pessôo."»


Ora, uma escritora é uma mulher que exerce essa profissão, e já agora devíamos começar a dizer soldada mais vezes. Nós temos várias escritoras e não nos tem feito mal nenhum. Eles também têm, mas insistem em chamar-lhes "escritor" ou "senhora escritor".

Cá para mim, esta comparação é que é absurda, por dois motivos. Porque "feminizar" seria passar os plurais mistos para o feminino, obrigar os escritores a intitular-se "senhor escritora", etc.
É absurdo achar que o facto de admitir uma médica ou uma directora de qualquer departamento seja uma feminização. Feminiza o quê? A mulher que é médica? Ela já é feminina! A língua? Porquê, não deixa de haver "médico"!?

O facto de não existirem "escritora", "directora", "ministra", "professora" (ensino superior), "pintora", "doutora", "médica", etc., etc., etc., é não só absurdo, mas uma gigantesca demostração de machismo latente, cultural, impregnado na sociedade. Repare-se como todas se referem a profissões de algum prestígio social e hierarquia elevada. E como o acham natural, é um absurdo com tendência à perpetuidade.


Os franceses são muito zelosos (às vezes um bocadinho paranóicos) com a gramática da língua francesa e os anglicismos, mas tão permissivos nesta coisa do acordo de género, quando o género é feminino... A sacrossanta madre Academia Francesa encarrega-se destas coisas todas. É-lhes perfeitamente natural despedir-se à sexta feira com um sorridente "Bon weekend", mas chamar "professora" ou "doutora" às mulheres que a integram, nunca!

Não entendo. Pronto, que é querem, sou só uma mulher, estas coisas não são para mim, coitadinha, que tenho esta cabecinha de mulher.

05 junho 2006

De volta, ainda no país das maravilhas

Cá estou de novo em Paris, depois de Bourges, do festival e do que pude ver da cidade. É realmente uma cidadezinha especial: tem o centro medieval recuperado, com as casas feitas com aquela estrutura de madeira e a catedral património da Humanidade. Vi o Marais, que é um terreno pantanoso na confluência de 3 rios, e que está transformado em várias pequenas hortas, tudo aquilo muito regado com muitos canais cheios de bicharada.

E mais uma vez neste país, auto-denominado exemplo europeu da laicicidade, foi hoje feriado: o Pentecostes.

Mentiras que vão tecendo a nossa miséria

PESO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NA POPULAÇÃO ACTIVA
( Dados de 2004)
(Fonte EUROSTAT, publicado no Correio da Manhã na semana passada)

* Suécia .. 33,3%
* Dinamarca ..30,4%
* Bélgica .. 28,8%
* Reino Unido ..27,4%
* Finlândia ..26,4%
* Holanda .. 25,9%
* França .. 24,6%
* Alemanha .. 24%
* Hungria .. 22%
* Eslováquia ..21,4%
* Áustria .. 20,9%
* Grécia .. 20,6%
* Irlanda .. 20,6%
* Polónia .. 19,8%
* Itália .. 19,2%
* República Checa ..19,2%
* PORTUGAL .. 17,9%
* Espanha .. 17,2%
* Luxemburgo .. 16%

02 junho 2006

Bon weekend!

Amanhã vou para aqui: Bourges!

Espero que o Synthèses me deixe tempo para ver estas coisas todas...






O socialismo face à delinquência

A pré-candidata do PS francês às presidenciais do próximo ano, Ségolène Royal, foi ontem ao departamento (concelho) onde se verificaram a maior parte dos distúrbios de Novembro último, e que voltaram a repetir-se em menor escala na última semana. E que se lembrou de dizer? Nada mais nada menos do que a solução socialista para o problema da violência e delinquência é o aumento da segurança e instalações militares para os jovens problemáticos.
Claro que recebeu logo os maiores elogios: o Sarkozy disse-lhe que estava no bom caminho, e da FN mandaram dizer que a lepenização ultrapassa até as melhores expectativas. Quem não achou piada foi o companheiro da pré-candidata, e líder do partido a que ela também pertence, François Hollande. Disse que enfim... um enquandramento para os jovens sim, mas militar é que já não concorda muito...
A senhora até chega a acertar, quando diz que a pobreza e a violência costumam andar ligadas, mas coitadinha, não consegue é raciocinar a partir daí e tirar uma conclusão consequente.



Mas há quem tenha conseguido. A 16 de Junho de 2003 ouvi uma entrevista de que nunca mais me esqueci e cujas ideias principais me vêm à mente muitas vezes. Tratou-se de uma edição do programa "Pessoal... e Transmissível" da TSF, em que Carlos Vaz Marques entrevistava Benedita da Silva. Felizmente a TSF guardou-a na internet e é facilmente audível. No início do governo de Lula no Brasil, Benedita da Silva foi Ministra da Assistência e Promoção Social. É pena ter ficado tão pouco tempo no posto.

Depois de falar da violência física, que diz ser um problema importante, diz que há outra violência que são quase 50 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e quase 30 milhões que não comem. À pergunta "uma e outra estão ligadas?", responde que "uma acção contribui para que a outra aumente. (...) Combater a pobreza você está prevenindo. Porque não é o facto de ser pobre que torna a pessoa violenta, mas já é uma violência uns terem comida e o outro não. Já é uma violência uns terem emprego, dinheiro e o outro não."


Benedita da Silva percebeu o problema. Mas será que é preciso ter sido excluída, miserável, ter passado fome e vivido uma vida inteira numa favela carioca para perceber isto?

Mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo

E quando o mentiroso insiste numa argumentação coxa, nem vos digo! É um instantinho. Aliás... o melhor, é que os próprios se fazem apanhar.

Eu explico. Vi um artigo sobre um estudo comparado sobre a competitividade, e fui ver a coisa propriamente dita.

Ora, e a propósito de competitividade, o que é que nos martela os ouvidos?

- que tudo a que chamamos direitos, são afinal privilégios e têm que ser reduzidos/ extinguidos;
- que a nossa força de trabalho é caríssima e isso nos tira competitividade;
- em França, acrescenta-se a este argumento que há demasiadas greves; e que há fugas de cérebros para o estrangeiro;
- sobretudo, martelam-nos com o modelo ultra-liberal americano e inglês como o paraíso a atingir.


Este estudo cobre as economias de França, Reino Unido, Holanda, Itália, Alemanha, Japão, Singapura, Estados Unidos e Canadá, e revela que afinal a terrível, infernal, anti-liberal, conservadora e atrasada França, cujos trabalhadores são profundamente estúpidos e não percebem nada do que se tenta fazer por eles, é o país europeu que atrai mais investimento. Está em terceiro lugar, depois de Singapura e Canadá, e antes dos "paraísos" de competitividade EUA e UK.

Mas não acaba aqui: um dos factores que leva a esse lugar priveligiado são precisamente os custos ligados à força de trabalho.

"De quem é este estudo tão altamente tendencioso?", perguntarão alguns. Preparam-se talvez para ouvir PCF, ATTAC, BE, algo assim. Pois deixem dizer: KPMG. Sim, essa mesma, a consultora multinacional, e até têm bem afixada a lista dos patrocinadores do estudo, constituída por organismos oficiais e estatais dos países visados e várias empresas multinacionais.

Parece que formar as pessoas, dar-lhes um sistema de saúde eficaz e pagar-lhes decentemente ainda traz alguns benefícios. Será que alguém enviou este estudo aos governos que o encomendaram?

"Quando eu era Primeiro-Ministro:"

"Deixem-nos governar, deixem-nos governar!"

"Eu não sou o Clinton"

"Não me venham pôr ideias à minha Maria, que ela ainda está a lavar a loiça."

E assim andamos todos contentinhos, porque temos exactamente aquilo que escolhemos.

01 junho 2006

A Ministra sem Educação

A ministra da Educação foi escolhida a dedo, undolitá e fica a Maria José Rodrigues. Agora vem dizer e acho que repetir que a culpa do insucesso escolar se deve aos professores. Bem sucedida a pior campanha de difamação da classe profissional de que há memória (nem com a Ferreira Leite!) afinal era preciso preparar a opinião pública para os cortes e ataques a direitos considerados até há pouco tempo invioláveis. Mas já a campanha venceu em quase todas as frentes e a senhora continua, a título desconhecido a fazer considerações da pior espécie. Quem já trabalhou em escolas no ensino público sabe que o insucesso escolar é um problema social grave, problema para o qual docentes têm vindo a chamar a atenção há anos. Entretanto, tanto nos governos ps como nos psd, sairam decretos a facilitar a transição de anos u níveis, como a tentar esconder a vergonha nacional. Mais medidas não se viram ( se considerarmos esta uma medida). Entretanto as escolas hoje podem escolher os seus alunos, sim as escolas públicas escolhem os alunos que entram nos seus estabelecimentos, e existe uma escola secundário do Restelo, por exemplo, com um bom lugar no rankin, que selecciona os alunos pelas notas que trazem de trás. Há aquelas escolas onde há docentes que apesar do ME ter tornado possível essa aberração não limitam a entrada a alunos comportando-se como uma escola pública. Mas se esta escola ou aquela quiser expulsar um aluno porque apontou uma arma a colegas e professores e porque a sua família veio fazer uma espera a alguns professores o ME pode obrigar a escola a aceitar de volta o menino através dos seus serviços regionais. Penso que fica tudo dito em relação à autonomia das escolas.
A escola podia ser um espaço de combate às fortes desigualdades sociais, ou seja podia combater o insucesso escolar, tivesse para isso meios, e estes meios nem serão sempre materiais, provavelmente os mais importantes nem serão este tipo de bens. O mais importante é ter bons profissionais, mas se tivermos uma classe profissional mal tratada continuamente, dois exemplos rápidos: comissões ministeriais para aprovar os manuais! Imagina-se as centenas de pessoas que será preciso contratar para tal trabalho? E se é o professor que conhece a matéria e serve para a ensinar já não serve para escolher o manual que vai usar?! Faz sentido? Faz sentido haver no ME quem receba queixas sobre determinados manuais que possam não cumprir da melhor forma com os currículos (e isso já existe); segundo: pais vão avaliar professores e essa avaliação serve para a sua progressão na carreira! Estes dois pequenos exemplos ilustram bem como não será possível para já haver mais sucesso escolar e como não se prevê para Portugal nenhuma mudança de paradigma (país com menos licenciados, país com menos gente escolarizada....na ue)
Face a isto ainda temos de ouvir a Ministra ir dizendo o que lhe apraz, o que nos vale é que de facto os professores portugueses têm muito mais educação do que a senhora e continuarão o seu trabalho o melhor que forem capazes.

Também quero um emprego em Estrasburgo

Périplo é o nome de um documentário sobre o Mediterrâneo, a história das suas gentes, feito por Miguel Portas e Claúdio Torres. A ideia parece gira mas dá facilmente para concluir que o Parlamento Europeu deixa muito tempo livre ao único deputado do BE. A questão é: deixará o Parlamento Europeu bastante tempo livre a todos os deputados (inclino-me para esta opção) visto os seus poderes estarem de facto circunscritos a muito pouco ou o Bloco de Esquerda ainda não decobriu que fazer na Europa com este deputado?